Herança da culinária árabe é bem representada em Belo Horizonte

Com petiscos que já fazem parte da dieta do brasileiro, cozinha árabe ganha espaço

por Eduardo Tristão Girão 19/02/2016 08:00
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
É curioso. No Brasil, mistura-se a cozinha francesa com quase tudo e adapta-se a italiana e a japonesa a gosto. Já a árabe, que também goza de grande popularidade, segue praticamente do mesmo jeito, como se fosse imune a mudanças. Tirando uma esfirra doce aqui e um quibe recheado com requeijão acolá, é raro ver alguém sair do “cercadinho” da tradição. Em Belo Horizonte, são vários os “santuários” do tipo, cada qual com suas especialidades. Não por acaso, muitas dessas receitas são verdadeiras heranças.


Indiscutivelmente, a esfirra fechada de carne é o maior atrativo do Bar do Toninho, inaugurado em 1983 na Serra. Ainda que a vitrine fria exiba porções de quibe cru, homus e lagarto em conserva (cada uma por R$ 19, em média), são as fornadas do salgado o que mais atrai o público – sempre por volta das 17h30, sendo que, lá pelas 20h, todas as 80 já foram vendidas. Custa R$ 4 (unidade), o mesmo preço do quibe frito.

“Meu avô era sírio e abriu esta casa como um armazém em 1958. Depois é que virou bar. A receita é dele, com massa mais fina e carne temperada basicamente com sal e pimenta síria, além de tomate e cebola”, conta Daniel Antônio Auad, que comanda o bar ao lado do pai, Antônio José Auad Filho, o Toninho. As esfirras não são congeladas, mas produzidas diariamente, a exemplo da maioria das pastas do local.

No mais, há dois petiscos com berinjelas em conserva (um com passas, nozes e azeitonas; outro com pimenta biquinho e castanha-do-pará) e pedidas que são oferecidas apenas uma vez por semana: charuto de repolho (R$ 4, unidade), às terças, e quibe assado com coalhada seca (R$ 7, unidade), às quintas. Para acompanhar, o pão árabe sai a R$ 1 (unidade). Cervejas a partir de R$ 7,50 (garrafa de 600ml).

Já no Beirute, empório aberto em 1981 no Cidade Jardim, a estrela é o quibe, em meio à concorrência de esfirras de sabores inusitados (como camarão, bacalhau e calabresa) – os salgados da casa custam a partir de R$ 4,90. Além da pimenta síria, o quibe leva bastante cebola, mas é a forma como é enrolado que o diferencia, explica o gerente Cláudio Burni, filho da fundadora, Tereza Cristina: “É o mesmo que meu avô, sírio, fazia. Fica mais gordinho em vez de comprido”.

A loja, que conta com apenas duas mesas, atrai muitos fregueses para comer de pé, perto dos balcões frios, que guardam itens como homus, babaganuche, coalhada seca, quibe cru, charuto de repolho, salada marroquina e arroz com lentilha (R$ 16, cada pote de 250g, em média). Além disso, há nada menos que cinco petiscos à base de berinjela: com castanha e passas; fatiada ao alho e óleo; picada e curtida em vinho; picada com azeitona e pimentões; e em tiras com pimentões e azeitonas, sem vinagre.

TRADIÇÃO Tudo gira em torno da figura da palestina Hana Ahmad Khaouli na pequena loja Coisas d’Hana, que comanda no Mercado Central, no Centro. Ela veio para o Brasil em 1976, durante a guerra civil libanesa, lembra: “Chegamos a São Paulo e, como aqui na cidade tem muita gente do Sul do Líbano, viemos para cá”. É um dos redutos árabes mais tradicionais da capital mineira, com grande variedade de produtos típicos à venda e, no fundo, pequenos balcões com comidas frias e quentes.

O quibe é o primeiro a sair, por volta das 7h ou 8h. “A massa dele é sequinha e todo mundo acha que é assado. Mas é frito mesmo”, conta Hana. Para os vegetarianos, ela abre mão da tradição e prepara versão recheada com queijo canastra e azeitona. A partir das 10h, o freguês também encontra por lá esfirras (de carne, espinafre ou apenas zaatar). Cada unidade custa R$ 6.

Na sobreloja, são preparadas as pastas, tabule, coalhada seca e patês (R$ 65, quilo). Já pães, esfirras e doces são produzidos numa cozinha fora do mercado. Por falar em doces, Hana afirma que o maquinário para produzi-los foi trocado por outro mais moderno, permitindo que a massa folhada e o fio de semolina fiquem mais finos. As geleias de damasco e de rosas são novidade e a casa segue trabalhando com série de guloseimas importadas, como o clássico halawa, à base de tahine (pasta de gergelim).

PASSEIO Distante (mas não muito) da agitação de BH, o restaurante Casa de Abrahão é daqueles que atraem também pelo passeio. Os 65 lugares ficam numa casa agradável, em meio a muito verde, no povoado de Palhano, próximo ao condomínio Retiro do Chalé, a pouco mais de 40 quilômetros do Centro da capital mineira. O proprietário é o neto de sírios Antônio Abrahão, que faz questão de assar ele mesmo um pão típico, o markuk, diante do salão.

“A receita é da minha família. Ele é fino, com espessura entre o pão folha e o pão boina, polvilhado com azeite e zaatar. Asso em forno elétrico na hora em que o pedido é feito”, conta Abrahão. A unidade sai por R$ 13,50 e é ideal para acompanhar as pastas da casa, levadas à mesa para que o freguês escolha as que quiser, incluindo pedidas como babaganuche, homus e coalhada seca. As entradas do restaurante custam entre R$ 9 e R$ 23 (unidade), e as cervejas partem de R$ 7 (long neck).

Outra peculiaridade da casa é o fato de o cardápio listar receitas não apenas da Síria ou do Líbano. “Essa cozinha pode ser muito mais ampla. A parte tradicional é muito importante para o público, que espera pratos como quibe e arroz com lentilha, mas oferecemos pratos que fogem a essa tradição, incluindo opções marroquinas, turcas e, ocasionalmente, judaicas”, diz ele. Sai do lugar comum, por exemplo, a berinjela recheada com cuscuz marroquino e iogurte. vVinhos a partir de R$ 49, cerca de 60 rótulos.

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