Aromas de orquídea e de cerrado chegam à cozinha

Chef dinamarquês Simon Lau Cederholm, do Restaurante Aquavit, de Brasília, é pesquisador atento dos ingredientes do cerrado. Ele exalta a baunilha, iguaria mundial, e ensina prato com a especiaria

por Lilian Monteiro 30/07/2012 16:02
Zuleika Souza/Divulgação
(foto: Zuleika Souza/Divulgação)

No cardápio dos macacos, que não têm nada de bobos, a baunilha selvagem é o prato principal e dos mais desejados na hora das refeições (eles as confundem com bananas, já que cresce como trepadeira e engana). Eles são os grandes inimigos da colheita dessa especiaria, que é uma das estrelas do cerrado brasileiro. A baunilha (do castelhano vainilla, pequena vagem) é uma especiaria usada como aromatizante obtida de orquídeas do gênero planifolia, nativas do México. O chef dinamarquês Simon Lau Cederholm é um entusiasta do ingrediente que faz sucesso nos pratos do seu Restaurante Aquavit, que fica no Setor das Mansões do Lago Norte, em Brasília.

Apaixonado pelo Brasil, onde pisou pela primeiro vez em 1986 depois de uma viagem de cinco mil quilômetros de bicicleta, de Caracas, na Venezuela, até o Rio de Janeiro, Simon é curioso e encantado com o nosso cerrado. Em Brasília desde 1996, onde abriu seu restaurante há sete anos, ele se deparou com a baunilha nacional pela primeira vez há quase 20 anos: “Foi por acaso. Estava em Goiás Velho e um homem me perguntou se não queria comprar baunilha. Não acreditei num primeiro momento e fiquei sem saber o que ele me oferecia. Talvez o açafrão-da-terra, que muitos confundem. Mas na caixa de sapato havia mesmo baunilha”. O chef quis saber onde tinha conseguido e se surpreendeu com a resposta: “Ele tinha pegado no mato. Fui pesquisar e descobri que, apesar de encontrada no México e levada para a Europa por um espanhol, há baunilha em toda a América Tropical, até em Minas Gerias. Ela gosta de temperaturas quentes, média de 21 graus”.

Enlouquecido com a iguaria rara, cara e que media cerca de 25 centímetros, Simon despertou a atenção do universo gastronômico ao apresentar a novidade para a mídia e chefs em 2008. Desde então, é um entusiasta do ingrediente, sempre presente tanto nas sobremesas do seu restaurante quanto em pratos salgados, como peixe com molho de creme de baunilha ou foie gras na redução de baunilha: “Nas sobremesas, quase sempre, ela está presente. O sorvete de creme com baunilha é um pedido campeão”. Para os leitores do Degusta, o chef revela a receita do “Mil-folhas de morango e chantili com baunilha”.

A cozinha faz parte da vida de Simon desde os 14 anos, ainda na Dinamarca, onde começou lavando louças: “Queria ser cozinheiro, mas como na época não tinha prestígio, para felicidade dos meus pais, formei-me em arquitetura. Mas logo voltei para as panelas”.

Em Copenhague, o chef trabalhou em restaurantes consagrados, como o Dronning Louises Kro, a Creperie Marie, o Søllerød Kro e o Restaurante Saison, onde aprendeu tanto as técnicas clássicas francesas quanto as tradicionais da Dinamarca. No Brasil, realizou o sonho de ter seu próprio restaurante, onde cria pratos que respeitam sua origem, mas valoriza os produtos nacionais. No Aquavit, Simon oferece menu degustação de cinco pratos dentro da culinária contemporânea européia com pitadas da nórdica, sem abrir mão dos produtos tropicais, da terra: “Sou louco pela baunilha. Tanto que há quatro anos tenho uma plantação em Goiás Velho e outra em Brasília. Não dura. Faço uma colheita por ano, geralmente abril/maio. A baunilha é uma orquídea, branca e linda. Ela é a cápsula de semente, a vagem”.

Simon explica que seu sonho é criar um projeto social a partir da produção da baunilha: “Ela tem valor agregado alto e é de fácil cultivo. Todos poderiam ter baunilha no quintal de casa. Assim que dominar mais a técnica de produção, quero espalhá-la por aí”. O chef conta que a baunilha brasileira em nada perde para a mais famosa, a da espécie Bourbon, produzida numa pequena região de Madagascar e na Indonésia: “A diferença é que a de Bourbon é um pouco mais perfumada. Não sei se pelo processo de secagem ou da planta mesmo, do melhoramento. A baunilha daqui é mais bruta, tem ótima qualidade e acho o sabor e aroma mais frutados. A minha só seco ao sol e depois preservo no açúcar”.

A baunilha é daquelas preciosidades da alta gastronomia de inspiração brasileira. E foi um dinamarquês que a alçou aos holofotes, já que ainda é uma especiaria pouco conhecida na versão nacional. Agora, já íntimo da espécie nacional, Simon a utiliza em sorvete, sobremesa e até em chiques molhos. Ele ainda conserva as cascas no açúcar, que adquire gosto mais intenso, e se transformou em uma das marcas do restaurante. É servido com o café e as madeleines, também elaboradas com a baunilha. Assim como a jurubeba, o palmito guariroba, o pequi e tantos outros achados do cerrado brasileiro, a baunilha é para ser valorizada. Ainda mais que, até então, ao se falar dela como ingrediente, a receita vinha sempre acompanhada de uma nacionalidade importada: Madagascar, Indonésia, China e México, principais países produtores.

Antes de encerrar a conversa, Simon não economiza elogios para a comida mineira: “Adoro o pão de queijo, a linguiça e vou muito a Belo Horizonte. Sempre saio para jantar nos melhores restaurantes e tenho bons amigos aí. Avalio como de alto padrão o nível da culinária devido à tradição. Está no sangue de vocês”.


Mil-folhas de morango e chantili com baunilha

Ingredientes para 4 pessoas

2 folhas de massa filo; manteiga derretida; açúcar de confeiteiro; 200ml de creme de leite para bater chantili; 1 fava de
baunilha; 2 colheres de sopa de açúcar cristal e
1 bandeja de morangos orgânicos.

Modo de fazer

Pincele generosamente a primeira folha de massa filo com a manteiga. Sobreponha a outra folha e dê mas uma pincelada de manteiga. Agora, com cuidado, corte a massa filo em oito retângulos de 4cm por 8cm. Polvilhe o açucar de confeiteiro com uma peneira média. Asse os retângulos no forno por uns 3 a 4 minutos, a 150 graus. Mas tome muito cuidado, pois eles queimam facilmente. O melhor é ficar grudado na porta do forno e vigiar. O açúcar deve estar neste momento caramelizado e dourado.

Bata os 200ml de creme de leite com o açúcar e acrescente os grãozinhos que estão dentro da fava de baunilha. Mais fácil é tirar raspando com uma colher de chá. Guarde o resto da fava em açúcar para outro uso. Agora, monte um sanduíche colocando um retângulo embaixo, um pouco de chantili, uns pedacinhos de morango e um retângulo como tampa. Sirva na hora. Servimos com sorbet de morango.


Curiosidades

1) A baunilha, originalmente, foi cultivada pelos povos mesoamericanos pré-colombianos e levada à Europa juntamente com o chocolate na década de 1520, pelo conquistador espanhol Hernán Cortés

2) Embora a espécie planifolia seja a principal produtora de baunilha, a tahitiensis e a pompona são cultivadas para esse fim. Desde o México até as Guianas e Trinidad e Tobago encontramos a pompona, com frutos menores, mais grossos e carnudos. Também são consumidas frescas, em pequenas embalagens e conhecidos como baunilhão

3) A baunilha é uma especiaria cara. O preço de 1kg de baunilha da melhor procedência está em torno de US$ 500. Uma baunilha brasileira média pode ter 100 gramas. A máxima produção de flores é
alcançada com sete anos depois do plantio e a média varia de
200 a 400 quilos de favas por hectare

4) Além da culinária, ela é usada na indústria de cosmético e farmacêutica, perfumes e na aromaterapia

5) As vagens têm cor castanho escuro, são longas e finas e contêm todo o aroma e sabor da planta. Acabada de colher, a baunilha não tem cheiro ou sabor, mas depois de seca e curada desenvolve aroma inconfundível

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