Ilustradora comenta fenômeno dos livros de colorir

Categoria aqueceu as vendas do setor, mas criticada como um sinal de empobrecimento literário

por 19/07/2015 09:00

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Arte / EM / D.A Press
(foto: Arte / EM / D.A Press)

Fernanda Moraes - Especial para o EM

Quando contei a um amigo que estava ilustrando um livro de colorir destinado a adultos, a pergunta foi: “E adulto, por acaso, colore?”. Respondi que, de alguma forma, estamos, em vários momentos, colorindo. Quando escolhemos comprar a blusa azul e não a amarela, quando escolhemos a cor dos móveis e adornos que irão compor nossos ambientes de acordo com a atmosfera que queremos criar ali e até quando escolhemos a cor do carro que compramos estamos, de certa forma, colorindo. “Isso não vai dar certo”, disse ele, pessimista. “As pessoas não têm tempo, correm o dia todo. E quem tem tempo fica na internet, faz ginástica, viaja – qualquer outra coisa que não colorir!”

Discordei e publiquei o livro 'Feito criança!'. Mil outras perguntas surgiram. Agora, não de um amigo cético em relação à onda editorial. Como editora pequena e com 12 anos de mercado cuidando somente de livros por demanda, não tinha ainda acesso às distribuidoras de livros e nem, tampouco, conhecimento do modus operandi. Assustei-me, confesso, quando descobri que ficam com 50% a 60% do preço de capa dos livros. E querem em consignação! Como fugir de distribuidoras? Será possível? “Talvez sim” é a resposta que tenho para hoje. E é isso que estamos buscando em parcerias entre a editora e outros nichos menos visados por grandes editoras.

Outra necessidade em forma de pergunta se fez: como alcançar a velocidade necessária para esse livro?. A internet tem se confirmado como uma ótima resposta. Vendas on-line editora-público demandam trabalho tête-à-tête, mas funcionam. Percebemos que, com a avalanche de títulos para colorir no mercado, o simples fato de estar na gôndola principal da livraria, mas misturados a outros 70 ou 80 títulos do gênero, não é garantia de sucesso. E a página do livro Feito criança! no Facebook já tem mais de 2 mil seguidores no período.

Identidade

A única clareza que tenho neste momento, com o livro saído do forno há 30 dias, é que fizemos a aposta correta na produção gráfica do 'Feito criança!'. Grande parte dos livros lançados depois dos best-sellers da Johanna Basford, ilustrados à toque de caixa e buscando ter preço de capa menor que o dos dois livros dessa ilustradora, optaram por um formato monotemático, de identidade visual inconsistente e com papel de baixa qualidade.

Antevimos isso e conseguimos, em tempo recorde, produzir um livro que, ao mesmo tempo em que atende à demanda de qualidade do papel por razões óbvias, contempla também uma variedade temática capaz de interessar não só a mulheres (grande público do gênero, até então), mas também aos homens. Já escutei comentários masculinos do tipo: “Ah, esse eu vou gostar de colorir!”. Outro: “Que livro lisérgico!”.

Para todos

Recebi crítica de uma amiga psicóloga que, sem saber que era ilustrado por mim, comprou dois exemplares do livro, um para ela e as filhas e outro para presentear: “Fernanda, o subtítulo do livro – O livro de colorir para adultos – não está adequado, penso eu. Esse não é um livro só para adultos. É um livro para todos. Bati o olho e soube, na hora, que as minhas filhas (8 e 12 anos) também adorariam!”. E, de fato, o elogio mais incrível que um livro de colorir pode receber veio do Martim, de quase 3 anos, filho dos amigos Silvia e Leo: “É o livro mais bonito que já vi!”.

Outras tantas perguntas aparecem a todo momento. Onde estão os outros ilustradores criativos brasileiros, já que grande parte dos títulos disponíveis é ilustrada por estrangeiros? Quem conseguirá surfar nesse tsunami editorial e até onde ele alcançará? Antes, será mesmo somente um fenômeno editorial sem precedentes ou teremos, como há em Paris, livrarias especializadas no gênero? Já vai passar com o lançamento do “50 tons da Bela cozinha dos pais inteligentes”, de Paulo Coelho e abençoado pelo Padre Marcelo? Migraremos para venda on-line de desenhos avulsos? Isso? Aquilo?

E para aqueles que me leram até esse ponto e estão se perguntando o que este artigo faz aqui, no caderno EM Cultura, digo que, não sendo os livros de colorir cultura e, sim, entretenimento ou passatempo, são somente, como se fosse pouco, um meio para o reencontro com a arte inerente e esquecida por muitos, mas necessária em cada um de nós.

Fernanda Moraes é graduada em comunicação social pela PUC Minas, pós-graduada em produção gráfica pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e estudou Styles of Art em Londres.

'FEITO CRIANÇA' – O LIVRO DE COLORIR PARA ADULTOS


Utopika Editorial, 64 páginas, R$ 29,90
www.livrosdecolorir.com.br

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