Conheça redutos em BH que apostam no charme de seu cardápio de PFs

BH tem espaços que dispensam a tradição do serviço à la carte e são imunes à moda do self service

por Eduardo Tristão Girão 28/05/2015 08:00

Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press
Garçonete se prepara para servir mesa no Restaurante da Leia, no Caiçara, que atrai chefs para comer o prato feito a R$ 17. Casa tem cachaça armazenda em bambu como cortesia para seus clientes (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
Nos restaurantes onde se serve prato feito, ninguém fala em self-service. Não que seja tabu, é que não faz sentido. Ninguém reclama da sequência fixa de pratos, uma semana atrás da outra, o ano inteiro. Ao contrário, parece haver conforto geral em saber que hoje é dia de rabada com batata ou que na segunda-feira, como sempre, todos irão de carne cozida com almeirão refogado. Meio do caminho entre o à la carte e a balança, o PF é quase uma doutrina, reunindo todo tipo de gente em torno de comida fresca, preço baixo e ambiente simples.

 

 

Não é sempre que Setembrino Ramos, o Bino, se anima a pegar a escada para poder escrever com giz o prato do dia do Xok Xok, um dos restaurantes mais concorridos do Edifício Maletta, no Centro. “80% dos clientes são os mesmos, muitos vêm todo dia”, diz ele. Nascido na cidade mineira de Senhora do Porto, ele teve bar em São Paulo, mas não se acostumou à cidade e veio para BH em 1984, ano em que comprou o bar do “turco” que o abriu, 20 anos antes. “Deixei tudo igual. Só troquei o balcão”, conta.

A velha máquina registradora (com gominhas, papéis dobrados, clipes e chaves entre os botões) denuncia a idade do bar, que tem televisão (desligada) próxima ao teto, garçom sem uniforme e estufa com torresmo, frango frito e linguiça, além de ampla oferta de conhaque barato. A preparação do almoço começa às 6h, num cubículo dividido por duas cozinheiras, um fogão industrial, panelas enormes e pilhas de bife. Ali se descasca um saco enorme de batatas todo dia – as congeladas não têm vez.

 

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Bino já pensou em mudar para self-service, mas foi desencorajado pelos próprios fregueses. As cozinheiras foram transmitindo as receitas umas às outras ao longo das décadas e a sequência atual é a mesma há 15 anos, estima ele: carne cozida com almeirão e purê de batata (segunda), frango com quiabo (terça), lombo com tutu (quarta), feijão-tropeiro (quinta), feijoada (sexta) e lombo com farofa e batata (sábado), todos com arroz e feijão. Aliás, eis aí uma exceção, pois vários desses restaurantes fecham as portas ou deixam de servir PF nos fins de semana.

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Mané Doido, no Mercado Central, tem tropeiro como opção diária e serve PFs de segunda a sexta. Na casa, é vetado servir cerveja para clientes que não forem almoçar (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
CERVEJA

É o caso do Mané Doido, no Mercado Central, outro tradicional reduto do prato feito no Centro da cidade. Além de não oferecer esse tipo de refeição sábado e domingo (quando os petiscos são priorizados), só vende cerveja durante a vigência do PF se o freguês realmente for almoçar. “É preciso ter paciência com os fregueses e eles consciência de que sempre tem gente esperando para sentar. Já fui parar no fórum por causa de uma mulher que queria beber sem almoçar”, conta o gerente do bar, Olimar Coelho. Ex-dono de bar no Carlos Prates, ele é genro do fundador, Mané Doido, que foi ambulante na porta do mercado, abriu a casa em 1954 e atualmente está afastado por causa da saúde frágil. Mesmo assim, a comida continua saindo do jeito dele, incluindo a rabada com batata (o prato mais caro, R$ 21), servida às terças e quintas. “Ela não é feita na panela de pressão. Demora mais e gasta mais gás, mas fica mais saborosa”, defende Coelho. As cozinheiras do bar chegam às 6h para iniciar o preparo do almoço. São cerca de 200 PFs vendidos por dia.

Às segundas tem dobradinha com feijão-branco, quarta é dia de costelinha e sexta, de feijoada. Feijão-tropeiro é diário e todos os pratos vêm com arroz, feijão e macarrão. Ovo e bife são cobrados à parte. Na fila de espera (um caos organizado), clientes comentam como gostam de personalizar seus pratos: um gosta de regar a carne moída com o caldo da rabada, outro ousou misturar tropeiro com rabada (e quase não conseguiu trabalhar depois). “PF é tradição. Nunca quisemos ter self-service”, diz Coelho.

Era para ser só uma lanchonete, mas quis o destino que a família Dias tivesse, na verdade, um restaurante. “Abrimos em 1991, era época da construção do Shopping Del Rey. Havia procura grande por refeição e fornecemos muita marmita para os que trabalharam na obra”, lembra Marileia Anselmo Dias Malafatti, cujo apelido dá nome ao Restaurante da Leia. É referência em PF não apenas no Caiçara, atraindo chefs de cozinha que cruzam a cidade para comer lá e até clientes de cidades vizinhas. R$ 17, com guarnições à vontade.

A mãe dela, Maria Amélia, é quem comanda a cozinha, chegando entre 4h30 e 5h para iniciar o preparo do arroz e do feijão. A sequência de pratos durante a semana é a seguinte: macarrão à bolonhesa às segundas, feijão-tropeiro às terças, receitas como maionese de batata e tutu às quartas e quintas e, às sextas, o que Leia chama de ensaio de feijoada (feijão-preto com linguiça e bacon). Como a demanda é grande, a família achou mais prático vender suco enlatado, embora não tenha cedido à tentação de usar batatas fritas congeladas.

A comida é servida em vasilhas de diferentes formatos e materiais, a exemplo do que costuma acontecer em ambiente doméstico. Guardada num enorme bambu, a cachaça é cortesia da casa (o garrafão que o abastece fica num canto da cozinha). “Meus clientes não gostam de self-service”, resume Leia.

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