Livro com narrativa do xamã Davi Kopenawa ganha edição no Brasil

'A queda do céu' traz a narrativa oral do yanomami Davi Kopenawa, transformada em linguagem escrita pelo francês Bruce Albert

por Vanessa Aquino 23/09/2015 09:43

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Bruce Albert/Divulgaçao
Yanomami do alto Catrimani na rodovia Perimetral Norte (foto: Bruce Albert/Divulgaçao)
O xamã Davi Kopenawa é descrito pelo antropólogo e etnólogo francês Bruce Albert como “um homem de personalidade complexa e carismática, ora tenso e pensativo, ora caloroso e bem-humorado”. Kopenawa é o porta-voz do povo yanomami, nascido em grande casa comunal, na floresta tropical, no extremo norte do estado do Amazonas.

Quando criança, viu o próprio grupo ser dizimado por duas epidemias sucessivas de doenças infecciosas do extinto Serviço de Proteção aos Índios e, depois, por membros da organização norte-americana New Tribes Mission. O pequeno índio também foi submetido por algum tempo ao proselitismo desses missionários e deve a eles o nome bíblico (Davi), a aprendizagem escrita e algum conhecimento sobre o cristianismo.

Bruce Albert, pesquisador francês, começou a trabalhar com os índios Yanomami em 1975 e estudou vários aspectos da sociedade e pensamentos do grupo. “Viajo à terra yanomami praticamente todos os anos há quatro décadas e estou ligado a Davi Kopenawa por uma longa história de amizade e de lutas compartilhadas.”

Os dois se encontraram pela primeira vez em 1978, em circunstâncias que Bruce considera divertidas. “Minhas relações de amizade com Kopenawa foram se estreitando cada vez mais, no decorrer de minhas longas estadias em sua casa e também como resultado da cumplicidade gerada pelo engajamento compartilhado contra a corrida do ouro, que então devastava as terras yanomami.”

O resultado desse encontro foi um livro, publicado originalmente em francês em 2010, na prestigiosa coleção Terre Humaine. A obra se transformou em best-seller na Europa e acaba de chegar ao Brasil, na edição em português 'A queda do céu: palavras de um xamã yanomami'. Um grande xamã e porta-voz dos yanomamis oferece um relato excepcional, ao mesmo tempo testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e libelo contra a destruição da floresta Amazônica.

Demarcação

O livro é narrado em primeira pessoa por Davi Kopenawa e transcrito para a linguagem escrita por Bruce Albert por meio de gravações feitas pelo líder indígena entre os anos de 1970 e 2000. Nessas gravações, Kopenawa conta a própria trajetória de sobrevivente de duas epidemias (uma de gripe e outra de sarampo) que quase exterminaram sua aldeia após o contato com homem branco, na década de 1950, até se tornar um dos principais nomes na luta pelos direitos dos yanomami, culminando na demarcação de terras da etnia, em 1992.

“A queda do céu é um acontecimento científico incontestável, que levará, suspeito, alguns anos para ser devidamente assimilado pela comunidade antropológica. É um livro rico em lições sobre a incompetência eficaz, a irrelevância maligna, o ufanismo bufão da teoria e prática da governamentalidade ‘nacional’, esse nomos antinômico que estria e devasta simultaneamente um espaço que ele imagina instituir quando é, na verdade, literalmente suportado por ele”, descreve Bruce Albert.

A narrativa de Kopenawa destaca os efeitos das invasões das terras dos yanomamis por garimpeiros – e consequências em termos de epidemias, estupros, assassinatos, envenenamento dos rios, esgotamento da caça, destruição das bases materiais e dos fundamentos morais da economia indígena – que se sucedem com monótona frequência, seguindo oscilações das cotações do ouro, principalmente, no mercado mundial.

Bruce avalia que o sistema do garimpo é semelhante ao narcotráfico, e, em última análise, à tática geopolítica do colonialismo em geral: “O serviço sujo é feito por homens miseráveis, violentos e desesperados, mas quem financia e controla o dispositivo, ficando naturalmente com o lucro, está salvo e confortável bem longe do front, protegido por imunidades as mais diversas.”

A queda do céu: palavras de um xamã yanomami
De Bruce Albert e Davi Kopenawa. Tradução: Beatriz Perrone-Moises. Companhia das Letras, 720 páginas. Preço médio: R$ 69,90

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