O traço selvagem de Power Paola

Álbum autobiográfico Vírus tropical, da artista equatoriana, surpreende pela espontaneidade, expressividade e humor

por 09/10/2015 17:03

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Editora nemo/divulgação
Editora nemo/divulgação (foto: Editora nemo/divulgação)
Fabiano Barroso*



Em 2009, estávamos procurando por quadrinistas femininas para a edição de número 20 da revista Graffiti 76% Quadrinhos, da qual eu era um dos editores. O tema daquela edição seria, justamente, “mulher”. Encontramos, então, excelentes histórias em quadrinhos feitas por mulheres, na Inglaterra, Sérvia e Bolívia. A equatoriana Power Paola residia, à época, na Argentina, e acabou publicando quadrinhos nas derradeiras quatro edições da Graffiti – entre elas o primeiro capítulo deste maravilhoso Vírus tropical, que agora vem publicado no Brasil em um álbum pela editora Nemo. Apesar de reconhecer o bom trabalho desenvolvido pela editora mineiro-paulista, cujo catálogo traz desde clássicos do quadrinho europeu até trabalhos de jovens artistas nacionais, confesso que fiquei surpreso com a publicação de Vírus tropical por aqui.

A HQ narra, de forma autobiográfica, os primeiros anos de vida da autora, que nasce no Equador, mas se muda com as duas irmãs mais velhas e a mãe para a Colômbia, até a sua adolescência, quando é expulsa de casa pela irmã Claudia e adquire, enfim, sua independência. A divisão em capítulos é temática: família, religião, dinheiro e entrada na adolescência são algumas das abordagens.

Não há, em princípio, nada de extraordinário na existência da menina Paola (a não ser o fato de que ela foi gerada após sua mãe ter ligado as trompas, o que fez com que os médicos considerassem que se tratava não de uma gravidez, mas de um “vírus tropical”). O que torna sua vida especial, literariamente falando, é justamente a autocrítica e o ponto de vista da quadrinista Power Paola. Ela narra, invariavelmente de forma crua, sincera e comovente, episódios singelos, como o dia em que ela e as irmãs roubaram chocolate da avó chata, ou melancólicos, como o dia em que seu pai saiu de casa, às vésperas da visita do papa João Paulo II ao país.

Apenas mulheres parecem ter tido influência em sua vida nesses tempos. O pai, um ex-padre, abandona a família, e Paola vive sob as asas da mãe e das irmãs. Seu universo vai sendo preenchido, ao longo da história, por bonecas Barbie, vizinhas de prédio, colegas de escola, melhores amigas e, por fim, namorados. Destaco a “trilha sonora” que acompanha a infância e sobretudo a juventude da autora, e que vai de músicas pouco conhecidas por nós, como Me estás atrapando otra vez, da banda espanhola Los Rodriguez, a clássicos do rock, como Wish you were here”, do Pink Floyd.

O traço e a atmosfera gráfica desenvolvidos por Power Paola são singulares. Seus desenhos recordam o trabalho de alguns ilustradores de livros infantis brasileiros, como a carioca Mariana Massarani. Seu estilo pode ser enquadrado naquilo que, nas artes plásticas, é chamado de “naïf”: um traço selvagem, áspero, repleto de texturas e desprovido de academicismo. Essa característica, juntamente com a coloquialidade dos diálogos, confere expressividade, espontaneidade e humor à narrativa, mesmo naqueles episódios mais dramáticos, e faz de Vírus tropical uma obra tocante e explosiva.

A exemplo de outra HQ autobiográfica recente (Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi), Vírus tropical também se tornará uma animação. O projeto, de autoria do Timbo Estudio e dirigido pelo cineasta Santiago Caicedo, ganhou edital de longas de animação do governo da Colômbia, e está previsto para estrear em 2016. Já é possível assistir a um teaser no Vimeo.

* Quadrinista e produtor cultural, foi um dos editores da revista independente Graffiti 76% Quadrinhos (1995-2012), editada em Belo Horizonte.



Vírus Tropical
. De Powerpaola
. Editora Nemo
. 160 páginas
. R$ 39,90

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