Domingos Montagner e Luiz Carlos Vasconcelos falam das lições que o circo ensina ao teatro, TV e cinema

Dupla concilia a carreira nos palcos e telas com o picadeiro

por Carolina Braga 01/12/2014 07:30
Jair Amaral/EM/D.A Press
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Na chuvosa tarde de sábado, o atraso era inevitável, mas a tensão da agenda apertada foi logo para o beleléu. Bastou Domingos Montagner apontar nos corredores do Cine Theatro Brasil Vallourec para Luiz Carlos Vasconcelos começar a brincar. E assim foi durante mais de 40 minutos de conversa em plena Praça Sete, no Centro de BH. Performances dos palhaços Xuxu e Agenor, convidados do Festival Mundial de Circo? Sim, elas rolaram o tempo inteiro, ainda que sutilmente.


Carreira em expansão na TV e no cinema é caso raro quando se trata de atores que estrearam com nariz vermelho e insistem em não abandonar picadeiros montados em palcos e ruas. Tanto para Luiz Carlos Vasconcelos, que criou o seu Xuxu em 1978, quanto para Domingos, que desde 1989 convive com Agenor – o eterno parceiro de Padoca (Fernando Sampaio) no grupo La Mínima –, explorar outras mídias é chance de exercitar o ofício. Há, claro, boa parcela de desafio nisso.

Ex-aluno da atriz paulistana Myriam Muniz, referência na história do teatro brasileiro, Domingos Montagner guarda com carinho um ensinamento dela e o compartilha com o colega. “Myriam tinha respeito pela comédia de maneira bastante sublime. Dizia: para você entender comédia, tem que fazer a tragédia antes”, recorda. No caso dele, a chance de provar o que há muito não experimentava o fez aceitar o convite para viver personagens na TV.

Em 2010, Montagner participou das séries 'Força-tarefa' e 'A cura' (TV Globo). Mas foi a partir do capitão Herculano Araújo, personagem da novela 'Cordel encantado' (2011), que ele passou a ser figura constante na telinha. O protagonista de 'Sete vidas', a próxima novela das 18h, será o nono papel do ator paulista na emissora.

No caso de Luiz Carlos Vasconcelos, a experiência no cinema veio primeiro – e bateu forte. Com o Lampião de 'Baile perfumado' (1997), filme dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, o paraibano sentiu que adentrava em terreno desconhecido. “Vivi todo aquele processo com torcicolo. Somatizava tudo”, conta Vasconcelos. Pela primeira vez, ele ficou em dúvida: a experiência com a arte da palhaçaria ajudaria a nova empreitada? “Como o personagem tinha umas tiradas engraçadas, comecei a perceber que estava sendo o Xuxu. Você não tem ideia do meu sofrimento.” Foi apenas somatização de iniciante. Depois disso, ele participou de 14 filmes.

VOCABULÁRIO Mesmo com estradas diferentes, Domingos Montagner e Luiz Carlos Vasconcelos concordam: o fato de viver palhaços simultaneamente a outros projetos amplia o vocabulário cênico. Os colegas reverenciam essa experiência. “Eles não conhecem muitas pessoas que, ao mesmo tempo, trabalham como ator e com a linguagem do palhaço. Essa curiosidade é dotada de reverência, há uma fascinação”, conta Domingos. “Palhaço não se representa, é diferente do personagem. Essa química é mais apurada”, completa Luiz Carlos.

Tal química não é fácil, pois há o risco de misturar as coisas. O aprendizado se dá dia após dia. “Para o palhaço funcionar, ele precisa estar muito atrelado à verdade, como qualquer artista cênico. Tem que ser sincero”, adverte Vasconcelos.

Enquanto a dupla fala da arte do palhaço e de seus diferentes personagens dramáticos na TV e no cinema, fica claro o que os dois pensam sobre limites e possibilidades dessa multiplicidade de papéis. “Tudo o que a gente faz acumula informação. É como ter um arquivo que te instrumentaliza para diversas situações. Esse próprio arquivo cria novas conexões”, explica Domingos.

Para o fundador do grupo La Mínima, o mais complicado foi entender especificidades das novas experiências. No teatro, o ator atua para uma plateia; na televisão, primeiramente ele atua para a câmera, que o conecta com as pessoas. Além disso, há a drástica transformação do contato com o público. Administrar – e mesmo entender – o fascínio que a TV cria no espectador leva um tempo.

É com distanciamento e embasamento que Domingos Montagner encara o posto de galã. Para entender esse papel, o ator-palhaço mergulha na história do circo-teatro e na estrutura do melodrama. Tipos são construídos: se há o baixo cômico, também tem o galã. “Sempre vejo esse personagem na função dramática, não na capa de revista. São figuras que verticalizam as tramas, carregam a responsabilidade de contar a história. Assumo-o dentro da função dramática. Saiu dali, procuro não pensar e nem fomentar isso. Cultivar esse papel (de galã) é uma derrota pra gente”, defende.

Luiz Carlos Vasconcelos garante: ser rosto conhecido da TV num país como o Brasil demanda muita maturidade. “Se você está metido numa situação dessas, tem que ter muito claro que não é melhor nem pior do que ninguém. Lidar com fama e sucesso talvez represente uma das coisas mais difíceis para o ser humano”, acredita.

Luiz e Domingos estrearam na TV mais maduros, o que consideram uma sorte. “Se isso tivesse ocorrido lá na juventude, passaria os pés pelas mãos. Não teria estrutura para administrar”, reconhece Luiz Carlos Vasconcelos.


DE LUIZ PARA DOMINGOS
Lembro-me de meu maravilhamento quando vi o La Mínima pela primeira vez. Quando cheguei a BH, vi a sua foto e a do Fernando Sampaio em Mistero Buffo, fiquei pensando na parceria de vocês. Como é ela?
É meio familiar. Somos muito próximos do circo tradicional, uma das coisas que nos dão bastante prazer é ver que eles têm admiração por nosso trabalho e citam muito isso. Dizem que é raridade uma dupla de palhaços que não seja família. Tanto eu quanto o Fernando nunca quisemos fazer a linha em que você trabalha, do palhaço solista. Não sei fazer assim. Lá na escola de circo, nos anos 1980, a gente se propôs a isso. Criamos cumplicidade e a fomos desenvolvendo. São 25 anos fazendo rua, palco. Tudo o que a gente monta para o La Mínima é sempre em função da dupla.


DE DOMINGOS PARA LUIZ
Você tem vontade de pôr o Xuxu para trabalhar com outros palhaços?
Estou vivendo um momento muito especial. Fiz um espetáculo em uma praça de Caraguatatuba (SP) que fundou um novo ciclo na minha trajetória. Foi marcante, saí em estado de graça. Voltei a treinar todas as técnicas, quis reformar meu boneco, meu fole estava quebrado e mandei consertá-lo. Resumindo: estou nesse processo de reformular o espetáculo inteiro. Vejo que posso ir além. Há um prazer em pensar onde posso ir com essa criatura que sou eu, que amo e que me salvou dos hospícios. Quero estrear a nova revoada em fevereiro, em Morretes (PR). Então, estou nesse momento. Já vivi os coletivos, a Intrépida Trupe e tal. Se um projeto coletivo surgir, talvez não vá partir de mim. Mas se surgir um convite, vai ser muito bacana.


DOMINGOS
CINEMA

De onde te vejo (2014)

TV
Joia rara (2013)
Salve Jorge (2012)
Cordel encantado (2011)
Divã (2011)
A cura (2010)
Força-tarefa (2010)


LUIZ CARLOS
CINEMA

Baile perfumado (1997)
Eu tu eles (2000)
Abril despedaçado (2001)
Árido movie (2004)
Mutum (2007)

TV

Carandiru, outras histórias (2005)
A Pedra do Reino (2007)
Queridos amigos (2008)
Araguaia (2011)
Flor do Caribe (2013)
Geração Brasil (2014)

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