Completando 15 anos, Companhia Luna Lunera estreia 'Urgente'

Montagem propõe que atores e público se indaguem sobre a aceleração dos dias e o desafio de ''se manter fiel ao que importa''

por Carolina Braga 31/03/2016 08:00
CAROL THUSEK/DIVULGAÇÃO
(foto: CAROL THUSEK/DIVULGAÇÃO)
Um aviso útil a quem for ao CCBB-BH para ver Urgente, a nova montagem da Cia Luna Lunera: não adianta sentar na poltrona com a postura viciada de um espectador comum. Ali não será lugar de respostas prontas. Ao comemorar 15 anos de vida profissional no teatro, Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves e Zé Walter Albinati compartilham com o público aquilo que é muito caro para o teatro que fazem: o pensamento – sobre si, sobre as coisas, sobre o mundo e, sobretudo, sobre como estar nele.

Urgente, em cartaz de hoje a 16 de maio, é um trabalho que permite muitas leituras. Convida o espectador a uma experiência coletiva. “É uma narrativa não linear, fragmentada. Um exercício de criação para todo mundo. Um convite a pousar e estar ali em uma experiência compartilhada”, afirma Miwa Yanagizawa, que divide a direção da peça com Maria Sílvia Siqueira Campos. Elas são integrantes do Areas Coletivo de Arte, com sede no Rio de Janeiro. Foram convidadas especialmente para embarcar na nova montagem dos mineiros, criadores de sucessos como Aqueles dois (2007) e Prazer (2012).

Como o ator Zé Walter Albinati descreve, o processo até aqui se revela um encontro muito autêntico. Além do Areas Coletivo de Artes, a banda Constantina está junto do Luna, responsabilizando-se pela ambientação sonora. Colaboraram com o texto o escritor Carlos de Brito e Mello e o francês Jean-Luc Moriceau. O clima geral, segundo ele, é de alegria e satisfação.

O mote da peça surgiu de uma inquietação do ator Marcelo Souza e Silva às vésperas de completar 40 anos. Ao questionar seu próprio caminho até ali, despertou nos colegas uma reflexão sobre quais seriam as motivações para o futuro que teriam pela frente. A esse a atriz Isabela Paes acrescentou outro incômodo, ao chamar a atenção para a aceleração do tempo. “Há um atropelamento. Por vezes, não conseguimos identificar nossas demandas prioritárias, e a vida acaba nos engolindo. A partir disso surgiram as questões”, conta Albinati.

IMPROVISO

A dramaturgia da peça foi construída na sala de ensaio, a partir das improvisações propostas pela dupla de diretoras. Miwa Yanagizawa é conhecida por uma pesquisa sobre o processo de criação do ator fundada na escuta diária e contínua do outro como prática dialógica fundamental. Escutar, para ela, vai além de ouvir palavras e sons. Tem mais a ver com uma percepção geral. É estar presente.

Pelo método das diretoras, os cinco atores recebiam estímulos secretos. Um intérprete não sabia o desafio do outro. O resultado deveria ser apresentado em cenas de 30 minutos, um tempo largo considerando as práticas de improviso vigentes. “Funciona como deflagrador de emoções e estados”, diz Albinati.
Miwa descreve a peça como sendo fragmentos de histórias de cinco personagens comuns que coabitam um lugar, cada qual ocupando um espaço mínimo, hipercondensado, cheio de rachaduras. Os conflitos das relações entre essas personagens surgem em um cotidiano precário de encontros.

O cenário assinado por Yumi Sakate em parceria com o Areas é composto por quatro nichos de um metro quadrado cada um. A pesquisa teatral de Miwa e Maria Silvia se funda na necessidade da presença. Se estar no palco é um risco constante, o desafio é fugir das armadilhas inerentes a tamanha exposição. “O que é fundamental para o trabalho fluir é estar ali em diálogo com as coisas, com as questões que originaram aquele trabalho. É muito difícil se manter fiel ao que importa”, destaca Miwa.

Para a diretora, Urgente convida cada um a entrar em contato com as próprias urgências e, a partir disso, desenvolver seu próprio espetáculo. Trata-se de uma proposta teatral na qual a abertura do espectador para o diálogo com os artistas é imprescindível, assim como sua curiosidade em relação ao convívio.

Miwa acredita que Urgente possa fornecer subsídios para uma reflexão sobre nosso presente. “Mostramos a situação de um lugar que fala de um interior, de um espaço, de uma moradia. As coisas acontecem lá fora, mas podem repercutir aqui dentro. Tudo aquilo pode significar também uma ressonância do que acontece em outras instâncias”, afirma.

Urgente
De hoje a 16 de maio, de quinta a segunda, às 20h. Centro Cultural Banco do Brasil. Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).


Grupo transforma suas dúvidas em dramaturgia

Urgente marca os 15 anos de trajetória da Cia Luna Lunera. Ao levar para o palco inquietações dos próprios atores, o grupo reforça uma característica que é sua desde 2005, quando biografias dos intérpretes  resultaram em Não desperdice sua única vida, ou …, com direção de Cida Falabella. Naquela experiência, um mergulho muito vertical nas histórias pessoais transformou-as em dramaturgia.

O grupo formado a partir do curso profissionalizante de artes cênicas do Palácio das Artes estreou profissionalmente com Perdoa-me por me traíres (2001), texto de Nelson Rodrigues (1912-1980) com direção de Kalluh Araújo. A montagem seguinte, Nesta data querida (2003), nasceu de um projeto cujo objetivo era experimentar novas dramaturgias e modos de estar em cena.

Desde então, três de quatro espetáculos do Luna tiveram a devida carga de reflexões sobre o estar no mundo. O premiado Aqueles dois (2007) é um encontro com a poética de Caio Fernando Abreu (1948-1996). Da rotina de uma repartição pública surge um pensamento sobre a força dos laços de cumplicidade.

Prazer (2012) nasceu de provocações feitas por Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres: “Que se deve viver apesar de”. A peça que inaugurou o teatro do Centro Cultural Banco do Brasil em 2013 é um olhar afetuoso sobre os conflitos da geração com 30 e poucos anos. Pessoas comuns, com problemas de relacionamentos, familiares, de trabalho, mas que mantêm a coragem de buscar a alegria.

O questionamento de Urgente é de natureza mais filosófica. A impressão de que a passagem do tempo é cada vez mais rápida é embasada em reflexões encontradas em obras do pensador romano Sêneca (4 a.C./65 d.C), do alemão Martin Heidegger (1889-1976) e até do matemático e físico francês Blaise Pascal (1923-1962). Com eles, o Luna Lunera pergunta a si mesmo e ao público: sua vida se deu no passado, é atropelada pelo presente, é adiada para quando?. (CB)

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