Paisagens pintadas por Paulo Miranda estão expostas no Centro Cultural UFMG

Mineiro de Uberaba, artista mostra trabalhos da última década em 'Imersão e fúria'. Com colagens, gestos e impressões ele discute a observação do entorno

por Walter Sebastião 16/03/2016 17:03
Paulo Miranda/Acervo
Pintura de Paulo Miranda, um dos mais importantes artistas plásticos mineiros em atividade (foto: Paulo Miranda/Acervo)
Gênero comum, se a pintura de paisagens é hoje um dos ícones da arte, nem sempre foi assim. Como motivo artístico autônomo, ela praticamente não existia, sendo apenas fundo das imagens. Vem do século 16 sua gradativa valorização. Isso se deve, especialmente, aos românticos, por fazer dela, no século 19, ícone da relação do homem com a natureza. Ao se deter na vida urbana, os modernos relativizam o tema ou se voltam para a criação de imagens das cidades – que, de certa forma, deixam dúvidas sobre até que ponto ela ainda se abriga sob a ideia de paisagem. Há quem defenda que, depois de algum ocaso, a arte contemporânea retomou esse motivo.

Um conjunto de paisagens realizadas nos anos 2000 por Paulo Miranda, mineiro de Uberaba, está em cartaz no Centro Cultural UFMG. São 27 obras. No primeiro espaço, há basicamente abstrações criadas com vários materiais e técnicas evocando cidades e interiores. Nos demais espaços, há séries cujo motivo é o horizonte e tudo o que ele evoca. A proposta da curadoria, assinada pelo historiador Rodrigo Vivas, é a imersão na linguagem do artista a partir de obras que não abandonam inteiramente a associação com a imagem do mundo, voltando-se também para estudos sobre abismos.

Na primeira sala, vê-se uma síntese dos procedimentos de Miranda. De forma mais disciplinada, eles estão nos horizontes exibidos nas salas seguintes. Estes, por sua vez, são ensaios, sucessivas investidas que enfatizam os elementos do ofício e da linguagem da pintura. Trata-se de consideração, sem intenção narrativa, de questões importantes postas pelo motivo da paisagem: a observação do mundo e, especialmente, o sujeito que observa, além das artimanhas da consciência. São conjuntos significativos, independentemente de exibir momentos mais fortes e outros menos expressivos.

Há cerca de duas décadas, Paulo Miranda trabalha a poética do resíduo, da rasura, do ruído e da aresta. Os trabalhos trazem imagens criadas com colagens, gestos, impressões, materiais e pigmentos, que instauram um jogo de presenças e ausências intensamente físico, fazendo da superfície da tela algo como uma área de trabalho em permanente estado de inconclusão.

Mais que geografia, as paisagens de Paulo Miranda se voltam para descortinar um horizonte. Descrito com o jargão da fenomenologia, esse conceito sintetiza memória, imaginação, lembranças, experiências empíricas, éticas, religiosas, históricas e psíquicas tanto do ofício quanto da representação, implícita ou explícita. Observar as peças do artista é se deixar levar por “acidentes” visuais, vindos do processo de realização da obra, oferecendo-se como experiência que não separa prática e pensamento. Por isso mesmo, não há um tom estético que possa ser generalizado.

Há momentos de beleza e outros que sugerem a aridez do mundo. Às vezes, o detalhe ganha relevância em imagem que trabalha a monumentalidade. Alguma nostalgia sinaliza mais o presente do que a saudade do passado. A fratura traz a antevisão da unidade, a imagem tanto atrai quanto repele observação figurativizante. O que se apresenta, de fato, são oscilações, as muitas pulsações emocionais de um observador. Por isso mesmo, melhor considerar – e curtir – o entrelaçamento de questões do que apenas um aspecto. Até porque, é isso que dá sabor ao trabalho de Paulo Miranda.

PAULO MIRANDA
Exposição Imersão e fúria. Centro Cultural UFMG. Av. Santos Dumont, 174, Centro, (31) 3409-8290. De terça a sexta-feira, das 10h às 21h; sábado e domingo, das 10h às 18h. Até 17 de abril.

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