Teto de patrocínio da Lei Rouanet jamais foi atingido, diz estudo

O levantamento é de ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas, que constatou ainda que a causa estaria na 'distância' entre empresas e produtores

por Pedro Galvão 03/07/2017 20:03
Criada em dezembro de 1991, a Lei Rouanet surgiu com o objetivo de fomentar iniciativas culturais no país por meio de incentivos fiscais. Com o tempo, o instrumento que deveria ser o grande propulsor das atividades do setor acabou se tornando também o centro das críticas feitas à gestão da área da cultura no âmbito federal. O cenário de desconfiança em torno do uso do mecanismo e uma enormidade de projetos culturais desamparados foi o contexto que um grupo de ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo achou oportuno para um empreendimento em torno da Lei Rouanet. Depois de mapear os  25 anos de uso da Lei Rouanet, eles pretendem usar os dados a seu favor para traçar estratégias que possam otimizar o encontro entre quem precisa de financiamento e quem pretende investir na cultura nacional.


De acordo com esse estudo, do total de R$ 3,9 bilhões aprovados em 2.421 projetos pelo Ministério da Cultura em 2016, apenas R$ 1,15 bilhão (ou 29,5%) foram captados. Os números evidenciam o que Mathieu Anduze e Raphael Mayer definem como uma “assimetria de informações” entre projetos culturais e empresas financiadoras. Experimentados no mercado por trabalharem nas áreas de marketing das gigantes Unilever e Ambev, respectivamente, eles resolveram somar os conhecimentos e montaram a Simbiose Social, uma start-up cujo objetivo declarado é “fortalecer a conexão entre o 2º e o 3º setores”.

“Víamos que havia um distanciamento muito grande entre projeto e empresas. O teto de captação previsto nunca foi atingido. A linguagem da empresa é muito distante da linguagem do projeto, o que muitas vezes inviabiliza que as coisas aconteçam. Então montamos uma pesquisa e criamos a Simbiose”, afirma Raphael, formado em administração pela FGV. Iniciada em 2016, a start-up atua dentro do Centro de Pesquisas da FGV. Valendo-se algumas vezes da Lei de Acesso à Informação, eles coletaram vários dados junto ao MinC para catalogar os 112.018 projetos – de 32.806 diferentes proponentes – aprovados desde que a Lei Rouanet começou a valer, em 1992.

BASE DE DADOS
O grande volume de informações é a base de atuação da empresa. “Não somos uma empresa de big data, mas de inteligência de dados. Conseguimos traçar o perfil de investimento de cada empresa que financiou projetos nos últimos 25 anos, com planilhas orçamentárias, contrapartidas, notas fiscais, prestação de contas. São mais de R$ 70 bilhões já mapeados de 33 mil empresas”, diz Mathieu, que tem formação em publicidade pela ESPM. Para otimizar esse processo de conexão entre quem propõe a iniciativa e seu financiador ideal, eles pretendem lançar, no ano que vem, em parceria com a FGV, o Índice de Investimento em Cultura (IIC), para mensurar a quantidade e a qualidade do investimento de cada empresa.

Se o desencontro de informações sobre as possibilidades que a lei oferece para investidores e proponentes foi a oportunidade perfeita para o negócio dos ex-alunos da FGV, ele também levantou muitos questionamentos na opinião pública sobre como funciona o recurso. Deflagrada em 2016, a Operação Boca Livre da Polícia Federal indiciou 29 pessoas em fevereiro deste ano por estelionato e associação criminosa envolvendo a Lei Rouanet. A investigação apontou que até um casamento em Santa Catarina foi bancado com dinheiro público desviado, que deveria ser revertido para a cultura. Casos como esse e questionamentos sobre os critérios utilizados na escolha dos financiamentos enfraqueceram a imagem da Lei Rouanet diante de alguns setores da sociedade.

Em abril deste ano, a Câmara dos Deputados concluiu uma CPI que investigava irregularidades na concessão de benefícios fiscais para a Cultura. O relatório final, de autoria do deputado mineiro Domingos Sávio (PSDB), citava, por exemplo, apresentação da Orquestra Filarmônica de São Paulo na fazenda de um patrocinador. O documento propôs mudanças nos mecanismos da lei, para maior fiscalização do uso dos recursos e também descentralização dos financiamentos, muito concentrados na Região Sudeste do país, 80% deles, segundo o relatório.

APRIMORAMENTO Envolvidos na questão, os empreendedores da Simbiose Social defendem um aprimoramento da lei, justamente por entender que ela é imprescindível para a atividade cultural brasileira. “Antes de qualquer coisa, é importante pontuar que é preciso ter um conhecimento sobre o mecanismo antes de criticar. A gente sofre muito por uma opinião superficial. A esfera pública tem que ser constantemente criticada para sofrer melhorias, a Lei Rouanet é consequência de um mecanismo que não estava otimizado. Tivemos uma CPI que propôs prestação de contas e mecanismos de trabalho muito melhores. E esses incentivos são fundamentais, nem precisa aprofundar em dados, sem Lei Rouanet não há cultura no país”, afirma Raphael.

Na defesa de seu negócio, o administrador lembra que, se o Brasil seguir sem atingir o teto de investimentos em cultura previstos via lei de incentivo, esse valor dificilmente aumentará. Seu sócio Mathieu aproveita ainda para comparar que, enquanto o Brasil investe um total de R$ 2,6 bilhões, somando Lei Rouanet, Fundo Nacional de Cultura e outros investimentos, a França investe o equivalente a R$ 12 bilhões e a Inglaterra, a R$ 5 bilhões, mesmo com populações que não chegam a um terço da brasileira.

OS MAIORES CAPTADORES

R$ 19,3 milhões
Instituto Tomie Othake

R$ 14 milhões
Aventura Entretenimento

R$ 14 milhões
Instituto Itaú Cultural

R$ 13,8 milhões
Fundação Osesp

R$ 12,6 milhões
Masp

Fonte: Simbiose Social



TIRA-DÚVIDAS SOBRE A ROUANET

>> Quem pode apresentar projetos?
Pessoas físicas com atuação comprovada na área cultural; pessoas jurídicas de natureza cultural com, no mínimo, dois anos de atividade; pessoas jurídicas privadas com ou sem fins lucrativos (cooperativas, fundações, ONGs, organizações culturais etc.)

>> Que projetos podem ser financiados?
Lançamentos de livros, produções cinematográficas, exposições, gravação de disco, shows, festivais, turnês musicais, espetáculos teatrais, reformas, construção ou manutenção de espaços culturais, museus ou casas de show, por exemplo.

>> Que contrapartidas o patrocinador pode ter?
- 10% dos ingressos podem ser disponibilidados aa o patrocinador.
- A empresa pode utilizar informações do projeto cultural em suas peças de marketing, de acordo com regras específicas do MinC.

>> Que benefícios são vetados ao patrocinador?
- É vetada área exclusiva, ou “VIP”, para a empresa.
- A empresa patrocinadora não pode ser fornecedora do projeto, nem realizar ações de marketing durante os eventos.
- Qualquer outra vantagem financeira ou material não prevista que o financiador obtenha é considerada ilegal.

*Mais informações: rouanet.cultura.gov.br

Entenda a lei

Sancionada em 23 de novembro de 1991, a Lei Federal de Incentivo à Cultura, nomeada Rouanet em homenagem a seu criador, o então secretário nacional de Cultura, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet, se baseia em dois mecanismos principais de financiamento para projetos artísticos e culturais: o Fundo Nacional da Cultura (FNC) e o Incentivo Fiscal. Neste caso, empresas ou pessoas físicas podem destinar a projetos previamente aprovados pelo Ministério da Cultura uma parcela de seu Imposto de Renda devido – 4% no caso de pessoa jurídica e 6% para pessoa física.

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