Estilista mineira cria vestidos que traduzem os desejos das noivas

Ao completar 15 anos de carreira, a estilista Danielle Benício, formada em alta-costura na França, revive momentos do passado, ao mesmo tempo em que planeja o futuro de seu ateliê

por Celina Aquino 27/04/2017 11:42

Rebeca Dantas/divulgação
(foto: Rebeca Dantas/divulgação )
É grande a responsabilidade, mas nada que assuste uma experiente estilista. Danielle Benício tem a missão de desenhar o vestido mais importante para uma mulher que sonha em se casar. Com sensibilidade, e muito empenho, ela conquista as noivas e se consolida como referência para aquelas que buscam exclusividade. “É uma alegria, mas encaro isso com muita responsabilidade. Tento manter os pés no chão, porque nada está ganho na vida, todo dia é uma luta”, destaca a estilista, que chega aos 15 anos de carreira com o foco de sempre. Para comemorar esse marco, ela prepara uma coleção toda feita a mão, que evidenciará as características mais marcantes de seu trabalho.


Filha de dona de confecção, Danielle aprendeu a costurar desde cedo, mas o que impulsionou mesmo a sua carreira foi a oportunidade de estudar em Paris, quando o marido recebeu uma oferta de emprego na França. Por um ano, ela acompanhou o dia a dia de um ateliê de alta-costura. “O professor não me via como concorrência, porque sou brasileira e ele sabia que eu voltaria para o Brasil. Então, me chamava para participar de todas as provas de noivas. Tudo era na moulage, uma técnica que não conhecia. Só tinha visto minha mãe trabalhar com modelagem plana”, relembra.


Com esse professor (que não falava uma palavra em inglês, o que a obrigou a aprender francês), Danielle treinou o tato para lidar com os tecidos, os olhos para enxergar as medidas das clientes, os ouvidos para entender o que as mulheres queriam, e o que considera mais importante: a alma para ter os pés no chão. “Não existe só o glamour do atendimento. Para trabalhar com esse tipo de costura você tem que ter alma de produção, ser chão de fábrica. Sei tudo o que se passa na minha fábrica. Faço questão de organizar as minhas rendas, ‘converso’ com os meus tecidos. Essa simplicidade, aliada à técnica, é o que garante uma prova benfeita”, destaca.


Terminada a experiência transformadora em Paris, Danielle retomou o trabalho no ateliê em Belo Horizonte – que permaneceu de portas abertas – e rapidamente se tornou referência para as noivas mineiras. Além do diploma francês, o carinho com as clientes contribuiu para seu o sucesso. A estilista recebe todas as mulheres e participa de todas as provas de vestido. “Tenho um cuidado, um amor, uma paciência tão grande em receber que elas se sentem muito acolhidas. Acho que isso coloca as pessoas do meu lado, aliado a talento, é claro”, observa.


O que também chama a atenção no trabalho de Danielle é a riqueza de rendas, bordados e outros detalhes que deixam clara a sua preferência pelo handmade, até para que as roupas das noivas sejam realmente exclusivas. “Hoje, os vestidos vêm da China, sem nenhuma história. Gosto de colocar no meu trabalho a minha origem, que é mineira, gosto de falar para a cliente do diferencial, que é produzir as peças dentro da fábrica. Dou emprego para costureiras”, defende. No auge da exclusividade, a estilista desenvolveu uma técnica para produzir no tear rendas desenhadas para cada noiva. Ela teve que testar um ponto já conhecido em vários tules até chegar à textura desejada.


Naturalmente, os vestidos atraem noivas clássicas, que não abrem mão do conforto. “As clientes amam a leveza do meu trabalho. Sempre busco o frescor da seda pura, já que o nosso país é quente, para substituir os tecidos sintéticos. Ela se encaixa antes da renda e deixa o forro mais leve”, detalha. Danielle também se destaca por ser uma das poucas estilistas que utilizam o crochê de luneville, técnica da alta-costura francesa em que a agulha passa pelo lado contrário da roupa. Assim, ela consegue chegar a um bordado com relevo e manter a delicadeza dos desenhos, privilegiando pérolas e pedras japonesas.

PRÊT-À-PORTER
Rebeca Dantas/divulgação
(foto: Rebeca Dantas/divulgação )

 

Além do trabalho sob medida, bem próximo do que Danielle aprendeu na França, o ateliê também oferece coleções com modelos prontos. A razão não está apenas nos preços, que podem chegar a menos da metade dos personalizados. É a maneira que a estilista encontrou para se adequar às novas exigências das noivas. “Hoje, elas gostam de experimentar muitos vestidos antes de ver o meu desenho. Vou mostrando os modelos para descobrirmos qual é o melhor caminho, que tipo de tecido é mais adequado, o que alonga. Prefiro mostrar isso antes, porque gera mais confiança”, destaca.


Seja qual for a escolha da noiva, os vestidos são sempre diferentes. Danielle não segue tendências, nem em relação às cores, tanto que trabalha com tingimento natural para não depender exclusivamente das ofertas do mercado. Envolvida com uma produção artesanal, ela consegue fugir do que é moda em cada temporada. Para a estilista, vestido de noiva deve ser atemporal. “Não sou de comprar tecido igual, a não ser seda, mas renda, por exemplo, não compro mais de cinco metros. Sempre procuro materiais diferentes para nem correr o risco de fazer parecido”, acrescenta a estilista, que se recusa a fazer réplica ou “consertar” um vestido de outro estilista, mesmo a pedido da cliente.

 

Expansão à vista
Rebeca Dantas/divulgação
(foto: Rebeca Dantas/divulgação )

 

O sonho de trabalhar com noivas é antigo. Ainda na infância, Danielle demonstrava o seu encantamento pelo universo de casamentos em desenhos de vestidos brancos. Já no fim da faculdade de direito, quando ainda não pensava em ser estilista, ela decidiu fazer o próprio vestido de noiva. Era um modelo bem clássico, com saia farta de tule francês e corpete de renda bordado. “Como tenho espírito empreendedor aguçado, resolvi não seguir a profissão de advogada. Trabalhava em uma multinacional, mas não estava totalmente feliz. Por isso, aluguei uma sala, comprei tecido, máquina de costura e móveis com um dinheiro que ganhei do meu pai e montei o meu primeiro ateliê”, conta.


Foi nesse momento que o marido recebeu a oferta de emprego em Paris. Danielle não poderia perder a oportunidade de estudar no berço da alta-costura, mas também não queria fechar o ateliê. Então, ela vendeu o carro e, com o dinheiro, pagou o salário da secretária por um ano e o curso de costura. A continuação da história bem-sucedida já é conhecida. “Hoje, o nosso processo de produção é extremamente organizado. Não faço nada em cima da hora, então isso me proporciona tranquilidade e consigo ver a alegria das noivas. É uma troca tão legal receber carinho, sorriso, abraço, obrigada”, destaca a estilista, que, mesmo tendo alcançado a fama, chega a trabalhar 14 horas por dia.


O ateliê está hoje em seu terceiro endereço. É uma casa no Bairro Santa Lúcia onde funcionam fábrica e ateliê, para que Danielle possa acompanhar de perto a produção. Como parte das comemorações do aniversário de 15 anos, o imóvel será totalmente reformado. A estilista também conta que está produzindo uma coleção especial, que deve ser lançada em junho, com um desfile em clima de festa. “Estou produzindo uma coleção luxo, bem rica, com nada industrializado, para mostrar o que se faz a mão. Além das rendas exclusivas, vou trabalhar também com richelieu e com recortes a laser de tecidos que serão aplicados a mão no tule para dar um efeito 3D”, adianta.


Em um futuro mais distante, Danielle planeja construir nova sede e internacionalizar a marca, mas não tem pressa. “Já tenho patrocínio da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) para ir a feiras em Paris, não fui por opção. É um passo a ser dado com muito cuidado, tenho que ter segurança na produção. Pode ser tiro no pé colocar o meu nome lá fora sem ter estrutura”, pondera. Além disso, ela acredita que ainda tem muito para explorar no Brasil. A estilista, inclusive, tem expandido sua atuação para outros estados, como Goiás, Alagoas e Paraná. Uma vez por mês, ela recebe noivas no ateliê do designer de tiaras Miguel Alcade, em São Paulo.


Planejando com calma cada passo, Danielle pensa em esperar a filha mais velha crescer para dar continuidade à expansão. A menina, de 10 anos, faz aulas de croqui e já desenha vestidos de noivas. “Estou no meu limite de produção. Se fosse para produzir em larga escala, teria que terceirizar a mão de obra. Hoje nem sei o que é isso, nesse momento a minha costura é handmade”, aponta a estilista, que conta com a ajuda do marido na administração da empresa para se dedicar exclusivamente à criação. Futuramente, a ideia é também trabalhar com ateliê de roupas de festa (Danielle já desenha alguns vestidos especiais, como de mãe da noiva, formanda e debutante).