Restaurantes de hotéis antigos de Belo Horizonte mudam serviços tradicionais

Estabelecimentos abandonam características da época em que eram símbolo de glamour no centro da capital

por Eduardo Tristão Girão 06/04/2015 09:21
Fotos: Jair Amaral/EM/D. A. Press
Prataria personalizada do hotel Normandy, hoje usada apenas no serviço de quarto (foto: Fotos: Jair Amaral/EM/D. A. Press)
Iracy Gomes, de 65 anos, é garçom do restaurante do hotel Normandy há 43. Sente uma saudade danada do carrinho de apoio com réchaud que, anos atrás, era usado para finalizar filé à diana, crepe suzette e outros clássicos bem diante da mesa do freguês, naquele que já foi um dos salões mais concorridos de Belo Horizonte, frequentado por políticos, celebridades e gente em busca de glamour.

“Além de ser gostoso, era chique. E você precisava ver os talheres da época da inauguração. Tudo de prata, coisa fina. Gostávamos de agradar o cliente com isso”, lembra ele.
Essa comida de antigamente tornou-se rara na cidade. Disseminada sobretudo por hotéis, serviu de modelo para gerações e gerações de cozinheiros (que a conheceram como “cozinha internacional”), contribuindo para a evolução da gastronomia no país. Em BH, pratos como peixe à belle meunière, fettuccine paillarde (nem paillard, nem payard) e estrogonofe sobrevivem em alguns restaurantes de rua e, na hotelaria, parecem dar seu último suspiro. Estrebucham, mas (por enquanto) não morrem.

No cardápio do Normandy, aberto em 1961, o filé à diana resiste entre risotos, pizzas e salmão. O arroz que o acompanha, tradicionalmente feito na mesma frigideira em que foi dourada a carne, não é mais terminado no salão. O prato chega pronto da cozinha. “Mexemos na maioria dos pratos. Alguns demoravam, outros vinham em travessas. Reduzimos o tempo de espera para, no máximo, 15 minutos. Além disso, eram receitas pesadas, com fritura, cremes. Privilegiamos comidas mais saudáveis e leves”, diz o chef de lá, Paulo Roberto Oliveira.

Talvez por isso, o estrogonofe tenha saído do cardápio, embora continue sendo servido – com arroz branco e batata sauté, não palha. “Quem sabe que ainda fazemos pede”, revela José Carlos Menezes, gerente-geral do Normandy. Entretanto, para comer com os belos talheres de prata gravados com monograma do hotel que restaram depois de tantos anos (e de uma reforma milionária, concluída no ano passado), só se hospedando lá e pedindo algo no quarto. Já os móveis pé palito, foram todos vendidos.

À FRANCESA

Apesar de o restaurante do Normandy ser apontado por muita gente do ramo como o ápice da gastronomia hoteleira da cidade, décadas atrás, não é ele o atual santuário das receitas de outrora na capital mineira. A maior coleção delas está no Financial, inaugurado em 1949. “O que temos hoje é, basicamente, o que tínhamos na década de 1970. Colocamos umas saladas e sanduíches. O restante é mais ou menos a mesma coisa”, confirma o gerente-geral, César Viana.

Estão lá o filé à francesa, com sua guarnição de batata palha revolvida na manteiga com presunto cozido, cebola e ervilhas, o lombo à cubana, o raro fettuccine à fiorentina e uma das mais célebres deturpações culinárias feitas no Brasil, o arroz à piemontesa (um falso risoto, primo pobre deste), servido com medalhões de filé enrolados com bacon. Opções que jamais estarão num restaurante da moda.

"E você precisava ver os talheres da época da inauguração. Tudo de prata, coisa fina. Gostávamos de agradar o cliente%u201D Iracy Gomes, garçom do Normandy
“Esses pratos ainda vão durar um tempo, mas deverão ser suprimidos por outras ideias. Hoje, tem muito vegetariano, gente que quer comer light. É preciso ter pratos atualizados. Naquela época, o sujeito queria comer bem e fartamente, sem ligar para colesterol”, diz Viana. O hotel foi reformado recentemente. O restaurante perdeu seu mobiliário original, bem como louças e talheres.

Defensor da batata sauté (em vez da frita), o chef do Financial, Euler Motta, tem 31 anos de profissão (sempre em cozinhas de hotéis) e diz que são os homens os que mais pedem esse tipo de comida: “Mulher acaba indo de peixe, filé de frango”.

O panorama gastronômico no restante dos hotéis mais antigos da cidade, todos no Centro, é pouco animador. O Ambassy, de 1956, não recebe mais clientes para comer há pelo menos 10 anos. O Brasil Palace, aberto dois anos antes, também parou de atender em seu restaurante (atualmente em reforma) e, mesmo para hóspedes, oferece só café da manhã. O Metrópole, dos anos 1940, não atende não hóspedes e trabalha só com comida congelada. O cinquentão Amazonas também interrompeu os serviços ao público externo.

No Othon, que nem é tão antigo como os demais (1978), o novo cardápio tem apenas um prato que remete aos velhos tempos (filé ao molho de pimenta verde), apesar de apresentado de maneira mais moderna. “Pratos como esse são conhecidos e bem aceitos. Aqui ou em qualquer lugar, as pessoas sabem o que comerão quando o pedem”, diz o chef de lá, Manoel Pereira.

Inaugurado em meados dos 1990, o Merit chegou a ter cardápio do chef francês Laurent Suaudeau, mas a proposta fracassou. Hoje, o restaurante (aberto ao público) é administrado por outra empresa, com cardápio completamente diferente. “Era para dar glamour, mas o hóspede não tinha dinheiro para comer lá, e os moradores de BH iam pouco”, resume Célio Macieira, um dos proprietários do hotel.

Jailson Costa, gerente-geral do Serrana (fundado em 1974) e com passagem por alguns dos mais antigos hotéis da cidade nos últimos 35 anos, lamenta terceirizações e sente saudades principalmente dos chefs estrangeiros que conheceu aqui: “O extinto Del Rey tinha um francês que fazia uma comida de cinema, e no Brasil Palace havia um italiano ótimo. Dava prazer sentar à mesa e não precisava chamar garçom, pois eles te olhavam de longe para não deixar faltar nada”. O restaurante do Serrana está fechado para reforma, mas solta filé à francesa no serviço de quarto.

Pérolas do cardápio

Confira pratos que resistem ao
tempo nos restaurantes de hotel

Estrogonofe
Fettuccine paillarde
Fettuccine à fiorentina
Filé à diana
Filé à francesa
Filé ao molho de champignon com batata sauté
Frango à Kiev
Lombo à cubana
Medalhão com arroz à piemontesa
Peixe à belle meunière
Supremo de frango
Turnedô ao molho de pimenta verde

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