Bisneta de Alphonsus de Guimaraens apresenta obra do poeta simbolista mineiro

Peça do grupo Lume chega em julho a Ouro Preto e Mariana, onde ele viveu

por Ana Clara Brant 21/06/2015 00:13

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Ivson Miranda/divulgação
O espetáculo criado e estrelado por Raquel Scotti Hirson busca conectar Alphonsus de Guimaraens com o mundo contemporâneo (foto: Ivson Miranda/divulgação)
A brasiliense Raquel Scotti Hirson não chegou a conhecer o bisavô, o escritor, jurista e poeta simbolista mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), pois nasceu 50 anos depois de sua morte. No entanto, a atriz, que integra um dos grupos teatrais mais respeitados do país, o Lume – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp, de Campinas (SP), sempre ouviu histórias em casa sobre o parente famoso. Sobretudo os causos contados pela avó, Altair Stela, filha de Alphonsus.

Há tempos Raquel acalentava o desejo de falar da família e do bisavô. Acabou achando uma forma de se “encontrar” artisticamente com ele. Na peça Alphonsus, seu primeiro papel solo, a atriz buscou na infância e nos parentes laços que lhe permitissem descobrir conexões da poesia, vida e criação do antepassado com sua própria fantasia. O espetáculo transforma a memória em ficção. Apesar de ter estreado no fim de 2013, Raquel Scotti Hirson o encenou poucas vezes. Uma delas há poucos dias, na comemoração dos 30 anos do Lume organizada pelo Itaú Cultural, na capital paulista.

“É um espetáculo bem novo, não é uma produção madura. Ele ainda está criando corpo. Para mim, é muito importante apresentá-lo para um público mais aberto e variado, como o de São Paulo, porque não tenho a menor ideia de como vão me receber. E isso é bem interessante. Temos encenado a peça em muitos festivais ou para quem já conhece o trabalho do Lume, mas o retorno é outro”, comenta.

TERRA NATAL

A grande expectativa, porém, é como Minas Gerais vai receber Alphonsus. Em 13 de julho, o espetáculo chega à terra da família Guimaraens, onde reside a maioria do clã. Em 13 de julho, a peça será uma das atrações do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes. No fim de agosto, será a vez de Belo Horizonte, com sessões no Sesc Palladium. “Dá muito frio na barriga. Tirando os meus pais, minha irmã e uma prima que mora em Curitiba, ninguém da família assistiu ainda. E eles foram fundamentais, porque me ajudaram muito a pesquisar documentos, entrevistas e fotos”, informa.

Dirigida por Ana Cristina Colla, a peça é resultado do doutorado de Raquel na Unicamp. A tese Alphonsus de Guimaraens: Reconstruções da memória e recriações no corpo engloba memória e atuação como alimento para uma escrita que possa adentrar em um campo de sensações. Embora não possa traduzir, ela pelo menos toca em pontos semelhantes ao da efemeridade da experiência cênica. “O texto é resultado da maneira que encontrei de exprimir as recriações, experimentadas no corpo, das memórias pessoais que me conectam a meu bisavô. A tese escrita é um exercício de criação tanto quanto é a prática em sala de trabalho. Pela poesia, cheguei ao homem e à curiosidade de saber quem foi essa figura capaz de poetar em meio à monotonia de seus longos dias provincianos”, revela.

Para construir o espetáculo, Raquel Scotti lançou mão da metodologia utilizada pelos atores do Lume: a mimese (imitação, em grego) corpórea, que coleta material físico/vocal orgânico por meio da observação, codificação e teatralização de ações físicas e vocais de pessoas, animais, fotos e quadros encontrados no universo cotidiano e/ou pessoal do ator. “Uni o doutorado com a vontade de resgate do meu antepassado. Ao longo do processo, interessei-me muito mais pelo Alphonsus do que pela poesia em si. Fui tentar entender quem era esse homem, qual era sua trajetória, as histórias que me conectavam a ele. Acabou ficando muito mais um trabalho da memória. Logicamente, aliado a um trabalho de dança da palavra, que chamei de mimese da palavra”, explica.

A atriz pesquisou, sobretudo, a correspondência do bisavô, além de biografias dele escritas por dois de seus filhos, os escritores João Alphonsus e Alphonsus de Guimaraens Filho. Entre os aspectos que levou para o teatro, estão a solidão do poeta, sua vida boêmia, a timidez – promotor de Justiça e juiz, ele não gostava de falar em público – e a angústia do cotidiano, pois considerava seu trabalho pouco prazeroso. Na verdade, o mineiro queria viver de literatura.

“Acho que cumpri meu objetivo de fazer o resgate e a reconstrução da memória. Ao mesmo tempo, o espetáculo é uma forma de divulgar o Alphonsus. A grande maioria das pessoas que assistem à peça nunca ouviu falar ou se lembra muito pouco dele. O espetáculo, certamente, cumpre esse papel”, ressalta.

. A repórter viajou a convite do Itaú Cultural


ISMÁLIA

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

. De Alphonsus de Guimaraens


Cia. Lume

Criado em 1985 pelo pesquisador Luís Otávio Burnier em parceria com o ator Carlos Simioni, o Lume Teatro se tornou referência mundial em pesquisas na arte do ator. Na década de 1980, Ricardo Puccetti entrou para o grupo, que, depois da morte de Burnier, em 1995, recebeu também os atores-pesquisadores Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini. Anos mais tarde, com a chegada da inglesa Naomi Silman, o grupo completou o núcleo de sete atores-pesquisadores que o integram até hoje. Ao longo de 30 anos, a premiada companhia se apresentou em 27 países.

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Namorado da morte

Alphonsus de Guimaraens (foto) é o pseudônimo do poeta, escritor e jurista Afonso Henrique da Costa Guimarães, que nasceu em Ouro Preto, em 1870, e morreu em Mariana, em 1921. Sua poesia é marcadamente mística, influenciada pela religiosidade católica. Os sonetos apresentam estrutura clássica, abordando o sentido da morte, o amor impossível, a solidão e a inadaptação ao mundo. A obra, predominantemente poética, consagrou o mineiro como um dos principais simbolistas do Brasil. Ismália é um de seus poemas mais conhecidos. Aos 17 anos, Alphonsus se apaixonou pela prima Constança, filha do escritor Bernardo Guimarães, seu tio-avô, autor de A escrava Isaura. Com a morte prematura dela, em 1888, o poeta se entregou à boemia. Mais tarde, casou-se com Zenaide de Oliveira, com quem teve 15 filhos. Devido ao período em que viveu em Mariana, o poeta ficou conhecido como “O solitário de Mariana”, apesar da família numerosa. O apelido se deve ao isolamento em que Alphonsus viveu, dedicado basicamente às atividades
de juiz e escritor.

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