Cantor e compositor gaúcho Thedy Corrêa dedica à insônia seu segundo livro de poesia

O beatle Paul McCartney, Fernando Pessoa e Caio Fernando Abreu influenciaram os versos

por Walter Sebastião 28/09/2014 11:00

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CARLOS MOURA/CB/D.A PRESS
(foto: CARLOS MOURA/CB/D.A PRESS)
A insônia e a rotina de ir dormir por volta das quatro da manhã, devido a shows com a banda Nenhum de Nós, levaram o cantor e compositor Thedy Corrêa a fazer da madrugada o motivo de seu novo livro de poemas. Noite ilustrada (Belas Letras) é fruto de três anos de trabalho e da experiência de permanecer acordado – seja na cidade, na roça ou na praia.

Thedy faz um irônico balanço da experiência de ficar “aceso” enquanto as pessoas dormem. “A noite não é boa conselheira. Faz parecer que os problemas não têm solução e dá peso maior às circunstâncias que nos afligem. Dia de sol parece ter mais energia e saídas”, suspeita.

Por outro lado, a madrugada traz momentos de silêncio e introspecção que podem ser produtivos. “Nessas horas, o vizinho não bate a porta, há menos carros nas ruas, o momento é só seu”, explica.

Um texto traduz o que ele sente: “paul”, com especulações a respeito da insônia do beatle Paul McCartney. O poema “Um pedido”, por sua vez, recorda a última noite de Natal de Thedy com o pai e a mãe – ele morreu há mais tempo, ela se foi pouco antes de Noite ilustrada sair.

“Calortango”, diz o compositor, é o exemplo perfeito de momentos insones em noites de calor, ouvindo tango. Mas ele avisa: é difícil sintetizar o livro em um, dois ou três textos. O projeto gráfico mereceu atenção especial, pois Thedy reuniu um verdadeiro mutirão para ilustrar suas páginas: Estevão Camargo, Fábio Santos, Fernando Gil, Geraldo Borges, Gustavo Duarte, Iran Moreira, João “Azeitona” Vieira, Luke Ross, Marcelo Braga, Mike Deodato Jr., Rafael Albuquerque, Renato Guedes, Rogê Antônio e Rogério Vilela.

COLETÂNEA

Noite ilustrada é o segundo livro de poemas de Thedy Corrêa – o primeiro foi Bruto (2006). A diferença está no fato de o mais antigo reunir escritos produzidos ao longo de quase 20 anos. O autor brinca que ele traz, praticamente, uma coletânea de poemas que não viraram música.

“Já os textos de Noite ilustrada foram escritos para o livro, não para se tornar canções. Então, eu me senti mais livre e, por isso, intenso na forma e no conteúdo.”

“Sou um poeta que procura fugir da frase feita e da obsessão pela rima, mas não abro mão da carga emocional, que, talvez, seja a minha principal matéria-prima”, conta Thedy Corrêa. Com relação a seu processo de trabalho, ele costuma escrever e deixar o texto “decantar” por algum tempo.

“Se volto ao poema e o ritmo permanece, sustenta-se e me agrada, deixo como está ou me permito escrever um pouco mais. Se o ritmo se perde, volto ao original. Quando não gosto, o jeito é trabalhar mais.”

PESSOA

Ao citar poetas que admira, Thedy Corrêa destaca Fernando Pessoa. “Carreguei muito o volume com as obras completas dele comigo. Impressiona-me o quanto Pessoa escancarava os sentimentos e encontrava caminhos para expressar coisas muito especiais dele”, elogia, citando “Poema em linha reta”. Para o gaúcho, o autor português é um artesão da palavra.

O músico chama a atenção também para poemas de Caio Fernando Abreu, pela visceralidade com que o conterrâneo se volta para questões pessoais. “O modo como ele se expunha é muito inspirador”, observa.

Thedy gosta também de Vinicius de Moraes. “É um virtuose, tem enorme capacidade de produzir coisas belas e de alta qualidade, mas que soam naturais, indissociáveis da personalidade dele”, analisa. O gaúcho avisa que adora os poetas beatniks, “pela subversão que eles promovem na forma e no conteúdo”.

TRECHOS


paul

a inspiração tem seus sintomas
uma inquietude inexplicável
que quase convulsiona
o coração que palpita
descompassado
um pensamento que foge
imaginação que bate asas
até de boca seca ouvir falar

ele já tinha passado por tudo isso
sentiu sede
acordou no meio da madrugada com ela
foi até a cozinha e a saciou
na volta fechou a janela
uma fresta por onde o vento cantava
foi aí que tudo começou (...)

defeito

a insônia me assombra
mais um
entre meus tantos defeitos

não sei se é caso
para médico
homeopatia
meditação
simpatia

ou psiquiatria (...)


Crônicas na rede

Em 2010, Thedy Corrêa publicou Livro de astro-ajuda, que reúne crônicas escritas para seu blog. Ele se define como leitor “desorganizado, que lê várias coisas ao mesmo tempo, às vezes parando e retomando tempos depois”. E confessa: “Não tenho nem lugar mais em casa para colocar livros”.

Para o compositor, literatura é compartilhamento de experiências, atividade que permite aprofundamento que nenhum outro meio oferece. “O livro permite uma das mais intensas experiências de interação das artes”, acredita.

O músico está satisfeito com o novo ofício. “Com música, você faz o show e pronto. Literatura traz o encontro com leitores, palestras em escolas, participação em semanas do livro, conversas com os jovens muito além do que a música oferece. Você vai muito mais fundo na relação com o público”, garante.

NOITE ILUSTRADA
De Thedy Corrêa
Belas Letras, 127 páginas, R$ 29

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