Mineira Flávia Bertinato cria retrato da tensão com instalação exposta no Rio

Tranças espetadas por tesouras cirúrgicas compõem a instalação 'Rapunzel', que venceu concurso do CCBB de arte contemporânea

por Walter Sebastião 29/02/2016 11:10

Leva o nome de Rapunzel a instalação que Flávia Bertinato, de 35 anos, está apresentando na sala dedicada à arte contemporânea do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. O trabalho da artista, que é mineira de Pouso Alegre e hoje está radicada em Belo Horizonte, foi um dos 10 projetos contemplados pelo Prêmio CCBB de Arte Contemporânea para a temporada 2015/16.

Rapunzel é composta por carretéis, presos às paredes, onde estão enroladas tranças, tendo em meio à trama tesouras cirúrgicas, que se ligam de forma arbitrária ou de modo precário umas às outras. Remete à cena do conto dos irmãos Grimm em que a bruxa corta os cabelos da moça presa na torre para que ela não se encontre com o namorado.

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Bertinato em sua instalação 'Rapunzel'; artista diz que sua obra dialoga com 'Bandida', com carroceria carregada de glitter tombada, em cartaz em galeria em São Paulo (foto: CCBB/RJ/Divulgação)
A peça, conta Flávia, dialoga com outra instalação, que ela apresenta na vitrine da galeria Marília Razuk (SP). Chamada Bandida, consiste na carroceria de um veículo (com meia tonelada de glitter) tombada.

 

Lanternas apontadas para o material criam ritmos visuais ao piscar sobre ele. Ambas as instalações, observa a artista, colocam diante do espectador determinado momento de uma situação. E buscam diálogo com o entorno, discutindo o objeto de arte e interpelando as narrativas.

“O trabalho pode ter várias leituras. Não ofereço ao espectador uma interpretação. O que me interessa é lidar com a representação da tensão”, conta Flávia, lembrando que na mesma peça estão tranças e tesouras. Por isso mesmo, acrescenta, gosta de trabalhar com elementos carregados de significados.

 

O interesse por pontuar, evidenciar e criar tensões está presente em várias de suas peças, como ela cita. Boa noite, Cinderela (2008-2010), exibida na galeria Celma Albuquerque (BH), tirava a serenidade de fotos de pessoas dormindo com um título que alude à prática criminosa de se dopar pessoas para roubá-las. A intervenção Alarme falso (2004) acionava luz forte sobre escada de acesso a outras dependências de uma instituição, independentemente de haver ou não alguém passando pelo local.

CCBB/RJ/Divulgação
(foto: CCBB/RJ/Divulgação)
LINGUAGENS Flávia Bertinato fez formação e doutorado em artes visuais em universidades de São Paulo. Há mais de uma década ela vem mostrando seus trabalhos em exposições individuais ou coletivas, em espaços culturais e galerias de arte. Tem atuado com fotografia, pintura e instalações.

 

Considera que, de certa forma, as três linguagens estão mescladas no que ela faz. “A distribuição dos elementos no espaço e o uso da cor nas instalações são empréstimos da linguagem da pintura”, observa. “Se um projeto não cabe num meio, migro para outro”, explica.

Ela tem pautado sua trajetória pela busca de experiências nos locais onde faz exposição. “Já fiz trabalhos em galerias que corriam o risco de ser considerados anticomerciais. Mas a minha expectativa é dar vazão ao que o desenvolvimento do trabalho pede. Pode não haver venda do trabalho exposto, mas as mostras acabam atraindo colecionadores, interessados em ver outros trabalhos”, afirma.

A atuação em espaços institucionais, por sua vez, permite acesso a cachês e financiamento do custo de produção das obras, “o que é um retorno diferente da venda do trabalho, mas muito bom”.

Expor em um centro cultural, para Flávia Bertinato, oferece a possibilidade de colocar o trabalho diante de um público grande e heterogêneo. O que tanto confere mais visibilidade ao que ela faz quanto traz novos olhares, outras leituras a respeito de suas peças.

 

A artista valoriza o fato de sua obra ser mostrada numa sala do CCBB dedicada à arte contemporânea num contexto marcado pela presença de grandes mostras internacionais e históricas. “É bom que a pessoa tenha oportunidade de ver as duas coisas. Oferecer acesso à produção brasileira contemporânea é fundamental, sob o risco de ela ficar muito esmaecida como referência pública”, afirma.

PAISAGEM CARIOCA
O pintor mineiro Alan Fontes também ganha exposição na Sala A do CCBB/RJ. Poética de uma paisagem – Memória em mutação (2015-2016) vai ser aberta no dia 5 de abril e se estende até 8 de maio. Trata-se de instalação com pinturas e objetos, sendo que uma grande pintura (5m x 3m), vista aérea do Centro Histórico do Rio de Janeiro, pontua uma consideração não habitual sobre a paisagem.

 

Serão expostos ainda fotos e desenhos da região, feitos pelo artista durante residência no local. Fontes diz que não se trata de documentação, mas uma consideração sobre transformações do mundo urbano e a percepção do entorno que poderia ser representado com imagens de qualquer lugar do mundo. A exposição será apresentada nos CCBBs de Belo Horizonte, São Paulo e Brasília no segundo semestre.

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