Jovens chefs apostam em ingredientes mineiros sem cair na gastronomia típica

Com carreira em ascensão, profissionais estão de olho no mercado internacional

por Eduardo Tristão Girão 24/02/2015 09:00

Slexandre Guzanshe/EM/D. A. Press
O chef Fred Trindade e seu subchef Marcelo Fidelis, do Trindade, preparam no Alma Chef um prato com ingredientes mineiros, mas que foge da denominação de culinária local (foto: Slexandre Guzanshe/EM/D. A. Press)
A mudança está em curso, tudo está em aberto. E como não são muitos os cozinheiros empenhados nessa renovação, que apenas engatinha, não se sabe exatamente no que vai dar. Mas os exemplos existem. O Trindade foi inaugurado como restaurante de cozinha mineira contemporânea, mas, de três anos para cá, abraçou culinárias de outros estados para se tornar brasileiro, sem deixar de produzir “hits” de apelo local, como o porquinho prensado, resultado de processo que mescla domínio técnico de chefs viajados com sabedoria dos nossos fazedores de torresmo.



Já o Glouton tem nos modernos pratos de inspiração mineira seu ponto alto, fazendo com que se esqueça que foi aberto como uma casa francesa. Hoje, triunfa com papada de porco, costela de boi ao molho de café e arroz de galinha caipira.

 

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Com caminhos e propostas diferentes, esses dois endereços vêm ajudando a renovar a cozinha mineira, seja por meio de ingredientes, técnicas, conceitos ou apresentação. Os estilos são distintos e esses chefs se relacionam com a palavra “renovação” cada um à sua maneira.

Para Leo Paixão, à frente do Glouton, “só é possível fazer cozinha séria com identificação regional”. Ele explica sua relação com a culinária mineira assim: “Somos apaixonados por Minas, temos ligação emocional com ingredientes e receitas. Não penso em fazer uma receita porque é mineira, mas por identificação. No início, achei que o Glouton seria um restaurante francês, e essa mudança não foi planejada”.

Somando-se a esse sentimento a reação de clientes que acabam preferindo seu arroz de galinha caipira (cheio de técnica nos bastidores) em vez de pratos teoricamente mais comerciais (como camarão), Paixão resolveu apostar no seu gosto pelas verduras locais e frutas do cerrado, como maria-gondó e coquinho azedo, respectivamente. Sonha construir fogão a lenha em sua cozinha, bem como deixar de fazer crème brûlée e, no lugar do entrecôte, emplacar carne de sol entre os próximos favoritos da casa. A saber: a carne terá espuma de manteiga de garrafa e feijão andu fresco como guarnições.

“Quando fiz profiteroles de broa de fubá com sorvete de queijo e calda de doce de leite, me senti um idiota. Isso não é ser criativo, é dar um tapa numa receita para cumprir necessidade conceitual. O caminho não é esse. A papada de porco com mil-folhas de mandioca, por exemplo, é porco e mandioca, mas de um jeito muito trabalhado, com muito desenvolvimento de sabor e toque de sofisticação e criatividade. O resultado é levemente familiar, a ligação emocional é muito importante. O mundo procura isso, comida ligada ao hábito. O que você prefere comer: o melhor frango com quiabo do mundo ou kobe beef?”, indaga.

Para Fred Trindade, que comanda, ao lado de Felipe Rameh, o Trindade, o aumento da qualificação dos jovens chefs tem ajudado a modificar o cenário gastronômico. Entretanto, seu foco é diferente: “Não acreditamos numa nova cozinha mineira, mas numa nova cozinha brasileira. Nossa geração começa a fazer cozinha de vanguarda, autoral. Entendemos melhor os produtos, sabemos utilizar técnicas e respeitamos a tradição. Ficaremos presos a quiabo, taioba, galinha caipira, porco? São ingredientes maravilhosos, mas não dão a amplitude necessária para uma gastronomia robusta. É muito bonito e temos de usar tudo isso, mas não restringir”.

Atum big eye

Por esse motivo, é possível encontrar atualmente no cardápio da casa itens de fora de Minas como o valorizado atum big eye, cordeiro orgânico paranaense e farinhas de mandioca de diferentes origens. Ainda assim, fornecedores mineiros têm grande importância para a cozinha da dupla, a exemplo dos legumes, queijos e doces em compota. Aliás, a apresentação que desenvolveram para o prato de doces e queijos mineiros é algo que sai do lugar-comum. “O ingrediente mineiro é nosso xodozinho, mas não é uma regra”, resume Trindade. Quando a reforma da cozinha ficar pronta (a casa continua funcionando normalmente), será providenciada exposição de fotos dos produtores com os quais trabalham.

Os contatos que estabelecem com chefs e produtores Brasil afora são o norte para a escolha de ingredientes. “Gostamos de apresentação, de contraste de sabores”, destaca Rameh, que também responde por outro restaurante, o Alma Chef. Para ele, não existe um movimento coeso em torno da renovação da cozinha mineira, mas é possível identificar outras ações que, a exemplo do que é feito no Trindade, ampliam a visão sobre o que tem sido feito por aqui. “Além da gente, há o Leo, do Glouton, o Jaime Solares, da Borracharia, o Henrique Gilberto (ex-Belo Comidaria). Alguma coisa vai sair disso.” Rameh acredita numa cozinha rústica, com pouca intervenção e focada em elementos cotidianos. Sem deixar de lado preocupação estética e técnica.

ALÉM FRONTEIRAS

Os três chefs estão ampliando a atuação fora de Minas Gerais. Leo Paixão, que em novembro passado cozinhou no restaurante paulistano Tordesilhas, de Mara Salles, terá dez receitas suas publicadas em livro sobre cozinha mineira (com outros chefs), editado pela Boccato e com lançamento previsto para o mês que vem no Salão do Livro de Paris. Fred Trindade e Felipe Rameh, que cozinharam na França há um mês, têm agendados jantares para fazer na Itália, em Portugal e, novamente, na França.

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