Poços de Caldas, no Sul de MG, é a cidade onde mais pessoas leem no estado

Moradores lêem 4,34 livros ou parte de obras a cada três meses. Festival, feira e o próprio clima do local incentivam o hábito

por Landercy Hemerson 10/05/2015 07:00

Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Michelly Renne com o filho Pedro e Lidiane Araújo, com Sabrina: elas apreciam um bom livro, o que acaba influenciando os filhos (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)


Poços de Caldas –
Aquelas cenas cinematográficas de pessoas sentadas em bancos de praças com belos jardins, prédios antigos grandes e bem cuidados ao fundo, lendo um livro, é uma realidade constante em Poços de Caldas, no Sul mineiro, cidade que apresenta os melhores índices de leitura de Minas Gerais. Pelo menos é o que indica a pesquisa “Índices e Práticas de Leitura dos Mineiros”, realizada pela Câmara Mineira do Livro (CML) entre 2013 e 2014. O estudo, que colheu amostras estratificadas e representativas da capital e de mais oito municípios polos do estado,  apontou que 92% dos poços-caldenses entrevistados gostam de ler. E os dados destacam ainda que foi a cidade que apresentou o menor número de pessoas que leem por obrigação: 81,46% afirmaram que leem por prazer.

Os leitores poços-caldenses, de acordo com o levantamento, leem em média 4,34 livros. No Brasil, a média é de 1,85, e em Minas Gerais, de 1,62 livro. O que significa dizer que, em Poços, um cidadão lê o dobro do que outros no país, e três vezes mais do que na média estadual. Segundo a definição metodológica da pesquisa, a média de leitura da população refere-se à soma de livros inteiros e partes das obras lidas nos últimos três meses. “Há outro dado que confirma a vocação leitora da cidade: a pesquisa revela que em Minas apenas 7,38% pessoas afirmam que leem em bibliotecas. Já o percentual dos que gostam de ler nesses espaços, em Poços de Caldas, supera os 10%. Ao lado de Uberlândia, Poços é o município com percentual mais alto referente à ausência de dificuldades para a leitura, com o índice de 43,64%”, explica a escritora Rosana de Mont’ Alverne, presidente da Câmara Mineira do Livro.

Para ela, os bons índices de leitura na cidade não foram alcançados ao acaso. “Acredito que diversos fatores contribuíram para a formação dessa cultura. O setor de educação de Poços de Caldas foi o que mais cresceu em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos últimos 10 anos em Minas Gerais. O município, que tem uma população de cerca de 160 mil pessoas, conta com rede escolar de 94 escolas públicas e particulares, sendo que 52 têm bibliotecas escolares. Há também três bibliotecas públicas municipais, três universidades públicas e cerca de seis particulares”, pontua Rosana. A escritora ainda destaca a importância do Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços) e a Feira Nacional do Livro, realizada entre 25 de abril e 3 de maio na cidade. “Talvez, o absoluto sucesso da feira e do Flipoços, já em seu décimo ano, nos deem a certeza do trabalho sério e bem planejado que vem sendo realizado em diversas esferas. Outros municípios mineiros podem e devem seguir o exemplo de Poços”, avalia.

A empresária Gisele Corrêa Ferreira, idealizadora e produtora do festival e da feira, eventos que vêm sendo realizados desde 2006 consecutivamente, diz estar cultivando suas sementes em terra fértil. “A cidade sempre foi muito literária, desde sua fundação, em 1872. É um município que tem apelos literário e histórico muito fortes. As águas termais sempre foram o carro-chefe nessa questão da literatura. Tanto que elas se convergem e têm uma extrema simbiose. A partir das águas termais, tivemos muitos escritores aqui que foram reconhecidos mundialmente pela literatura científica”, destaca.

Paulo Filgueiras / EM / D.A Press
A empresária Gisele Corrêa Ferreira, idealizadora e produtora do Flipoços e da Feira de Livro, acredita estar semeando em terra fértil (foto: Paulo Filgueiras / EM / D.A Press)

Ambiente favorável

Outro aspecto que Gisele aponta como positivo é o próprio ambiente e as condições climáticas da cidade. “Poços tem toda uma característica boa para isso. Tem belos parques, clima ameno, fresco, que combina com livro, com tomar um café, um chocolate quente, um vinho, comer um queijo, cobrir-se com uma manta, acender um abajur e pegar o livro. Então, acho que, estimulados pelo Flipoços e pela feira, isso acabou sendo aflorado de uma forma muito evidente na população, nas pessoas que visitam a cidade e no celeiro de escritores que temos por aqui, estimulando toda uma cadeia produtiva, do livro, da leitura, da literatura, da questão mesmo de coisa gostosa que só o livro é capaz de proporcionar”, acrescenta.

O prefeito do município, Eloísio do Carmo Lourenço, lembra que não é apenas a leitura que se destaca. “Na verdade, Poços de Caldas tem uma atividade cultural muito forte. Quando se avalia o número de projetos aprovados na Lei de Incentivo à Cultura, Poços é uma cidade que também encabeça em Minas, em todos os sentidos. Como canto, música clássica, dança, enfim, uma série de manifestações culturais. E isso traz uma situação que nos conduz, dentro desse processo cultural, à questão da educação e da leitura.” De acordo com Eloísio, as perspectivas são melhores para os próximos anos. “Poços hoje conta com três bibliotecas públicas divulgando e emprestando livros. Participamos de um edital do governo para a instalação de uma outra unidade e, em breve, teremos esse quarto espaço. Por iniciativa da Câmara Municipal, está em andamento o processo de instalação de mais uma biblioteca”, comemora o prefeito. Um dos critérios que levaram à escolha de Poços neste edital do governo estadual foi o ineditismo do projeto – a transformação de um banheiro público, que estava obsoleto, em mais uma biblioteca para os moradores da cidade, que já apresenta índices elevados de biblioteca por habitante.

Praças são aconchegantes

Em uma rápida volta pelas praças centrais de Poços de Caldas constata-se que a pesquisa da Câmara Mineira do Livro tem fundamento. Em bancos ou gramados dos jardins, são comuns os leitores poços-caldenses dos mais variados gostos. A professora Michelly Rennê, de 38 anos, conta que gosta de ler livros científicos. “Venho para a praça passear com meu filho, Pedro Miguel, de 3, e leio para ele. A leitura forma o cidadão, lhe dá senso crítico”, diz. Mesmo tendo se mudado para uma cidade vizinha, a secretária Lidiane Bertozzi, de 32, nascida em Poços, não perdeu o hábito da leitura. “Gosto de romances. Quando venho visitar meus parentes, acabo me sentando na praça para ler”, conta a secretária, que com a filha, Sabrina, de 5, folheava um livro recém-comprado.

O bom clima cultural de Poços de Caldas é contagiante, como garante o engenheiro Fábio Porciano de Deus, de 29, que se mudou para cidade para fazer mestrado. “O ambiente de Poços é gostoso e favorece a leitura. Aqui há um turismo cultural que atrai os moradores e visitantes.” Opinião semelhante tem a estudante paulista Nicole Almeida Gonçalves, de 11. “Gosto muito de livros e não consegui chegar em casa para ler. Não resisti”, disse a menina, que logo abriu um livro que ganhou de seus pais durante o Flipoços, na semana passada.

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Grupo Sarau de Ninguém declama poemas em praça no Centro da Cidade, atraindo não apenas moradores, mas também os turistas (foto: Paulo Filgueiras / EM / D.A Press)


SARAU


E o gosto pela leitura dos poços-caldenses tem sido um convite para os amantes dos livros. O poeta Tokinho Carvalho, de 27, e a professora Marília Rossi, de 26, são integrantes do grupo Sarau de Ninguém, que mantém contato pela internet com leitores de outros estados e, quando podem, se encontram. Em Poços, já foram dois encontros do grupo. “Há sempre uma fome de cultura. E as ações culturais de uma forma mais frequente trazem várias pessoas para a literatura”, justifica Tokinho. “Essa fome é em todo o mundo. O sarau sacia essa vontade de comer”, completa Marília. A professora paulista Michele Santos, de 34, gostou dos resultados das performances do grupo na cidade mineira. “Aqui tem toda uma efervescência cultural. Percebe-se no olhar das pessoas que param para ouvir a declamação de um poema ou mesmo passam e olham rapidamente. Qualquer ato que provém da literatura vale a pena ser valorizado.”

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