Adélia Prado troca "retratos e autógrafos" por silêncio e oração pelo Brasil

Escritora propôs ao público de BH que, em vez de pedir fotos e autógrafos se juntasse a ela num minuto de silêncio seguido pelo pai-nosso

por Ana Clara Brant 18/03/2016 07:30


Pela primeira vez em seus 40 anos de trajetória literária, a escritora Adélia Prado não promoveu uma sessão de autógrafos nem de fotos – ou melhor, de retrato, como ela diz – no lançamento de um livro (Poesia reunida, coletânea de poemas de vários de seus títulos). “Nunca fiz isso. Queria pedir desculpas e dizer que esse amor que estou recebendo de vocês é muito mais valioso do que qualquer rabisco ou fotografia. Em vez disso, queria pedir um minuto de silêncio pelo Brasil e um pai-nosso, que é a oração universal.”

Foi assim que a escritora mineira encerrou seu encontro com o público da capital, anteontem à noite, na edição do Sempre um Papo comemorativa dos 45 anos do Grande Teatro do Palácio das Artes. O público chegou com mais de uma hora de antecedência para vê-la e lotou o espaço. Não apenas o encerramento do encontro foi marcado pela emoção.

Adélia, que completou em dezembro passado 80 anos, começou sua palestra afirmando estar com frio na barriga: “Nossa, eu tô nervosa”. “Bebe uma água de coco para relaxar”, sugeriu o anfitrião da noite, o jornalista Afonso Borges, criador do Sempre um Papo, que festeja neste 2016 seus 30 anos. A autora de Bagagem, O coração disparado, Terra de Santa Cruz, Oráculos de maio e outros destaques da poesia brasileira sorriu.

CRISTINA HORTA/EM/D.A.PRESS
(foto: CRISTINA HORTA/EM/D.A.PRESS)
“O Afonso permitiu que eu falasse de qualquer coisa. Então, separei alguns pontos importantes para comentar, ainda mais neste momento que o país está atravessando. Podem ficar tranquilos que não se trata de uma conferência.” Ela então passou a discorrer sobre valores e o significado da vida.

“Viver a vida com mais sentido nos torna mais humanos. Quando há uma ausência disso, vem a depressão. E todos estão sujeitos a isso”, pontuou. A autora passou por temas como filosofia, arte, fé, religião e beleza. Muitas vezes, com tiradas bem-humoradas. “Uma coisa que me encanta muito é a beleza da vida. Tudo é belo, até a jararaca”, soltou. A poesia, obviamente, não poderia faltar: “Carreira e ofício são profissões. E o autor não pode chamar de carreira, porque ele não escreve quando quer, mas quando a coisa pede para ser escrita”.

Além de declamar alguns de seus poemas antológicos como Dona doida, Canção de amor, Chorinho doce e Orfandade (Me dê a negrinha Fia pra eu brincar/ Me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe/Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável, canção de amor, chorinho doce), em que chegou a se emocionar, a poeta comparou a poetisa com a oração. “As duas são a mesma coisa, porque ambas se dirigem a algo maior que eu e exigem minha submissão e minha acolhida, tanto que não dão certo com gente orgulhosa.”

Depois dessa declaração, ela emendou: “Poesia é o rastro de Deus nas coisas. E não só a poesia escrita, mas a poesia da dança, do teatro, da pintura. Poesia não é fruto da inteligência e da razão; ela vem de outro lugar. Parodiando Guimarães Rosa, a poesia vem da terceira margem da alma”.

Três perguntas para...

Adélia Prado
escritora

Que importância atribui a esses eventos literários de que participa?


A verdadeira estrela desses encontros é a poesia, é o livro, a literatura. A troca entre as pessoas é importante, mas não é o mais importante. Para você ter uma ideia, dos autores de quem gosto, prefiro o livro ao próprio autor (risos). Quero que ele fique lá, quietinho, escrevendo livro bacana. Mas é inevitável que as pessoas fiquem curiosas e queiram conhecer os escritores que admiram.

A senhora acha que a poesia é um gênero preterido no Brasil?

De jeito nenhum. Ela é amada, sim. Ela não tem leitores, porque a escola não forma leitores. A escola não está preocupada em formar consumidores de literatura. A culpa não é das pessoas. Tem muita gente que escuta a primeira vez e comenta: “Nossa, mas isso é poesia? Isso é muito bom”. Todo mudo gosta.

Tem algum projeto em vista?


Estou escrevendo e devo lançar um livro com poemas inéditos, mas ainda não tem data, porque a poesia só vem quando ela quer. Tem que ficar esperando. Também tenho relido os clássicos, como Tolstói, e poetas que a gente ama, como Drummond, Cecilia Meireles e Manuel Bandeira.

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