Professor da UFMG explica em quadro interativo técnicas usadas por Pablo Picasso em Guernica

Pintado dias depois de cidade no Norte da Espanha ser bombardeada pelos alemães, em 26 de abril de 1937, obra ultrapassou barreira de simples registro visual e se tornou um marco na história da arte


Uma obra que é mais lembrada do que o fato que ela representa. Esse é o tamanho da importância artística e histórica do quadro Guernica, de Pablo Picasso (1881-1973). A pintura – um óleo sobre tela de 3,5 metros de altura e 7,76 metros de comprimento – se tornou uma das mais emblemáticas do século 20, demonstrando os horrores e sofrimentos da cidade espanhola de mesmo nome, bombardeada pela Força Aérea alemã em 26 de abril de 1937.

“Chama a atenção a capacidade expressiva do quadro de ser lembrado como um fato histórico e ao mesmo tempo como um fato artístico. É muito raro, historicamente, um quadro que representa um evento histórico ultrapassar o próprio evento histórico. Guernica consegue esse feito”, explica Rodrigo Vivas, doutor em história da arte e coordenador do Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

No Centro de Arte Moderna Reina Sofia, em Madri (onde está o quadro de Picasso), um visitante que não conhece os detalhes sobre a Guerra Civil espanhola pode associar o sofrimento retratado pela obra como se fosse de uma guerra em qualquer lugar do mundo. “Ele não é significativo pelo seu conteúdo histórico. De fato, a história o tornou ainda mais popular. Mas para alguém que não conhecesse os fatos históricos seria difícil associar o quadro ao bombardeio da pequena cidade de Guernica. Ele sobrevive ao tempo”, comenta Rodrigo.

 

Pintura fragmentada

 

Além de transmitir a ideia de sofrimento e o vazio existencial do ser humano diante das atrocidades da guerra, as características estéticas do quadro chamam a atenção. Mesmo morando na França nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, as fotografias divulgadas pelos jornais da época marcaram profundamente Picasso. Para demonstrar todo o sofrimento, foi preciso fragmentar uma pintura para que ela representasse vários acontecimentos em uma só obra.


“Consegue-se ver ao mesmo tempo o rosto de uma mulher sofrendo, um animal, um braço, uma criança e parte de um ombro. O artista quebrou a estrutura convencional para mostrar vários planos ao mesmo tempo. Como se fosse um jornal pregado na tela. Cria uma dúvida para quem vê o quadro. Ali está a história de um massacre. A história de quem perdeu a luta”, explica Vivas.

A análise técnica dos fragmentos que compõem o quadro acaba se perdendo nas análises do conjunto, mas Guernica atinge o principal objetivo do pintor espanhol, que é transmitir a atmosfera caótica da guerra e suas consequências. Picasso usou a técnica da colagem, muito difundida no cubismo, para compor a obra. Esquecendo-se propositalmente das cores, ele usa preto, branco e tons de cinza para fazer um retrato monocromático da tragédia.


A Guerra Civil espanhola

 

O sangrento conflito que causou a morte de mais de meio milhão de espanhóis começou em 1936, meses depois de a Frente Popular, ligada ao Partido Republicano e a grupos socialistas e anarquistas, vencer as eleições. A vitória desagradou aos setores mais conservadores da sociedade espanhola, que viam no novo governo uma ameaça de revolução socialista.

Liderados pelo Exército, com apoio dos grandes proprietários rurais e da Igreja, a Frente Nacionalista tentou um golpe para derrubar o governo eleito democraticamente na Espanha. Uma forte resistência republicana surpreendeu os nacionalistas, e o conflito se mostrou mais longo do que o imaginado.

O país ficou dividido em duas zonas comandadas pelas diferentes forças envolvidas na disputa. De um lado, republicanos mantiveram o domínio das cidades mais industrializadas, como Madri, Barcelona e Valença. Do outro, os nacionalistas comandados pelo general Francisco Franco dominaram as regiões rurais. Com apoio dos governos da Alemanha, de Adolf Hitler, e da Itália, de Benito Mussolini, a Frente Nacionalista ganhou força e passou a conquistar vários territórios dos republicanos.

Apesar de a disputa interna na Espanha inicialmente não despertar grande interesse na Europa, os ditadores fascistas aproveitaram a disputa ideológica (comunismo x nacionalistas) para testar as forças que mais tarde horrorizariam o mundo inteiro na Segunda Guerra Mundial.



Bombardeio de Guernica

Hitler enviou a Luftwaffe (Força Aérea alemã) para destruir as resistências republicanas e reforçar o general Franco, já aliado do regime nazista. A Espanha serviu como um experimento para as bombas incendiárias lançadas pelos aviões nazistas, e a pequena cidade de Guernica foi completamente arrasada. Mussolini enviou também batalhões do Exército italiano para apoiar Franco.

Os republicanos receberam menor apoio da União Soviética, mas em poder bélico significativamente menor, foram derrotados pelas forças de Franco.

Em março de 1939, as cidades que ainda resistiam foram caindo uma a uma, e em primeiro de abril a guerra terminou com vitória dos nacionalistas. No poder, o ditador Franco governaria por três décadas com punho de ferro e grande repressão. Somente com sua morte, em 1975, a Espanha voltaria ao regime democrático.

Gênio misterioso

Nome certo na lista dos artistas mais importantes no século 20, o espanhol de Málaga Pablo Picasso (1881-1973) influenciou e transformou o rumo da arte. Filho de um casal de pintores, aos 13 anos já chamava a atenção dos pais pela facilidade com que desenhava e pintava quadros de alta qualidade. Antes de completar os 20 convivia com artistas gabaritados, como Toulouse-Lautrec.

Na França, onde desenvolveu a maior parte de seu trabalho, ganhou fama e se tornou uma estrela da pintura, do desenho e da escultura. Suas obras podem ser divididas em várias fases, de acordo com a valorização de certas cores e características de seu trabalho. Entre 1901 e 1904, predominaram os tons azuis, quando o artista se volta para os elementos marginalizados da sociedade. Com muita sensibilidade, Picasso captou sentimentos de pessoas comuns que conhecia pelas ruas e becos de Paris.

Depois veio a fase rosa, entre 1905 e 1907, em que ganham espaço o vermelho e a cor rosa em suas obras, cada vez mais líricas. Em seguida, desenvolveu o cubismo, estilo artístico que marcaria sua carreira. As diversas formas da natureza ganharam representação em figuras geométricas em três dimensões, sem qualquer compromisso com a aparência real das coisas e em busca da decomposição da realidade humana.


Nascimento e morte

Sua vida é recheada de mistérios e lendas. Ele mesmo gostava de promover a história de que tinha sido considerado morto ao nascer e somente quando o médico soprou fumo de charuto em sua face deu os primeiros sinais de vida. Na noite anterior à sua morte, em 8 abril de 1973, dizem os biógrafos que Picasso brindou com os amigos em sua casa dizendo: “Bebam à minha saúde. Vocês sabem que não posso beber mais”. Em seguida, foi pintar até de madrugada e morreu na manhã seguinte, aos 91 anos.

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