Rapadura é ingrediente sofisticado em receitas de chefs renomados

A rapadura é o mais antigo e popular doce brasileiro

por Patrícia Crespo 21/04/2013 18:02
(Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: (Leandro Couri/EM/D.A Press) )
A gastronomia contemporânea segue as leis do mercado, do business, das comodities, da globalização, dos modismos, das novidades. Secaram os tomates, escureceram o alho, tapiocaram o caviar, espumaram a mandioca, esfarelaram o torresmo. Com os produtos regionais brilhando no tapete vermelho é só esperar para ver e provar o que vai acontecer com a rapadura. O tijolinho rijo e doce está prestes a tornar-se figurinha fácil de festejos requintados. Criações do tipo boulet de porco ao mel de ervas e rapadura já frequentam bandejas concorridas de renomados bufês. Mas nem sempre foi assim. Comida de sertanejos, tropeiros e outros cabras da peste, a rapadura surgiu como uma solução de logística, para se transportar o açucar que era consumido nas longas e cansativas viagens feitas por esse povo maravilhoso que desbravou nosso país.

Como o pó granulado umedecia e melava com facilidade, trataram de criar um bloco duro e resistente do caldo doce produzido nos engenhos que pudesse ser acomodado nas matulas dos viajantes, juntamente com a farinha de mandioca, e que resistisse a todo tipo de intempérie. Mas não pensem que o doce mais tradicional do país foi invenção de brasileiros. No século 16, nas Ilhas Canárias, de domínio espanhol, ao norte de Marrocos, no Oceano Atlântico, já se fazia rapadura. Com a expansão açucareira no Brasil no século 17, os engenhos de açucar trataram de reproduzir aqui a genial invenção de além mar.

A rapadura é o resultado do super aquecimento prolongado do caldo da cana, que depois é batido e resfriado. A massa sólida se origina devido a grande quantidade de cristais que se formam durante o batimento. O visual rudimentar e compacto não esconde nem camufla seu enorme poder dulçor. É fácil perder o ponto do doce, que se concentra entre o melado e o açúcar mascavo. Durante horas os “caldeireiros” ou “tacheiros” retiram as impurezas do caldo que se formam no processo de fervura. Quanto mais limpa for a cana-de-açúcar, mais doce será a rapadura. Portanto prefira sempre as mais clarinhas.

Até o século 19, a cana da variedade crioula era a mais utilizada para a confecção da guloseima. Hoje em dia a mais usada é a caiana, mais resistente a pragas. No início, as moendas eram de madeira, movidas a água ou tração animal. Com a modernidade vieram as moendas de ferro movidas a vapor, óleo diesel e atualmente muitas delas são elétricas. Mas enormes tachos ainda podem ser vistos nos interiores, onde o líquido doce borbulha antes de açucarar pelas bordas das gamelas e formar raspas endurecidas e açucaradas.

A raspadura das camadas espessas do açucar presas às paredes dos tachos originou o nome rapadura. Minas, Pernambuco e Ceará lideram a produção e abastecem o mercado. Segundo Câmara Cascudo, a rapadura foi o doce das crianças pobres, dos homens simples, regalo para escravos, cangaceiros, vaqueiros e soldados. Sempre foi a preferida para adoçar o café, o leite e a coalhada do povo das roças, e dos sertões. Parceira fiel da farinha, do mungunzá, da carne de sol, da paçoca, do cuscuz e do milho, pratos tradicionais do receituário sertanejo. Mas hoje em dia é ingrediente usado em restaurantes finos e bem frequentados em criações ousadas do universo fashion das panelas. Combina com carnes fortes, equilibra a acidez das frutas cítricas e empresta uma cor dourada aos molhos e caldas. Mas para os leitores do caderno fui buscar nos livros de receita da minha amada mãe Leonor Crespo, um doce que desde criança me alegra a alma e adoça o paladar. A combinação brejeira da abóbora com rapadura é um sucesso nos almoços da família. Vale testar!

*Patrícia Crespo é formada em jornalismo pela Puc-Minas e em gastronomia pela Estácio de Sá

Doce de abóbora em gomos com calda de rapadura

Ingredientes


1 abóbora moranga com casca cortada em gomos; 1 tablete de 1 kg de rapadura bem clarinha; 1 ½ litro de água; cravo e canela a gosto

Modo de fazer

corte a rapadura e leve ao fogo em uma panela com a água. Deixe ferver até se formar uma calda rala. Arrume os gomos das abóboras na panela com a casca voltada para baixo. Junte o cravo e a canela. Cozinhe até que aabóbora esteja macia mais ainda firme, Nesse ponto a calda vai ficargrossinha. Sirva o doce gelado.

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