'Rivellino' mostra como Roberto saiu dos campos de várzea e se consagrou na Seleção de 1970

Livro de Maurício Noriega conta a trajetória do jogador ao longo de sua vitoriosa carreira

por Estado de Minas 03/10/2015 08:00

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Editora Contexto/Reprodução
Camisas históricas: Pelé com a do Santos e Rivellino com a do Corínthians (foto: Editora Contexto/Reprodução)
por Eduardo Murta
 
Há sempre um delicado e múltiplo risco diante do desafio de escrever sobre mitos. Fazer parecer reais os que são de fato reais é o primeiro deles, num tempo em que os chamados tigres de papel, celebridades cuja especialidade é surgir e evaporar num estalar de dedos, andam por aí nas promoções de R$ 1,99. A missão ganha um componente extra de dificuldade se adiante estiver a silhueta de um ídolo capaz de arrastar multidões apaixonadas, de alcançar a condição de quase lenda. E adicione um grau a mais nesta escala se esse símbolo vier do futebol.

A boa notícia é que a literatura brasileira anda confirmando seus sinais de maturidade nesse sentido, e Rivellino, do jornalista Maurício Noriega, é mais uma sinalização desta tendência. De um mercado em que os títulos dedicados ao esporte eram peças raras nas estantes passou-se a uma oferta em que as obras nacionais sobre modalidades e esportistas foram ganhando espaço nas vitrines. Melhor: com lastro histórico, uma dose indispensável (mas calibrada) de paixão e, o fundamental, revelando personagens de carne e osso.

Noriega está nessa escola ao descrever um Roberto Rivellino que foi do barro, nos campinhos de várzea de uma São Paulo que já não há mais, ao ouro, reconhecido como um dos maiores jogadores de futebol da história. Sem lantejoulas – Riva, definitivamente, não precisa delas –, o jornalista ajuda a separar o que é lenda do que é palpável, em muitos casos com retoques do próprio craque. Em outros pontos, enumera versões diversificadas (sem prejuízo para a apuração jornalística) sobre episódios que foram determinantes para a carreira do jogador.

A mais controversa delas talvez seja a da transição para um grande clube, depois de passar pelo amador Indiano e pelo futsal no Banespa. Palmeirense de coração, Riva sustenta que um diretor do clube o viu em quadra, fez um bilhete de recomendação, mas que o então técnico Mário Travaglini o dispensou no terceiro treino. “Peguei minhas coisas e fui embora”, conta. O treinador, morto em 2014, sugere outro desfecho: “Disse que ele era realmente muito bom, mas pedi que voltasse na semana seguinte. Percebi que não gostou. Virou as costas e foi embora”.

As portas se abriam, então, no rival Corinthians. O começo no juvenil, em 1963, o time de aspirantes, em 1965... Finalmente, em 1966, a migração da camisa 8 para a 10 que consagraria o canhoto. Um fenômeno que passou nove anos num clube de massas sem conquistar nem um título sequer e é lembrado como seu maior ídolo de todos os tempos. Assim, como no Fluminense, pelo qual atuou por quatro anos e pela primeira vez se tornou campeão com a camisa de um clube. Antes, havia encantado o mundo com sua canhota para lá de habilidosa e torpedos espetaculares pela Seleção Brasileira tricampeã de 1970, no México, ao lado de outros gênios como Pelé e Tostão. Ou pelo drible do elástico, cuja criação credita ao colega corintiano Sérgio Echigo.

Não é por acaso que arranca de outros gênios sínteses que o colocariam um patamar acima dos mortais. Entre os cinco melhores do mundo? “É claro que ele está nessa lista”, sentencia ninguém menos que Pelé. De Maradona, quando participou de um jogo comemorativo em 1998, com ambos já aposentados, o reconhecimento: “Quando fiz uma tabela com Rivellino, foi como se tivesse tocado o céu”. Do alemão Franz Beckenbauer, a reverência: “Rivellino foi um dos maiores jogadores da história. Era um artista, não era um jogador de futebol”. Tostão emenda de primeira: “Levou o lúdico do futebol para o jogo competitivo”.

Claro, tudo isso cairá no limite da relatividade. O próprio Noriega prefere incluir o craque na lista dos “10 mais”, o que também não escapará dos julgamentos subjetivos e apaixonadas. O que importa, e isso está presente no texto, que mescla delicadeza brejeira à ascensão de um personagem que virou história, é uma espécie de clamor para que a magia não se apague – a do drible, do encantamento, do gol, dos lances que tornaram o futebol mais que um esporte. Como diria Eduardo Galeano, o converteram numa espécie de templo em que ateus buscam seus deuses. E Rivellino, o menino que cruzava de canoa o Rio Pinheiros para acompanhar os jogos nos terrões, no barro, é uma parte pulsante destes pequenos – ou grandes – milagres.

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