Fotógrafa britânica fala de Guimarães Rosa e as influências em seu trabalho

A britânica Maureen Bisilliat, radicada no Brasil desde os anos 1950, relembra seu encontro com os escritor e fala da influência da literatura

por Walter Sebastião 17/08/2015 07:46

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MAUREEN BISILLIAT/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
(foto: MAUREEN BISILLIAT/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES)
Recém-chegada ao Brasil, em 1953, depois de morar em vários países, a inglesa Maureen Bisilliat, filha de pintora e diplomata, com o desejo de criar raízes (algo que não pôde realizar quando criança, pelo fato de haver morado em diversos países), decide viajar por vários lugares. Ganha, então, o livro 'Grande sertão: veredas', de Guimarães Rosa, ainda que o amigo que lhe deu o volume de presente suspeitasse de que ela não entenderia a linguagem própria do autor.

“Mas a gente tem várias maneiras de entender. E eu entendi”, diz a fotógrafa, hoje com 84 anos. Impressionada com o que leu, foi ao encontro do escritor mineiro, que não apenas sugeriu a ela uma viagem pelo sertão, como rabiscou um roteiro. E assim Maureen mergulhou “nas Gerais”, como gosta de dizer. Surgiu dessa perambulação seu primeiro livro, 'A João Guimarães Rosa' (1969).

Maureen Bisilliat/Instituto Moreira Salles
Imagens do ensaio 'A João Guimarães Rosa' (1969), que Maureen Bisilliat realizou em viagem ao sertão mineiro, com roteiro sugerido pelo autor de 'Grande sertão veredas' (foto: Maureen Bisilliat/Instituto Moreira Salles )
Desde então, a fotógrafa esteve várias vezes por aqui. “Conheço Minas Gerais”, afirma. Ela andou inclusive pelo Vale do Jequitinhonha, em busca de arte popular e artesanato para a galeria O Bode, que fundou em São Paulo com o marido. Fez, ainda, mais livros inspirados em autores mineiros, como Carlos Drummond (a partir de texto sobre Alphonsus Guimaraens) e Adélia Prado, além de um ensaio sobre o Rio São Francisco. A Ouro Preto de hoje, que ela conheceu participando do Encontro de Fotógrafos, surpreendeu a fotógrafa: “É raro ver um lugar que, sendo turístico, tem vida atual tão vital”, observa.

A fotografia entrou na vida de Maureen Bisilliat graças à sua insatisfação com o desenho e a pintura. “Quando adolescente, achava muito sedentário ficar sentada diante da tela, pensando no que fazer. Eu precisava de contato mais direto com a ‘realidade’, o que veio com a fotografia e o fotojornalismo”, conta. Ela diz que “enquadrava bem, achava a luz, mas era lenta para captar as técnicas”. O marido, “que era um bom fotógrafo, foi ajudando”. A carreira foi se desenvolvendo a partir de convites que surgiram após o trabalho inspirado em Guimarães Rosa. Entre eles, um do antropólogo Orlando Villas-Boas, que encomendou a ela um trabalho sobre o Xingu. “Foi um trilho que segui sem questionar.”

Dedicando-se ao vídeo há mais de 15 anos e já sem fotografar, Maureen diz que se adaptou bem ao Brasil. “Acho muito interessante a diversidade que se encontra em cada região do país, hoje mais globalizado, mas que continua sendo, na minha opinião, sua grande riqueza.”

Com uma ponta de melancolia, Maureen Bisilliat conta que a maioria de seus livros está fora de catálogo. “Estão nos sebos”, observa, com ironia. O livro mais recente é 'Maureen Bisilliat – Fotografias', editado pelo Instituto Moreira Salles, instituição que também guarda toda a obra dela. São 16 mil imagens. Ela tem livros inspirados em Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Euclides da Cunha, Jorge Amado, além de ter sido admiradora e amiga de Ariano Suassuna, que a transformou em personagem da história Maurina e a lanterna mágica. “Foi uma honra ter tido os escritores como guias”, afirma.

A fotografia ontem e hoje, nas palavras de Maureen Bisilliat, de 84 anos

MINAS GERAIS
A primeira vez que visitei Guimarães Rosa, ele me disse que eu ia compreender as pessoas das Gerais porque elas tinham a ver com minhas origens, pois meu avô era irlandês. E comparou a maneira de pensar e de falar dos irlandeses à dos mineiros. O mineiro tem a sutileza do não dito. Em qualquer obra de arte, gosto da ambiguidade. E o mineiro vai por aí. Nada é preto no branco, isso ou aquilo. O que cria uma coisa muito intrigante, misteriosa.

FOTOGRAFIA
É sensibilidade, intuição. Quando fotografava, considerava regra absoluta que o fotógrafo soubesse estar presente na vida das pessoas, sem estorvar, que ele soubesse também se ausentar. Em segundo lugar, entender que fazer uma foto é cumplicidade. As minhas fotos, especialmente de Minas e do Nordeste, são frontais. As pessoas estão me olhando, têm cumplicidade. Há uma rigidez, que lembra os retratos bizantinos, mas que não tira a humanidade do fotografado. Considero ainda que quem quer fotografar deve ir a festivais, exposições, ver coisas. Não para imitar, mas para se contaminar das energias do mundo, se inspirar, mas sem repetir.

GENTE
O ser humano foi tema recorrente no meu trabalho. E ainda é, nos filmes que faço. A imagem pode ser resultado de processo que dura 10 minutos, mas tem que chegar a respostas essenciais, que captem o espírito da situação ou do modelo de forma sintética. Mas não é uma síntese fria, que reduz a humanidade. Fotografar é como poda de árvore. Se você poda mal, a árvore não cresce mais. Foto, jornalismo, documentário é a mesma coisa. Hoje, na fotografia, temos muitas coisas boas, surpreendentes. O perigoso é o fake, o pretensioso.

ESCRITORES
Foram meus amigos do coração. Admiro a verdade deles, o conhecimento que cada um deles tem do seu povo. Meu interesse pelo convívio com eles talvez tenha vindo de infância múltipla, passada em vários países, o que me fez debruçar sobre a literatura em três, quatro línguas. Minhas fotos carregam a força que os escritores exerceram sobre mim.

PRESENTE
Está crescendo neste momento uma geração de fotógrafos muito interessantes, que dá vontade de conhecer mais e não tem tanta diferença assim do meu tempo. A essência é a mesma: a vontade de compreender o mundo. É até mais do que vontade, é necessidade de se expressar através da fotografia.

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