Livro e filme contam história de encontros de jornalista e professora com Drummond

Jornalista conta em livro como conseguiu a primeira entrevista do poeta para um jornal, quando ele tinha 75 anos e ela, 24. Filme mostra amizade epistolar dele com estudante moradora de Guaporé (RS)

por Ana Clara Brant 06/11/2015 09:41

PASSAVENTO/DIVULGAÇÃO
A jornalista paulista Nanete Alves, que lança nesta sexta-feira na Fnac, em Belo Horizonte, o livro 'O Poeta e a foca' (foto: PASSAVENTO/DIVULGAÇÃO)
A escritora e jornalista paulista Nanete Neves e a professora gaúcha Helena Maria Vicari não se conhecem, mas têm algo em comum: ambas tiveram encontros mágicos com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

Enquanto Nanete conseguiu a primeira entrevista de Drummond à imprensa, Helena se correspondeu durante 24 anos com o poeta mineiro. As histórias de Nanete e Helena com Drummond transformaram-se em livro e filme, respectivamente.

A jornalista lança hoje em BH O Poeta e a foca (Editora Pasavento), relato de como uma jovem repórter (24 anos) de um pequeno jornal paulistano foi recebida por Drummond em seu apartamento, no Rio, ao qual até mesmo os amigos do escritor tinham pouco acesso.

Era outubro de 1977, vésperas dos 75 anos do itabirano que, até então, nunca havia dado entrevista a jornais, embora tenha trabalhado em redações e convivido com jornalistas.

“Ele nunca gostou de falar de sua obra, muito menos discutir a obra dos outros. Sempre discreto, também não gostava de falar da vida pessoal. Acredito que tenha evitado entrevistas a vida toda porque certamente iriam abordar esses assuntos e ele detestava soar descortês’”, afirma Nanete, que hoje se intitula uma operária das letras, já que edita, faz leitura crítica, ministra oficinas de escrita e atua como coach para autores iniciantes.

BILHETE Ela lembra com emoção como conseguiu a façanha. No Rio, foi ao edifício em que o mineiro morava, em Copacabana. Percebeu que havia um porteiro. “Então usei o velho método do bilhete... E deu certo! Agora, detalhes, só mesmo lendo o livro (risos). Mas o mais interessante é que depois de tudo o que ouvi, fui me preparando para me encontrar com um ogro. E me deparei com um senhorzinho amável, meigo, que me recebeu de forma carinhosa, que me respondeu por escrito às perguntas que eu havia enviado junto com o bilhete, interessado em mim e que me fez, talvez, muito mais perguntas do que eu a ele. No final, para coroar a experiência, ainda me deixou aberto o contato, me intimando a voltar para lhe entregar em mãos a matéria depois de publicada”, recorda.

Para ela, a oportunidade que se transformou num furo de reportagem foi uma combinação de persistência, intuição e sorte.

“Eu era uma jornalista em início de carreira. Nunca tinha ido ao Rio, nem sequer tinha amigos por lá. Sabendo que seria praticamente impossível conversar com Drummond, procurei conversar com o maior número de pessoas sobre ele: escritores, amigos e ex-colegas de trabalho. Eles me contaram das suas manias, esquisitices, qualidades e defeitos. Fui juntando isso tudo, sem saber ainda que estava me preparando para o grande encontro. Todos me diziam que era melhor desistir de tentar falar com ele. Mas algo me fez acreditar nessa possibilidade e apostar nela.”

EDUARDO ROSA/DIVULGAÇÃO
Cena do documentário 'O último poema', que estreou esta semana (foto: EDUARDO ROSA/DIVULGAÇÃO)
Poema filmado

A poética ligação da então estudante da escola normal Helena, moradora de Guaporé (RS), com o “maior poeta brasileiro”, como ela diz, é contata no filme O último poema, de Mirela Kruel, em cartaz no Belas Artes, em Belo Horizonte.

O filme mostra parte da rica correspondência entre os dois, trocada entre 1962 a 1986. Quando ainda era uma estudante, Helena decidiu revelar em uma carta destinada ao seu ídolo literário a admiração que sentia por ele. A missiva foi prontamente respondida.

A diretora do longa consegue reinventar com belas e poéticas imagens essa amizade, procurando justapor o mundo de Helena Maria e a poesia de Drummond. Hoje aposentada e recolhida em seu modesto cotidiano, ela ainda sonha com a época e lamenta o fato de o encontro real com o poeta nunca ter acontecido.

“O filme é um poema. Como se fosse o último poema de Helena para Drummond. De Drummond para Helena, o meu poema para os dois. Acredito que as cartas significam uma janela, um respiro para a vida singela dela. Uma abertura para sua alma de poetisa”, afirma a cineasta.

Helena Maria chegou a trocar telefonemas com Drummond e certa vez foi ao Rio tentar encontrá-lo, sem sucesso. “Ela tem uma grande frustração por não conhecê- lo pessoalmente e com certeza é uma lacuna, uma falta que espero poder ter preenchido um pouco com o filme. O que mais me surpreendeu nessa história toda foi a força da poesia. O quanto ela é transformadora e o quanto a profundidade das relações pode mudar nosso íntimo e nossa visão do mundo”, diz Mirela.

 

 

 

O Poeta e a foca
Lançamento do livro de Nanete Neves e bate-papo sobre Drummond com o professor pós-doutor em literatura Leandro Garcia. Nesta sexta-feira, às 20h, na FNAC do BH Shopping (Rodovia BR 356, 3.049, Bairro Belvedere). Entrada franca. Preço do livro: R$ 35

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