Kalil: 'Vou ajudar o Carnaval, mas não me põe pulando de pierrot que não vou'

A menos de um mês de assumir a administração municipal, prefeito eleito de Belo Horizonte prepara sua equipe de governo e revela ao Estado de Minas como vai tratar a cultura

Cecília Emiliana 04/12/2016 07:00


A revelação a seguir pode fazer com que torcedores das alas mais radicais do Atlético Mineiro queiram cassar a carteirinha alvinegra de Alexandre Kalil – ex-presidente e eterno fanático pelo time. O telefone do prefeito eleito de Belo Horizonte, quando toca, reproduz não o hino atleticano, mas um clássico distante quase dois séculos dos gramados do Mineirão: a Nona sinfonia, de Beethoven.

“Mas eu botei essa música aí foi por causa do Galo mesmo. A Nona, de Beethoven, é a canção oficial da Copa Libertadores da América”, justifica-se o ex-presidente do Atlético, logo após atender uma ligação. Refere-se, é claro, ao título inédito conquistado pela equipe mineira em 2013.

Flagrado aos prantos diversas vezes diante das dramáticas partidas de seu clube, Kalil, de 57 anos, admite, contudo, que nem sempre as sagas que o emocionam são aquelas escritas com os pés, em estádios. Sem pudores, o candidato do PHS vitorioso na eleição municipal conta que “chorou até passar vergonha” durante a leitura do best-seller O caçador de pipas, de Khaled Hosseini.

No Centro de Operações da Prefeitura, onde recebeu o Estado de Minas para uma longa conversa sobre assuntos culturais, ele fez também confissões políticas. Algumas, nas entrelinhas, como a de que deve manter no cargo o atual presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas de Oliveira. Outras, bem declaradas, como a de que a distribuição de seu secretariado não passou nem deve passar pelo crivo da diversidade. Situou por fim, com clareza, o lugar da Cultura na ordem de prioridades de sua gestão.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
'Belo Horizonte é uma cidade triste. É claro que você não pode liberar geral. Mas nós temos que alegrar nossa cidade' (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


O senhor diria que cultura está entre as prioridades de sua gestão?

Deixa eu te falar: nós não temos dinheiro para a fitinha da diabetes na Saúde. Então isso é questão de prioridade. A criança no braço da mãe, que não tem um médico, um pediatra para cuidar dela, isso é prioridade. Eu não posso tirar esse dinheiro para incentivar a Cultura. E isso tem que ter serenidade e coragem para falar. O poder público tem é que sair o máximo possível da Cultura. Ela tem que andar. Política pública se faz com incentivo, viabilizando. Segurança, Educação e Saúde são obrigações do Estado.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Em que lugar o senhor pretende situar a cultura e como imagina atrair investimentos para a área?
Olha, a captação de investimentos é feita através da Fundação Municipal de Cultura. Temos vários meios. Lei Rouanet… Nós temos que fazer projetos para pequenos investimentos para esse pessoal que não consegue fazer um projeto. É o caso das quadrilhas, dos blocos caricatos. São projetos que podem ser feitos. Então a captação deve vir das leis de incentivo, e nós vamos ver no orçamento de Belo Horizonte.
Eu acho que a cultura não pode ser tratada como um lixo. A cultura é importante. Principalmente numa cidade tão empobrecida, tão triste. Uma cidade onde nada pode. Quer fazer uma festa portuguesa na praça? Não! Vai fazer um negócio ali na Praça da Estação? Desliga a fonte! Essa é uma postura muito beligerante. É claro que pode! Temos que alegrar a cidade. Temos que botar esse pessoal para ir a festival de livros, festivais culturais, de quadrilhas, de congados… Nós temos um monte de coisas que podem ser feitas. Com muito pouco dinheiro. O que falta é um olhar mais atento para essa parte.

Sobre o Carnaval de Belo Horizonte, a festa cresceu muito, porém os investimentos não acompanharam essa expansão. Como o senhor pretende equilibrar essa equação?
Não acho que o poder público tenha que financiar a cultura inteira. O poder pode ir atrás, sim, de patrocínio, para ajudar. A Fundação (Municipal de Cultura) pode ir atrás… Só de você estruturar a segurança pública desse monte de lugar em que vai ter carnaval, isso é um investimento, gente. Se alguém acha que isso não é investir, isso é um investimento alto. Mas o carnaval não é saúde, não é educação, não é segurança. É o carnaval. Tem que ser tratado com respeito, mas não é uma coisa que a prefeitura tenha que patrocinar tudo, aumentar o investimento. Tem que correr atrás do investimento.

O senhor curte carnaval?
Não (risos). Odeio carnaval. Nem quando era rapaz eu gostava. Isso não quer dizer que eu não vá ajudar o carnaval. Mas não me põe de pierrot pulando que eu não vou!

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Quem será o presidente da Fundação Municipal de Cultura? O atual gestor, Leônidas de Oliveira, parece bastante alinhado com o senhor. Vai mantê-lo no cargo?
Vou anunciar os secretários todos juntos daqui a uns 20 dias. Mas nós estamos olhando com carinho. E o Leônidas é um homem muito próximo do pessoal da cultura. E muito querido. Ele tem limites, como terá o secretário de cultura. Ele vai dançar de acordo com a música da prefeitura, como todos os secretários. Mas ele é um cara muito bem-quisto.

O senhor poderia adiantar se tem intenção de indicar um homem ou uma mulher, por exemplo? Qual vai ser, aliás, o espectro de diversidade em seu secretariado?
Olha, a cultura, ela não tem sexo. Seja um homem ligado à cultura, seja uma mulher… Acho isso um preconceito.

Então escolher um secretariado paritário não é uma de suas preocupações?
Penso em currículo. Fiz consultas. Deram-me (sugestões de) mulheres, claro. Vai haver mulheres no governo inteiro, mas não perguntei: Olha, você não tem uma mulher para esse lugar? Não posso fazer isso. Acho isso a coisa mais preconceituosa do mundo. Um homem sentado lá vai tratar um homem ou uma mulher diferente? Isso não entra na minha cabeça, honestamente. Até porque a maior autoridade que tinha dentro do Atlético depois de mim era Adriana Branco (diretora-executiva do Atlético Mineiro, integrante da Comissão de Transição do Governo - CTG). Ela era chamada de primeiro-ministro do Atlético.

O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), fez uma escolha inusitada ao nomear para a presidência da Fundação Clóvis Salgado um médico, Augusto Nunes- Filho. Ele tomou algumas decisões polêmicas à frente da FCS, como a extinção do Ballet Jovem do Palácio das Artes, por exemplo. O senhor se arriscaria a fazer algo do gênero em BH? Aliás, vê algum problema em nomear alguém que não seja necessariamente daquela área?
Em nenhuma secretaria minha vai haver alguém que não é da área. Em absoluto. Isso é uma aberração. A pessoa vai fazer coisa errada na certa. Isso é desvalorizar a cultura. Isso é o bê-a-bá de governo. Quero dar o cargo a alguém que esteja afundado na cultura para me dar um diagnóstico, o que a gente deve fazer ou não.

O senhor é tido como uma figura curta, grossa e direta. Que tipo de arte ou entretenimento é capaz de amaciar essa aparente aspereza? O que o senhor gosta de ver na televisão, por exemplo? Novela, por acaso?
Não, novela, eu não assisto. Assisto muito a filmes. Ação, drama, documentário… Acho que estão faltando boas comédias. Não tenho encontrado, mas gosto de comédia também. Gosto muito de cinema. Não de ir ao cinema, mas de assistir ao filme. Ontem mesmo eu vi um.

Qual?
Assalto ao poder (2016, Steven Miller). Estava à venda na TV a cabo, eu fui lá e comprei.

Leitura também é sua praia?
Já li muito. Quer dizer, estou sempre lendo, mas já li muito mais do que leio hoje. Estou lendo um livro agora do Carlos Marchi, Todo aquele imenso mar de liberdade, que é a vida do (jornalista) Carlos Castello Branco, o Castelinho. Muito legal. Ele é a história do Brasil. Agora estou no ponto em que ele se torna secretário de Comunicação do então eleito Jânio Quadros. Gosto muito de livro de história. Uma coleção histórica que eu aconselharia é Ascensão e queda do 3º Reich, do William Shirer, um autor inglês. Fala do início do poder do nazismo até a sua queda. São seis volumes.
Leio pouco romance. Mas um livro que me fez passar até uma certa vergonha foi O caçador de pipas. Estava lendo o livro no avião e comecei a chorar! (risos). Daí eu falei: Gente, estou chorando no avião! É um livro muito emocionante, muito tocante. Lembro até que a sogra do meu filho me falou: “Nossa, já chorei tanto nesse livro!”. Daí perguntei: em que página você está?; e ela: “30”. Então eu falei: compra um lençol, porque o que você vai chorar daqui para a frente nesse livro é uma barbaridade.!
Agora, leio também muita biografia. E a biografia mais interessante que li foi O rei do mundo, que é a história do (pugilista americano) Muhammad Ali. Achei espetacular. Foi um cara que foi meu ídolo quando criança – li depois de velho. Já li também a vida do (presidente da Autoridade Nacional Palestina) Yasser Arafat, da (primeira-ministra de Israel) Golda Meir, do (militar israelense mais tarde convertido em negociador de paz) Moshe Dayan.

O senhor já leu os poemas de Michel Temer?
Não.

Tem curiosidade de lê-los?
Fiquei sabendo outro dia que ele era poeta. Se eu ainda não li Manuel Bandeira nem Olavo Bilac, o Michel Temer tem que entrar na fila, né?


O senhor já disse que gosta de tomar uma cervejinha. É habitué dos festivais dedicados à comida de boteco em BH?
Não. Na verdade, isso foi uma brincadeira da época do futebol, em que eu fiz um programa falando muito em Deus. E começou todo mundo a me ligar: padre, pastor… Daí eu falei: Gente, eu gosto é de bar! Mas, na verdade, não frequento bar. Frequento restaurante com a minha mulher e meus filhos. Quando quero beber, bebo no meu sítio, na minha casa. Não sou de sair para bar beber. Vou para restaurante para comer.

Algum restaurante favorito em BH?
Aqui? O Olga Nur.

E sua comida predileta?
Gosto muito de bacalhau. Frango e bacalhau.

Pensei que o senhor diria quibe!
A comida árabe é hors concours. Se você perguntar ‘Qual comida você prefere?’, falo: esfiha. A segunda: malfuf (charuto). A terceira: quibe. A quarta: homus. Mas vamos falar a língua que o povo entende, né? Gosto muito de frango, de qualquer jeito, e de bacalhau.

O senhor gosta de cozinhar?
Tudo. Qualquer coisa. Faço bacalhau, esfiha, quibe. Atualmente também cozinho menos. É igual à leitura. Mas gosto muito de cozinha. Aliás, na minha casa, quem cozinha sou eu! No fim de semana, no sítio, vou para a cozinha.

Qual prato faz sucesso na sua família?
Modéstia à parte, tudo. (risos)

O senhor tem cozinhado menos e lido menos. A culpa é de quê? O que está tomando seu tempo?
O Atlético me consumiu muito, né. Porque, quando você é presidente do Atlético, você perde o fim de semana. Então, agora, eu voltei a ler, porque me devolveram o sábado e o domingo.

E aí o senhor trocou esse emprego pelo emprego de prefeito…
O Atlético não é um emprego, né? É uma paixão.

Mas do ponto de vista de gastar o seu tempo integral, esse novo trabalho não chega a superar o de cartola?
Acho que o Atlético consome mais. A primeira impressão que estou tendo é essa. No Galo, há menos auxiliares, menos estrutura. E aqui nós temos uma equipe de secretários. O Atlético demanda mais tempo solitário e decisões solitárias do que a Prefeitura de Belo Horizonte. O time depende do presidente. Entendeu?


Já que o senhor deu a deixa, vamos falar de “decisões” coletivas e solitárias tomadas pela Prefeitura de BH. A cidade tem certas manifestações culturais, como o Duelo de Mcs, a Praia da Estação e outros. Muitas vezes vetados de usar o espaço público, esses grupos entraram em conflito com a administração do prefeito Marcio Lacerda. Ele tem uma postura avaliada por muitos como beligerante em relação à ocupação de ruas e praças de BH. Como o senhor pretende se posicionar quanto a isso?

Acho que isso é uma bobagem. Belo Horizonte é uma cidade triste. É claro que você não pode liberar geral. Mas nós temos que alegrar nossa cidade. Os movimentos culturais – a Virada Cultural, a quadrilha, as escolas de samba, o carnaval – são movimentos populares que surgem pela comunidade. Cabe à prefeitura só estruturar e não atrapalhar. E pôr ordem. Nós, agora, vamos reunir imediatamente a cultura com a segurança pública. Nós queremos saber onde vai ser o carnaval, para que a prefeitura dê estrutura para que se tenha um carnaval bacana, tranquilo, né? Com segurança.

Por favor, mate aqui uma curiosidade de muita gente. Ronaldinho Gaúcho (atacante do Atlético-MG entre 2012 e 2014, atualmente sem clube) anda bastante inclinado a seguir carreira na música depois de pendurar as chuteiras. Para o senhor, ele tem futuro? Compraria um disco dele?
Olha, nunca ouvi ele cantar, não. Mas sei que ele gosta, é pagodeiro… Já o vi fazendo pagode na Seleção, no Atlético. Mas, normalmente, quem faz uma coisa bem-feita, tudo que pega, faz bem-feito. Agora, o disco, ele deve me dar um de presente, né? Não estou podendo comprar, não!

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