Sites humorísticos apostam em notícias fictícias para aliviar o clima pesado da crise

Exemplos do encontro entre humor e jornalismo, os sites Sensacionalista, The Piauí Herald e Diário de Pernambuco, produzem notícias inventadas, inspiradas em eventos reais

por Breno Pessoa 29/11/2016 09:31


Transformar a realidade em piada pode tornar mais palatáveis os acontecimentos do dia a dia. Rir não é apenas uma saída para encarar o mundo, mas uma forma de criticar a sociedade. Talvez por isso, o humor costuma caminhar ao lado daquele que se propõe a noticiar fatos: o jornalismo. Exemplos dessa simbiose, os sites Sensacionalista, The Piauí Herald e Diário Pernambucano produzem notícias inventadas, inspiradas em eventos reais, e acabam virando fontes de informação para muita gente. Fazem graça, mas não deixam de induzir reflexões sobre política, economia, direitos humanos, cultura e... critérios de noticiabilidade.

A proximidade entre jornalismo e humor é antiga. Parelamente às publicações impressas de caráter informativo surgidas no fim do século 17, popularizaram-se pasquins, panfletos satíricos e caricaturas. No Brasil, não foi diferente: no século 19, o carioca O Mequetrefe não dava sossego ao imperador dom Pedro II. Nos anos de chumbo, o semanário O Pasquim enfrentou a ditadura militar.

INTERNET

No ar desde 2009, The Piauí Herald, ligado à revista Piauí, dedica-se a dar um toque de galhofa aos fatos. Quando Chico Buarque desautorizou o uso de sua canção como tema do programa de entrevistas Roda viva, da TV Cultura, o site não perdoou. ''Décadence avec élégance, de Lobão, é a nova música de abertura do Roda viva'', dizia a manchete em referência ao roqueiro alinhado com o governo Temer. Diante da sucessão de crises que aflige o Brasil, The Piauí manchetou: ''Temer alega pedalada sintática e assume Nobel de Bob Dylan''.

 

Lançado há cinco anos, o Sensacionalista é o maior expoente do gênero satírico no Brasil, com cerca de 11 milhões de acessos mensais ao site e quase três milhões de curtidas no Facebook. Sua equipe reúne apenas oito pessoas: os quatro sócios – Nelito Fernandes, Martha Mendonça, Marcelo Zorzanelli e Leonardo Lanna – e os colaboradores Rodolpho Rodrigo, Bruno Machado, Martha Esteves e Raphael Pinho. A produção diária varia de oito a 10 textos, postados de segunda-feira a sábado. Uma das manchetes de ontem era futebolística: ''Com Vasco e Botafogo na Série A ao mesmo tempo, cometa Halley pode antecipar sua vinda para 2017''.


O editor Leonardo Lanna explica que o número de notícias depende dos acontecimentos do dia, mas a meta, flexível, é de cada integrante produzir pelo menos uma postagem diária. Nelito Fernandes, Martha Mendonça e Leonardo Lanna são roteiristas de programas humorísticos da TV Globo. Apenas Marcelo Zorzanelli se dedica exclusivamente ao site.

 



WhatsApp

O conteúdo é decidido em reuniões de pauta via WhatsApp, condizendo com o imediatismo da internet. A equipe escreve sobre tudo: política, entretenimento, celebridades, esportes. Sensacionalista aborda dos vestidos da cantora Joelma à prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

As manchetes do site, que se proclama ''isento de verdade'', não perdoam ninguém. Nem os mortos. A guerra ideológica travada na internet depois do anúncio do falecimento de Fidel Castro rendeu troça: ''Fidel morre e ninguém quer saber sua opinião sobre isso''. Ao deparar com a coleção de obras de arte do ex-governador fluminense Sérgio Cabral, acusado de corrupção, disparou: ''Justiça decreta prisão preventiva de todas as pessoas retratadas por Romero Britto''.

Vez por outra, a linha editorial causa desconforto aos alvos das piadas. Em 2015, o deputado federal Marco Feliciano (PSP) processou o site depois de ler que deixaria de importar cosméticos norte-americanos em repúdio à liberação do casamento gay dos EUA. Feliciano pediu indenização por danos morais e solicitou não ser mais citado pela página. Perdeu em todas as instâncias.

Vídeos humorísticos começaram a ser exibidos pelo Sensacionalista em agosto. Com números mais modestos, o canal do YouTube tem perto de 34 mil assinantes e seu programa mais visto soma 307 mil visualizações, contra 11 milhões de acessos mensais ao site.

''A gente achou que fosse transferir a base de leitores, mas o público é diferente'', explica Leonardo Lanna, que diz que só recentemente encontrou formato ideal para o conteúdo em vídeo. ''Estamos apostando. É mais trabalhoso e custoso'', conclui.

O 'falsiê' do Recife
Com o slogan ''Falsiê, mas sem farsas”, o site Diário Pernambucano, editado no Recife, dá sotaque regional ao jornalismo fake, em que notícias inventadas costumam ser compartilhadas como se fossem realidade. ''Ninguém sabe mais distinguir o que é verdade do que não é realidade'', avalia Raphael Tenório, mestre em filosofia e idealizador do site. ''A maneira mais fácil de injetar uma crítica é o humor, pois ele é linguagem universal, assim como o jornalismo'', acredita.

TRADIÇÃO NACIONAL

O Mequetrefe (1875-1893)
No período de transição entre a monarquia e a república, O mequetrefe divulgava charges e textos satíricos, criticando do imperador dom Pedro II a bispos católicos. A publicação carioca também noticiava mudanças ocorridas no país, como a abolição da escravatura e o fim do Império, além de veicular artigos opinativos.

Febeapá (1966)
O escritor Sérgio Porto, sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, lançou O festival de besteira que assola o país (Febeapá), seleção de textos humorísticos publicados no jornal Última Hora depois do golpe de 1964. Aquelas sátiras a militares e políticos influenciaram a criação de O Pasquim, que usou o humor para se opor à ditadura. Recentemente, a editora Companhia das Letras lançou livro com os textos de Porto. Com 536 páginas, ele custa R$ 54,90.

O Pasquim (1969-1991)
Fundado no Rio de Janeiro por Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral e Ziraldo, o semanário fez história na imprensa alternativa brasileira, atingindo a tiragem de 200 mil exemplares. Entre seus colaboradores estavam Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Paulo Francis e Henfil. Desafiou a censura do governo militar com seu humor politizado, abordando sexo, feminismo, religião e drogas. Em 1970, todos os integrantes da redação foram presos.

 

O Planeta Diário (1984-1992)
Casseta & Planeta (1992-1995)

O tom anárquico o aproxima dos sites humorísticos contemporâneos. O tabloide carioca, que começou a circular no fim do governo militar, divulgava notícias falsas em manchetes criadas por Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva. Posteriormente, o trio se juntou à equipe de outra publicação, Casseta Popular: Beto Silva, Helio de la Peña, Marcelo Madureira, Bussunda e Claudio Manoel. Surgia ali o Casseta & Planeta, que deu origem ao programa humorístico da TV Globo. Planeta chegou a vender 100 mil exemplares por mês.

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