EM convida três especialistas para teste cego de pão de queijo

Desempenho de cinco marcas industrializadas e congeladas do produto frustra avaliadores, que sentem falta do principal ingrediente, o queijo

por Eduardo Tristão Girão 14/05/2015 08:00
“Não percebi o queijo. O gosto é muito leve, quase uma essência”. “Não tem aroma nenhum.” “Em alguns, percebo um toque ainda meio artesanal.” Comentários como esses entremearam o teste às cegas de cinco marcas de pão de queijo industrializado e congelado que o Estado de Minas promoveu, na semana passada.


O chef Américo Piacenza (restaurante Piacenza), o consultor de vinhos Márcio Oliveira e o jornalista Nenel Neto (blog Baixa Gastronomia) avaliaram, segundo os critérios de aparência, aroma, textura e sabor, os pães de queijo das marcas Forno de Minas, Maricota, Pif Paf, Sadia e Sô de Minas. Foram dadas notas de 0 a 10 para cada item.


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Os avaliadores provaram duas amostras de cada marca – uma assada em forno a gás e outra em forno elétrico, ambas segundo as instruções de temperatura e tempo de preparo indicadas nas embalagens dos produtos. As marcas não foram identificadas. As amostras foram servidas com identificação por número. No geral, o desempenho desse símbolo da cultura alimentar mineira não foi dos mais animadores.

“Em geral, falta sentir gosto de queijo. O melhor é o da mamãe ou o da lanchonete”, resume Neto. Ele gosta que o quitute tenha pontinhos de queijo tostados na superfície (nem todas as amostras apresentaram essa característica) e que seja suculento – seu endereço preferido é a lanchonete Pão de Queijo Mania, no Centro. Aliás, estão nessa região da capital mineira todos os demais lugares favoritos dos jurados: Pão de Queijo da Roça, Dona Diva e Tropical Pão de Queijo.


“A massa precisa ser aerada, ter aroma de queijo e polvilho. A aparência tem de estimular e deve ser crocante. Tudo isso é fundamental e nem todos tiveram essas características”, afirma Oliveira. Já Piacenza aproveita para apresentar considerações que podem influenciar decisivamente na primeira impressão do produto: “Quando o queijo é ralado, o sabor fica diferente. Assim, muito processado, dá esse ar de linha de montagem”. Ou seja, a aparência lisa e uniforme da casca não funciona como chamariz para todo mundo.

A reportagem procurou representantes de todas as marcas, para saber como é seu processo de produção. Os entrevistados não foram previamente informados a respeito da realização do teste.

LEANDRO COURI/EM/D. A. PRESS
(foto: LEANDRO COURI/EM/D. A. PRESS )

BONITO Marcos Paulo Neto de Castro, gerente de produção da Sô de Minas, diz que a quantidade de queijo empregada na receita, que corresponde a 20% do peso total, é o grande desafio do processo. “Isso dificulta a operação das máquinas. Fora que queijo é caro, e a gente bota muito. É até bonito ver fazendo, ralando aquele tanto de queijo”, afirma o gerente, de 32 anos.


A receita da Sô de Minas tem origem familiar, mais precisamente na fórmula da “tia Maria Hermínia”, parente de Neto de Castro natural de Viçosa, mas que hoje vive em Belo Horizonte, onde continua preparando seu pão de queijo. Formado em ciência e tecnologia de laticínios pela Universidade Federal de Viçosa (cidade vizinha à Coimbra), ele informa que a fábrica compra queijo minas padrão (cujo leite é pasteurizado) das marcas Porto Alegre, Dona Beja e Paladar, para fazer o pão de queijo – as duas últimas desenvolveram versão do queijo sob medida para a receita da Sô de Minas, que vende 30 toneladas mensalmente.


A Forno de Minas esclarece que também é de 20% a medida de queijo na massa do seu pão de queijo. Para atender à demanda de 1.600 toneladas de pão de queijo por mês, a marca possui laticínio para produzir seu próprio queijo minas padrão – em blocos de 20 quilos curados por 90 dias –, elaborado com leite de cerca de 200 fazendas em torno de Conceição do Pará, onde fica a fábrica.


“Minha mãe, minha sogra, todo mundo faz. O pão de queijo daquela região de João Pinheiro, de onde vem minha família, é igualzinho. É um pão de queijo mais fofinho, que não endurece de um dia para o outro. Nossa receita é de família, a que fizemos toda a vida. É um pão de queijo normal, o difícil é transformar um quilo em uma tonelada”, conta Maria Dalva Couto Mendonça, fundadora e uma das diretoras da Forno de Minas. Essa receita, diz ela, é a mesma usada antes do período em que a empresa pertenceu à multinacional General Mills.


A Pif Paf não informa a porcentagem de queijo usada em sua receita, mas revela incorporar à massa não apenas queijo minas padrão, mas também parmesão. Atualmente, a fábrica, que fica em Leopoldina, usa exemplares mineiros, mas ocasionalmente compra queijo minas de outros estados, como São Paulo. “Compramos de fornecedores variados, analisando teor de gordura e a palatabilidade, para que o queijo não seja salgado ou ácido demais, por exemplo”, explica Cláudio Faria, gerente de relações institucionais da empresa.


A Maricota, por sua vez, emprega exclusivamente parmesão no seu pão de queijo, ingrediente que representa 14,5% do volume total da massa. A assessoria de imprensa da Sadia não atendeu o pedido de entrevista do Estado de Minas.

Fórmula artesanal é trunfo de lanchonetes

JOÃOMIRANDA/ESP.EM
As sócias Suleine Alves e Sueli Passos, da Dona Diva, no Mercado Central, que usa canastra no pão de queijo (foto: JOÃOMIRANDA/ESP.EM)
O movimento pela valorização do queijo artesanal mineiro (aquele que é feito com leite cru, ou seja, não pasteurizado), que vem ganhando força nos últimos anos, influencia diretamente a forma como algumas casas de Belo Horizonte produzem o pão de queijo. Nelas, passa longe aquela ideia de que a receita é ideal para aproveitar sobras de queijo ou mesmo seus pedaços mais duros e velhos. Ao contrário, são produtos elaborados com queijos de produtores reconhecidamente competentes.

Um dos melhores exemplos disso está em A Pão de Queijaria, na Savassi. Lá, Mário Santiago Israel, um dos proprietários, desenvolveu quatro receitas que assa diariamente, cada uma com um exemplar diferente: canastra de João Leite, Serra do Salitre de João de Melo, Parmesão de Alagoa e gruyère mineiro (o único que não leva leite cru). Sua receita leva ovo, leite, manteiga, sal e polvilhos doce e azedo. Inquieto, ele vem testando substituir a manteiga por azeites espanhóis de diferentes azeitonas para oferecer opções extras ao freguês.

BANHA “A ideia é unir os terroirs do queijo e do azeite. Antigamente, o pão de queijo levava banha de porco. Já usei para ver o que acontecia, mas ficou muito forte. Daí, usamos normalmente a manteiga, que é uma gordura de origem animal. Nas receitas com canastra e Serra do Salitre, misturamos as duas gorduras. Nas outras duas, apenas azeite”, conta Israel. Para conferir a novidade, é preciso estar na casa a partir das 19h30, quando começam a sair essas fornadas fora do padrão.

Na lanchonete Dona Diva, no Mercado Central, no Centro, o pão de queijo é feito rigorosamente com o canastra do produtor Valter Caetano Leite há cinco anos – ele também fornece os ovos caipiras usados na receita. Os queijos são entregues quinzenalmente na loja, onde terminam de curar por mais alguns dias. Para comer o pão de queijo recém-saído do forno, é preciso dar a sorte de chegar bem na hora, explica Suleine Alves, uma das proprietárias: “Estufa destruiria o meu produto, pois, como é leve, ressecaria e endureceria”. Ele fica em vitrine simples.

Na Bitaca da Leste, misto de empório e bar em Santa Tereza, a diversidade de queijos artesanais mineiros nas prateleiras inspira o chef e proprietário Luiz Paulo Mairink a testar exemplares valorizados, como os dos produtores Zé Mário, Onésio e João de Melo. “Os resultados sempre foram bons, o que costuma variar é a picância. Para mim, pão de queijo tem de ter gosto marcante de queijo, a proporção de queijo é a mesma do polvilho. Outra diferença é que uso manteiga de garrafa no lugar do óleo, o que me ajuda na cor e no sabor.”

 

Como ficou a avaliação
A marca de pão de queijo industrializado mais bem avaliada pelos especialistas convidados pelo Estado de Minas para o teste às cegas é a Sô de Minas, que obteve nota 92,5 pontos (em 120). A fábrica da Sô de Minas, que comercializa 30 toneladas do produto por mês, fica em Coimbra, na Zona da Mata. O segundo lugar (nota 89,5) foi para a gigante Sadia. A Pif Paf (nota 84) ocupa o terceiro lugar, enquanto a quarta e penúltima colocação ficou com a marca mais tradicional no mercado mineiro, Forno de Minas (nota 73). O quinto colocado, com nota 62,5, foi o pão de queijo Maricota. Confira no quadro abaixo o desempenho de cada marca.



 

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