Cultura perde 33% de seu orçamento; pasta perde ao menos R$ 1 bi com corte em 2015

Ministério ainda não revelou que projetos serão atingidos e nega que haverá redução no PAC das Cidades Históricas

por Carolina Braga 30/05/2015 14:00

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Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
Rua Dom Pedro II, em Sabará, uma das cidades históricas mineiras que teve projeto de recuperação, restauração e qualificação de conjuntos urbanos incluído no PAC (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)

A dúvida do momento é quem terá que cortar mais na carne. O fato é, se o orçamento do Ministério da Cultura (MinC) já era pífio, agora terá verba semelhante à da Secretaria de Portos (R$ 818 milhões). O contingenciamento anunciado pelo governo federal significou um corte de 33% no total dos recursos previstos no orçamento da pasta para 2015.

Em moeda, isso significa um corte de R$ 466 milhões. Se o valor previsto pela Lei Orçamentária Anual (LOA) era de R$ 1,39 bilhão, com a revisão para o segundo semestre de 2015 caiu para R$ 927 milhões. A distribuição dos cortes ainda é mistério. Procurado desde a última quarta-feira pela reportagem,  o MinC não se pronunciou até a conclusão desta edição.

De acordo com o jornal O Globo, os investimentos do PAC das Cidades Históricas cairão de R$ 170 milhões para R$ 115 milhões. O Iphan, responsável pela gestão do projeto, nega. “O recurso disponibilizado para o programa em 2015 é suficiente para continuidade das contratações das ações selecionadas, bem como para a execução das obras já contratadas – sem diminuição do ritmo programado”, afirmou o órgão, via assessoria de comunicação, quando procurado pelo Estado de Minas.

O inevitável cenário de crise abre espaço para se discutir o futuro. É notório que o MinC vem sofrendo cortes sucessivos, ano após ano. Também é sabido que mecanismos auxiliares, como as leis de incentivo à cultura, demonstram não ter fôlego para sustentar as políticas necessárias para o fomento da cultura brasileira. E agora?

“Acho que, do ponto de vista do setor cultural, a discussão que importa não é sobre a Lei Rouanet nem sobre um Plano Nacional para a Cultura. O que importa é: cadê o orçamento?. Sem isso não se faz política pública, não se faz nada”, afirma o jornalista e consultor Sérgio Sá Leitão. Para ele, está claro que, no contexto de crise, não é momento para grandes planos. É hora de ser resiliente e criativo.

O problema, na opinião de outros observadores, é que o Brasil tem demonstrado dificuldade em olhar para a cultura a partir do prisma da economia criativa. “Toda produção cultural tem uma dimensão econômica. Lidar com isso não é nenhum pecado. Ao contrário, pode ser uma maneira inteligente de buscar autonomia”, propõe Sá Leitão.

Entre 2011 e 2014, a professora Cláudia Leitão, da Universidade Estadual do Ceará, esteve à frente da então recém-criada Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura. A avaliação que faz é de que a própria pasta tem dificuldade em discutir as dinâmicas econômicas dos bens culturais. Essa mudança é urgente.

CONTRAMÃO Vizinhos latino-americanos, como Chile e Colômbia, e outros mais longínquo, como a África, são alguns que têm investido na organização dos setores da economia criativa. “No Brasil, isso parou. Acho uma contramão na história. Quando a gente não trata dessas questões, elas se tratam sozinhas e ganha o mais forte”, aponta Cláudia.

Na avaliação de Cláudia Leitão, faltam políticas públicas estruturantes e uma revisão dos conceitos de desenvolvimento. Nesse sentido, áreas como educação, ciência e tecnologia e cultura deveriam ser percebidas como estratégicas. “Para a gente sair de um modelo de desenvolvimento de hardware e partir para software. Se não for assim, vamos continuar torcendo para que a China cresça e consuma nosso minério”, afirma.

A pesquisadora acredita que a competitividade internacional no século 21 estará com quem conseguir produzir bens com alto valor agregado. “Por que o governo só tira imposto de carro e geladeira? O carro é um bem totalmente apoiado pela visão industrial brasileira. Por que um fotógrafo não é desonerado, um cineasta, quem desenvolve um game? Por que não temos na Caixa Econômica uma linha de crédito para trabalhar as artesanias braisileiras? Os bancos tratam os setores criativos e culturais brasileiros com total distanciamento”, avalia.

Para Thiago Alvim, professor e diretor da Nexo Investimento Social, é urgente que o financiamento da cultura se diversifique. É preciso buscar parcerias em outras áreas. São possíveis diálogos com pastas como Educação, Turismo, Ciência e Tecnologia, e muitas outras.

Alvim também defende uma discussão da cultura como negócio social. “Pensar alternativas sustentáveis que não dependam sempre só de fomento”, afirma. Thiago não acredita que modelos como o dos financiamentos coletivos – os cada vez mais populares crowdfunding – sejam a salvação. “É um caminho, mas limitado a pequenos projetos”, afirma.


Reprodução/ Catarse
Projeto Mala, que reuniu R$ 603 mil, via página colaborativa (foto: Reprodução/ Catarse )


Alternativa à lei, financiamento coletivo se expande no Brasil


“O Brasil tem uma grande produção criativa. As maiores barreiras ao avanço do financiamento coletivo hoje são culturais”, afirma Anthony Ravoni, remixador de informações da Catarse.me. Pioneira no crowdfunding no Brasil, a plataforma entrou no ar em 2010 e, em seus quatro primeiros anos, arrecadou mais de R$ 25 milhões.

Mesmo que 90% dos projetos tenham metas menores do que R$ 30 mil, Ravoni acredita que isso se deva ao perfil dos usuários. “Projetos de pequenos orçamentos não costumam ser contemplados por editais”, diz. Ao todo, mais de 1,7 mil projetos já foram financiados por meio do Catarse. Das 238 campanhas atualmente no ar, 200 são da área de cultura. “Se você tem uma rede de contatos forte o suficiente e fizer um bom planejamento de campanha, conseguirá alcançar sua meta, por mais alta que seja”, diz ele.

Nos Estados Unidos, usando a plataforma Kickstarter, o cineasta Spike Lee conseguiu US$ 1,4 milhão para fazer o projeto batizado The Newest Hottest Spike Lee Joint. Até hoje, o maior recorde do Catarse é o projeto Mola, do arquiteto Márcio Sequeira, com R$ 603 mil arrecadados, a partir da doação de 1.583 usuários.

O curioso é que se trata de um jogo de molas que simula o comportamento de estruturas reais. É uma maneira experimental de estudar o comportamento das estruturas arquitetônicas.

“Pode ser que o financiamento coletivo dê conta, mas acho que é um processo de amadurecimento desse novo modelo. A economia colaborativa está chegando agora ao Brasil e isso tem muito a se desenvolver”, afirma Ana Alyce Ly, da Variável 5. Com sede em Belo Horizonte, a plataforma mineira é a única no país dedicada exclusivamente a temas culturais.

Neste primeiro semestre, a procura triplicou. No ano passado, as 21 campanhas bem-sucedidas somaram R$ 236 mil. Isso significa 52% do montante total disponibilizado pelo Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais para 2015. “As pessoas não vão deixar de produzir. Vão buscar novos caminhos”, acrescenta.

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