A produção, que estreou em junho no Rio de Janeiro, e encerra a temporada justamente na capital mineira, no Palácio das Artes, é livremente inspirada em 'Belle de jour', livro do escritor franco-argentino Joseph Kessel, lançado em 1928, que serviu de base também para o clássico do cinema 'A bela da tarde', de Luís Buñuel, estrelado pela atriz francesa Catherine Deneuve.
Duplo materializado Deborah Colker decidiu dividir Séverine e Belle. Na montagem, elas são interpretadas por bailarinas diferentes, como se fossem personagens distintas. A primeira é uma mulher que teve educação burguesa e, possivelmente, católica. Sendo assim, foi regida pela moral e pelos bons costumes e seus desejos transgressores a conduzem a um sentimento de culpa. “Séverine é sistemática, metódica, contida, fria, embora seja uma mulher que ama e tem uma necessidade imperativa e a coragem de seguir seus instintos. Já Belle é seu duplo, sua intensidade, seu lado animal e erótico, que também ama. No meu espetáculo, Séverine é vivida por uma bailarina e Belle por outra, pois é tão expressiva e intensa a presença das duas, que, para mim, foi necessário materializar esse duplo no corpo de duas bailarinas. Fazer com que cada parte dessa dualidade se investisse de um corpo próprio, que tivesse seus próprios movimentos. Essa é uma escolha totalmente minha. No livro, as duas são a mesma mulher, assim como no filme de Buñuel”, declara.
O primeiro ato de 'Belle' parte da insatisfação da protagonista em seu casamento e se encerra com a chegada dela ao bordel. O segundo se passa todo no bordel, com bailarinas trocando as sapatilhas por sapatos de salto alto.
Um dos pontos que mais chamam a atenção na produção é a trilha sonora, que traz desde Miles Davis a Velvet Underground, passando pela música eletrônica feita pelo compositor Berna Ceppas. Deborah diz que a letra do rock que foi utilizada fala de uma mulher que, não por acaso, chama-se Severin, como a personagem de Kessel. “É uma música muito sofisticada. E as composições do Berna também evocam esse contraste entre delicadeza e violência, ruído e silêncio”, analisa.
A cenografia é assinada por Gringo Cardia, com a iluminação de Jorginho de Carvalho. Já o figurino é de Samuel Cirnansck e a maquiagem de Celso Kamura. Os cenários contemplam escadas e cortinas, entre outros objetos.
Viagem sem volta
No processo de criação de 'Belle', Deborah Colker enfatizou o tema abordado e, sobretudo, definiu a quebra de paradigmas. A coreógrafa conversou com os bailarinos sobre a importância de ler sobre o assunto, ver filmes, refletir sobre outros mundos e quebrar o clichê do erotismo banal e da pornografia estereotipada. “Cada um de nós pode reconstruir seu universo instintivo. E, para isso, era importante a experiência com as pontas e os saltos altos – um fetiche –, com trajes e adereços diferentes dos mundos de Belle e Séverine e, principalmente, poder encontrar a beleza intrínseca a cada um desses dois mundos”, acredita. Deborah defende a ideia de que estar nu não significa simplesmente tirar a roupa, é algo muito mais profundo. “Sabemos que existem pessoas da noite, strippers, prostitutas, que são supermoralistas”, ressalta.
'Belle' percorreu várias cidades do Brasil e do exterior e provocou reações das mais diversas nas plateias. No geral, o público adora o espetáculo, principalmente o primeiro ato. No entanto, Deborah percebeu certo “incômodo” em alguns lugares. “Por causa da sensualidade e da carga de sexualidade trazida pela montagem. Mas, isso é bom, mexe com questões de casamento, sociedade, com todos os tabus”, afirma a coreógrafa.
Em 2015, a companhia Deborah Colker voltará com temporada popular de 'Belle' no Rio e fará também turnês pelo Nordeste do Brasil, pelo Chile e pela Ásia.
Belle
Espetáculo da Companhia de Dança Deborah Colker. Amanhã, às 21h, domingo, às 19h. Grande Teatro do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. Ingressos: de R$ 45 a R$ 90. Informações: (31) 3236-7400. Classificação etária: 14 anos