Francisco Bosco lança em BH o livro 'Orfeu de bicicleta - Um pai no século XXI'

Escritor, atual presidente da Funarte e pai de Lourenço, de 1 ano, e Iolanda, de 2, Bosco diz que filhos 'são o melhor remédio já inventado contra a angústia'

por Ailton Magioli 29/04/2015 08:20

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Bruno Veiga/Divulgação
O escritor Francisco Bosco, que autografa seu novo livro, a respeito da paternidade, hoje em Belo Horizonte (foto: Bruno Veiga/Divulgação)
O escritor e doutor em teoria da literatura Francisco Bosco, de 38 anos, diz ter escrito 'Orfeu de bicicleta – Um pai no século XXI' (Editora Foz), que ele lança nesta quarta-feira à noite, em Belo Horizonte, “para revelar os múltiplos sentidos presentes nas múltiplas situações cotidianas da paternidade”. Revelar aos leitores e também a ele mesmo, observa.

“É um livro para pais e mães se identificarem e problematizarem sua experiência”, diz o pai de Lourenço, de 1 ano, e de Iolanda, de 2. Embora o volume contenha, segundo reconhece o poeta, letrista e escritor, “um engajamento no processo de desnaturalização dos gêneros e uma problematização de conceitos fundamentais da psicanálise”.

Francisco Bosco é o convidado de hoje do projeto Sempre um Papo, no qual vai autografar e debater o livro em que trata da própria experiência de ser pai, revelando espantos, insights, indecisões e contradições ao exercer esse papel no mundo atual.
Na primeira parte de 'Orfeu de bicicleta', o filho do cantor João Bosco e da artista plástica Angela Bosco faz um breve estudo sobre as transformações do papel social da criança, da Idade Média aos tempos atuais. O livro é, na verdade, um ensaio filosófico com o relato pessoal, sensível, bem-humorado e autobiográfico sobre a paternidade no Brasil contemporâneo.
Recém-empossado como presidente da Fundação Nacional de Arte (Funarte), o escritor diz estar vivendo uma experiência muito estimulante e cansativa, ao mesmo tempo, na gestão pública. “Estou lidando com duas temporalidades distintas, uma de curto, outra de médio/longo prazos. Essa última envolve o processo de construção de uma Política Nacional das Artes, cujo lançamento oficial (do processo, claro, não de seus resultados) será em meados de maio”, diz.

Há apenas dois meses à frente do órgão, ele diz já ter certas diretrizes fundamentais. “Por um lado, é preciso se alinhar à perspectiva do ministro Juca Ferreira, que não é menos do que realizar a tarefa do aprofundamento da democracia brasileira por meio da cultura. Assim, é preciso cada vez incluir mais atores sociais tradicionalmente desfavorecidos. Por outro lado, é preciso fortalecer a arte lá onde ela é irredutível à cultura, e até se opõe a ela: a arte como exceção, como experiência avançada dos sentidos e afetos da sociedade e das subjetividades”. Casado com a também escritora e roteirista Antonia Pellegrino, ele tem publicados Banalogias, E livre seja esse infortúnio, Dorival Caymmi, Da amizade e Alta ajuda. Pai estreante aos 35 anos, Francisco diz “que durante a gravidez investe-se emocionalmente no serzinho por vir, mas é somente quando ele nasce que a vida de um pai muda de maneira drástica (digo: de um pai não tradicional)”. Entre tantas mudanças experimentadas com a paternidade, ele destaca “a substituição do tédio pelo cansaço, a perda radical da autonomia e, ao contrário do que isso sugere, um ganho de liberdade (pois não é mais livre quem tem mais escolhas, e sim quem mais vive de acordo com a escolha)”.

Sobre a decisão de recorrer ao mito de Orfeu para dar título ao seu livro, ele cita a autora americana Jennifer Senior, para a qual os afetos costumam escapar às análises das ciências sociais. “Há muitos livros contemporâneos sobre pais e mães em que certas variáveis despontam (perda da autonomia, desgaste do casamento, cansaço físico, falta de dinheiro), enquanto a dimensão do amor, do sentido, por ser difusa, dificilmente falável, não é bem identificada. E, no entanto, essa dimensão é a matéria de fundo da experiência parental. Vem daí a alusão a Orfeu: há um amor o tempo todo presente, mas é difícil falar dele, olhar nos seus olhos e descrevê-lo, em parte porque ele se basta.”

Orfeu de bicicleta – Um pai no século XXI
Lançamento do livro de Francisco Bosco, com sessão de autógrafos e debate. Hoje, 19h30, no Museu de Minas e do Metal (Prédio Rosa), na Praça da Liberdade, s/nº. Mais informações: (31) 3261-1501 e www.sempreumpapo.com.br.

CINCO perguntas para...
FRANCISCO BOSCO
Autor de 'Orfeu de bicicleta – Um pai no século XXI'

Se ser mãe, como diz o dito popular, é padecer no paraíso, o que será ser pai?
Bem, brincando com uma frase de Lacan, pode-se dizer que “a mãe não existe”, assim como “o pai não existe”. Existem pais e mães, sempre na singularidade das culturas em que estão inscritos. O ditado acima emerge na nossa cultura de supervalorização da infância, onde, como disse uma socióloga americana, a criança é economicamente inútil, mas emocionalmente inestimável. Assim, o sentido que dão à vida é a parte do paraíso, mas o prejuízo múltiplo (de tempo, de energia, de autonomia, de dinheiro) é a parte do padecimento. Essa ambivalência marca cada vez mais a experiência dos pais, tanto quanto das mães.

O que diferencia um pai de hoje do de ontem?
As mudanças têm sido progressivas, mas seu sentido é nítido: a mãe não tem mais a primazia absoluta do amor e das responsabilidades. É preciso observar que essa primazia é em boa medida um mecanismo de dominação masculina (confinar a mulher no espaço doméstico e fazê-la arcar sozinha com a perda da autonomia). Um pai contemporâneo – entendendo-se por contemporâneo aquilo que não havia em épocas anteriores – se coloca como sujeito principal de referência para seus filhos pequenos, num registro mais igualitário com a mãe.

Num momento em que a questão de gênero ganha destaque na sociedade, como a paternidade vem sendo encarada pelas novas gerações?
Num mundo de competitividade encarniçada, onde políticas de bem-estar social são cada vez mais desmanteladas, não é pouca coisa para um futuro pai se ver desobrigado do papel de provedor exclusivo. Por outro lado, isso o obriga a dividir as responsabilidades domésticas dos filhos com a mãe. Outra ambivalência é essa: a cultura apregoa a efemeridade, as sensações, o gozo, enquanto filhos são o oposto disso (são o compromisso, os sentimentos, a alegria). Por outro lado, o preço dessa cultura é um vazio de fundo que sempre ameaça vir à tona em forma de angústia – e filhos são o maior remédio já inventado contra a angústia.

Até que ponto ser filho de dois pais ou de duas mães contribui para fazer da figura do pai algo especial ou diferente?
Essa é uma excelente pergunta. Toda a imagem cultural do pai e da mãe, inclusive as teorias psicanalíticas “clássicas” (Freud, Lacan, Dolto, Winnicott), é fundada na relação heterossexual. O que é um pai sem o oposto simétrico da mãe? Parece-me, por exemplo, que o pai será cada vez mais esvaziado, não da autoridade, mas do autoritarismo tradicional (o pai arquetípico de Kafka); bem como a mãe o será do campo semântico do acolher, cuidar, aceitar, ficar (a mãe arquetípica de Barthes).

Sente diferença entre ser pai de uma menina e de um menino? Como lida com essa diferença, caso ela exista?
Sim. É curioso: falo muito de desconstrução dos gêneros, mas em casa a coisa se revela bastante tradicional. Meu filho é ativo, independente, físico; minha filha é meiga, contemplativa, “feminina”. Gêneros são uma força que se impõe “naturalmente”.

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