Queijo passa de coadjuvante a protagonista em receitas de restaurantes renomados

Alimentos de pequenos produtores vêm se destacando. Zé Mário é um dos nomes mais conhecidos na Serra da Canastra

por Celina Aquino 02/08/2015 12:33

Reprodução
(foto: Reprodução)

Antes restrito às tábua de frios, o queijo surge como estrela do prato. Nada mais natural diante da diversidade de sabores e texturas que podem ser explorados só entre os produtos brasileiros. Assim, a lógica começa a se inverter e os cozinheiros se arriscam a pensar em uma receita para aproveitar as características mais marcantes do ingrediente escolhido. “Os chefs estão ousando mais no uso do queijo. Como existe uma variedade muito grande, eles têm a possibilidade de criar a receita do jeito que imaginam”, destaca o especialista em queijos Fernando Oliveira.

Na sua loja A Queijaria, que fica em São Paulo, ele disponibiliza aos cozinheiros mais de 180 tipos de queijos produzidos em 10 estados, do Rio Grande do Sul ao Pará. “Os franceses que nos aguardem. Brinco que lá tem muita história, mas ninguém tem a biodiversidade como a nossa”, comenta Oliveira. Minas Gerais domina as prateleiras, sendo que os queijos da Serra da Canastra são os mais procurados. O chef Guilherme Melo, do Restaurante Hermengarda, em Belo Horizonte, é um dos profissionais que aproveitam de várias maneiras o ingrediente dessa região de Minas.

“Existem muitos produtores cuidadosos, que fazem queijos excepcionais, mas a maioria deles está na Serra da Canastra”, justifica. Como prova da diversidade, constam no cardápio um prato salgado e outro doce (veja as receitas) com queijos de dois pequenos produtores.

Descoberto por acaso, um ingrediente produzido em Amparo (SP) vem ganhando espaço nas cozinhas mais ousadas. Até então, ninguém na região dava bola para o queijo da tulha (lugar nas fazendas onde se armazenam grãos e cereais). “O produto não era valorizado porque a madeira onde ele ficava durante a maturação o deixava com a cor avermelhada e as pessoas achavam que era bicho”, relata Oliveira. O que nem o produtor sabia era que o sabor do queijo, uma mistura de sal com doce, se destacava. Como é feito com massa cozida, ele fica caramelizado com o tempo.

Não faltam opções para os chefs, até mesmo na hora de fugir do queijo de leite de vaca. Para quem precisa de acidez na receita, o especialista sugere o queijo de cabra. Já para os que buscam delicadeza, nada melhor que o de búfala, enquanto o de ovelha é indicada para dar cremosidade ao prato.

MATURAÇÃO Os mineiros ainda mantêm a preferência por queijos frescos, mas os maturados começam a ser mais valorizados na gastronomia. Tanto que o especialista montou em seu sítio em Morungaba, no interior de São Paulo, um centro de maturação, onde os queijos novos são cuidados para envelhecer da maneira adequada. “São todos iguais quando estão frescos. Depois de um mês você entende que cada um tem sua identidade”, ressalta. Embora tenham menos peso, os queijos curados têm mais valor porque ganham em textura e sabor, o que é essencial para se destacar nas receitas.

Com cinco meses, os queijos da Serra da Canastra chegam ao ponto perfeito para ser consumidos. Ao longo do tempo, forma-se uma casca dura e amarela, o interior tende a secar, a acidez fica equilibrada e a concentração de sal aumenta.

O segredo de Zé Mário

Durante uma viagem pela Serra da Canastra, para resgatar a história do avô, que comprava queijo para maturar em casa, Fernando Oliveira se deparou com os problemas que os produtores da região enfrentavam: o produto estava marginalizado e era vendido a preço de banana para fábricas de pão de queijo. Um deles chamava a atenção por não ter abandonado a produção de queijo, como muitos vizinhos fizeram. “Ele foi praticamente um pilar da resistência, porque era motivo de chacota, mas nunca parou. Dizia que ia criar os filhos com isso”, conta o especialista referindo-se a Zé Mário.

E não deu outra. O produtor de São Roque de Minas não apenas sustentou a família com a fabricação de queijo como está preparando os dois filhos para assumir o negócio. Como prêmio pela insistência, ele viu seu produto se valorizar exponencialmente, muito em função do trabalho de Oliveira, que há sete anos passou a revender as peças em São Paulo. Apesar do aumento significativo da procura, Zé Mário continua a produzir o mesmo número de queijos. Em média, são cinco por dia. “Se aumentar a produção não tem mais queijo com qualidade. Desanda tudo.”

O sucesso não se resume a uma fórmula mágica. Depois de passar por uma época em que o lucro não pagava nem o leite, Zé Mário percebeu que a única maneira de manter a tradição era garantir a qualidade. O produtor entende que o bom resultado tem a ver com a saúde dos animais, o tipo de alimento e água que eles consomem e a higiene desde o momento em que se começa a ordenha até o queijo ficar pronto. “Até o jeito de trabalhar no queijo faz diferença. Se fizer o serviço achando custoso, está tudo errado. Tem que trabalhar numa boa, não pode ter preguiça.”


Em casa, todos gostam de comer um pedaço de queijo no café da manhã. Às vezes, o ingrediente vai em cima do arroz que acabou de sair do fogão. “Vira um puxa e fica muito gostoso.” Aos 67 anos, Zé Mário aos poucos se afasta da produção de queijo para dar lugar aos filhos. Ele agora prefere cuidar da horta, das galinhas, fazer churrasco, tomar uma dose de cachaça e admirar a natureza.

Bolinho de queijo com calda de vinho do Porto e figos

(Rende 6 porções)

4 Ingredientes

250g de queijo da Serra da Canastra de leite cru; 150g de creme de leite fresco; 200g de manteiga; 4 ovos; 4 gemas; 1/2 xícara de farinha de trigo peneirada; 1/2 xícara de açúcar; 2 colheres de sopa de açúcar para a redução de vinho do Porto; manteiga
para untar; 500ml de vinho do Porto;
6 figos maduros

4 Modo de fazer

Derreta o queijo, a manteiga e o creme de leite em banho-maria, misturando bem. Junte os ovos e as gemas e misture bem. Acrescente a farinha de trigo e o açúcar e mexa até formar uma massa homogênea. Envolva a massa em filme plástico e deixe descansar por pelo menos uma hora na geladeira. Em fogo brando, coloque as duas colheres de sopa de açúcar e deixe reduzir até o ponto de calda rala. Unte seis forminhas individuais com manteiga e distribua a massa, sem encher completamente as forminhas. Leve ao forno pré-aquecido a 200 graus e asse por cerca de 12 minutos, ou até que o bolinho esteja completamente assado. Desenforme o bolinho e sirva com a redução de vinho do Porto e um figo partido ao meio.

Risoto de queijo
(Rende 6 porções)

Ingredientes

1 cebola pequena; 2 dentes de alho; 150ml de vinho branco seco; 2 colheres de sopa de manteiga; 300g de palmito pupunha assado e picado; 300g de arroz carnaroli (ou arbório ou vialone nano); 400ml de caldo de legumes; 350g de aspargos; 3 tomates picados sem pele e sem semente; 200g de queijo da Serra da Canastra de leite cru; 2 colheres de sopa de manteiga para finalização; sal e
pimenta-do-reino moída na hora

Modo de fazer

Repique o alho e a cebola e refogue-os na manteiga. Acrescente o arroz e refogue, mexendo bem. Em seguida, acrescente o vinho branco e continue mexendo. À medida que o líquido for secando, acrescente caldo de legumes sempre que necessário, mexendo sempre. Após 10 minutos, adicione os palmitos assados, os aspargos picados, o tomate concassê e metade do queijo da Serra da Canastra. Continue adicionando caldo de legumes quando necessário. Quando o arroz estiver cozido, o que leva aproximadamente 20 minutos, desligue o fogo acrescente o restante do queijo da Serra da Canastra e a manteiga para finalização. Misture bem e sirva imediatamente.

Mário Castelo/Divulgação
Zé Mário é um dos nomes mais conhecidos na Serra da Canastra (foto: Mário Castelo/Divulgação)

MAIS SOBRE GASTRONOMIA