Obras da Bienal de São Paulo são exibidas em Belo Horizonte

Mostra, no Palácio das Artes, reúne obras ingênuas e deixa sensação de esgotamento criativo de seus artistas

por Walter Sebastião 07/07/2015 08:29

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Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
A obra 'Histórias de aprendizagem', da artista chilena Voluspa Jarpa (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
'Como (…) as coisas que não existem', recorte da 31ª Bienal de São Paulo que ocupa todas as galerias do Palácio das Artes, é simpática. Mas deixa a sensação de apresentar um número reduzido de obras para promover o debate a que se propõe: revelar as estratégias para tornar visíveis coisas, personagens e conteúdos que parecem condenados à inexistência. Procurando equilibrar estética e dimensão social, apresenta-se um conjunto de trabalhos que, em linhas gerais, pontua tensões entre ordem social e linguagem. Com diversas dicções: cômicas, dramáticas, documentais, líricas, de contestação etc.

Como é discutível o que curadores consideram invisível (a olhos brasileiros, o que está proposto nos trabalhos parece já exaustivamente exposto, ainda que de modo questionável), vale ler os textos do catálogo para ver o que eles viram nas obras. Eis: vultos ainda nas sombras, histórias que precisam ser contadas, resíduos de utopias. Com ênfase no excêntrico, no frágil, no insólito, essas obras, segundo o ponto de vista dos curadores, trariam também a promessa de uma outra visão do mundo. A intenção, como indicam os parênteses no título da mostra, é promover uma interação ativa do público com as obras exibidas.

A leitura dos textos ajuda, ainda, a amenizar um “problema” local: muitas mostras de arte contemporânea que chegam a Belo Horizonte, quando confrontadas com o acervo do Instituto Inhotim, parecem modestas. Outro aspecto que chama a atenção: exposições que trazem obras de artistas estrangeiros terminam por ressaltar a qualidade da produção contemporânea brasileira, que trabalha com perícia e argúcia questões que outros países só agora vão descobrindo, como as relações entre arte e política, por exemplo.

A exposição começa com a revista 'É apenas o vértice do mundo interior', da polonesa Asnieszka Piksa, colocada na entrada da Grande Galeria e distribuída gratuitamente. Com recortes, colagens, ilustrações, ficção científica e linguagem de HQ, a artista constrói uma alegoria cômico-filosófica sobre a vida, a morte, o mundo, a arte. Asnieszka alfineta temas como repressão à imigração, pregação da violência via games, estereótipos na representação do outro. Em certo momento, fazendo paródia das causas políticas (?), defende justiça para os aliens, criaturas, justifica a artista, cuja existência nem sequer foi provada, mas que já são vítimas de pregações de ódio.

'Letters to the reader' (cartas ao leitor), de Walid Raad, traz outro momento forte da exposição. São recortes de símbolos e sinais sobre amostras de paredes pré-fabricadas. Somados a um texto ficcional sobre a origem das peças (seriam trabalhos perdidos de uma artista árabe que morou no Brasil), os pedaços criam uma rede de significados ricos, entre eles a indagação sobre o lugar, não apenas físico, da arte moderna e contemporânea. Tocante é o discurso sobre morte e ocultamento dos cadáveres de jovens da periferia no vídeo Apelo, filmado no mesmo lugar onde foram enterrados presos políticos. A obra é assinada pela artista plástica Clara Ianni e pela ativista de direitos humanos Débora Maria da Silva.

PAULO LACERDA/FCS/DIVULGAÇÃO
A obra 'Escaping cactus', da artista turca Nilbar Güres (foto: PAULO LACERDA/FCS/DIVULGAÇÃO)
LIMITE
Contudo, a pulsação forte desses trabalhos se esvai rapidamente. O limite das obras fica patente, por exemplo, em visões superficiais do “tema” escolhido pelo artista, que a mescla de elementos não disfarça. É o caso do vídeo de Ines Doujak e John Barker, que, apesar de ser sonora e visualmente forte, escorrega no exotismo e não consegue articular uma reflexão sobre a relação entre culturas diferentes. O mesmo vale para “mobile” (ou instalação labiríntica, para os curadores) criado pela chilena Voluspa Para com documentação da CIA sobre a ditadura brasileira e dos governos Getúlio Vargas e João Goulart. O trabalho de Para faz lembrar tempos em que, em Minas Gerais, se podiam ver, inclusive nos museus, algemas de escravos usadas como elemento decorativo.

A mineira Marta Neves apresenta o trabalho 'Não ideias'. São faixas de rua narrando momentos que, por falta de uma ideia (e também de coragem), levaram à frustração durante toda a vida. Os textos soam sensacionalistas e superficiais, mas, como tudo que a artista faz, acabam tocando em questões densas. No caso dos trabalhos apresentados na Bienal, Marta Neves crava as unhas, impiedosamente, sobre o machismo. Mas também aloja na mesma peça discussão de gênero, o tema da falta de imaginação e tensões psíquicas trazidas pela vida contemporânea (motivo que ronda as obras, mas sem ganhar formulação explícita).

A superficialidade é tão recorrente nesta 31ª Bienal que deixa a sensação de esgotamento criativo no que se refere ao uso da arte como forma de protesto. Já houve um tempo em que, à falta de mídias que dessem vazão ao protesto, a arte desempenhou esse papel. Mas a situação mudou. As redes sociais e os próprios movimentos passaram a produzir arte a serviço da causa que defendem. Diante do que se vê na internet, a arte “política” das exposições soa acanhada, retórica, deixando a suspeita de ser estetização da política, submetida às regulações institucionais. Esse contexto produz imagens infantis, como a de um cactus fugindo do vaso, realizadas por artistas que têm boas obras, como é o caso da turca Nilbar Güres.

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
O vídeo 'Apelo', das artistas brasileiras Clara Ianni e Débora Maria da Silva (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
ALEGORIA
Nesse contexto, pequenos atos discretos e singelos ganham mais potência “política” do que trabalhos que se voltam para as grandes questões. Um exemplo de poesia tornada alegoria política é 'Vila Maria', de Danica Dakic. Mostra um palhaço, Roger Avanzi, o último representante de cinco gerações de uma família circense, maquiando-se e tirando a maquiagem. Pencas de questões sobre máscaras, apresentadas de forma pedante e mistificadora, caem por terra nesse vídeo, que, com delicadeza, restitui o ser humano atrás da máscara. O mesmo vale para um trabalho, à primeira vista, praticamente alheio à política, como os desenhos da colombiana Johanna Calle, que mostra estruturas se dissolvendo.

Talvez a sensação de perda de potência do discurso “social” se deva também ao momento que impõe, a tudo e a todos, a superexposição como norma. E conteúdos e formas acabam esvaziados de qualquer significado simbólico, estético ou social, tornando-se apenas ícones, quando não clichês. São raros (mas existem) os artistas que conseguem lidar com esta situação. O que se vê, na maioria das vezes, são lugares-comuns (até formalmente) sobre questões importantes. Artistas se tornando cientistas sociais amadores, à medida que trocam enorme conhecimento estético por considerações superficiais sobre economia, sociologia, antropologia etc.

O risco, aqui, é contrapor o “vício” de expurgar o conteúdo político da arte por outro: o expurgo da formulação estética. O melhor da arte contemporânea engendrou uma poderosa síntese poética entre esses dois elementos. Faz falta à Bienal um núcleo histórico, detalhando o enfoque curatorial em contexto ampliado. Esse núcleo poderia contemplar, nem que fosse apenas como provocação, um bom conjunto de obras de Paul Klee. Ajudaria a compreender melhor o visível e o invisível, o dito e o interdito, o que existe e o que não existe, as relações entre sociedade e arte.

31ª Bienal de São Paulo – Obras Selecionadas
No Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Até 9/8. Entrada franca.

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