Livro 'Pavões Misteriosos' é deliciosa viagem pelo pop brasileiro dos anos 70 e 80

Entre temas curiosos e até cômicos, está a 'fabricação' de artistas como Gretchen, Balão Mágico e Xuxa

por AD Luna 17/09/2014 09:55

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 Polygram/Reprodução
O cantor Sidney Magal, em foto do primeiro disco, lançado em 1978 (foto: Polygram/Reprodução)
Fim dos anos 1960, início dos anos 1970. A ingenuidade e a simplicidade da Jovem Guarda deram lugar a trabalhos de artistas brasileiros marcados por misticismo, ousadias sonoras e comportamentais. Apesar do conservadorismo do público nacional e da repressão militar, músicos como Fagner, Jorge Ben, Raul Seixas, Caetano Veloso, Rita Lee & Tutti Frutti, Novos Baianos, Odair José, lançaram algumas de suas obras mais marcantes. Formado por figuras andróginas, o grupo Secos & Molhados conseguiu, com o disco de estreia, a proeza de vender mais do que Roberto Carlos, em 1974.

Esses e muitos outros episódios da música brasileira integram o livro 'Pavões misteriosos'. 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil (Três Estrelas, R$ 45), do jornalista e crítico André Barcinski. “Comecei o livro sem saber aonde chegaria. Tinha uma ideia inicial, que era tentar explicar por que quase todos os meus discos brasileiros prediletos haviam sido lançados na mesma época, a primeira metade da década de 1970. Foram muitos LPs bons lançados num espaço curto de tempo”, explica Barcinski.

Divulgação
(foto: Divulgação)
Durante as pesquisas e entrevistas com 65 pessoas (entre músicos, produtores, integrantes de gravadoras, jornalistas), ele foi descobrindo outros assuntos pertinentes e interessantes. Construído com texto atraente e ágil, Pavões misteriosos é uma importante fonte para se entender como funciona (ou funcionou) a dinâmica da indústria musical, a rejeição da crítica musical a músicos populares da época, a ascensão das FMs e dos discos de novela.

Entre alguns dos temas mais curiosos e até cômicos, está a “fabricação” de artistas como Gretchen, Balão Mágico, Xuxa, a armação da indústria de covers e a instituição do jabá no país (ato de se pagar para que determinadas músicas e artistas toquem nas rádios e em programas de TV). “O universo pop sempre foi dos espertos. Seja o Roberto Livi, que ‘inventou’ o Sidney Magal, ao produtor que hoje usa auto-tune para melhorar a gravação de um cantor, esse mundo sempre foi do faz-de-conta e do oportunismo. E não vejo nada errado nisso”, expõe André Barcinski.

Na visão do autor, é inadequado analisar a cultura pop sob visões dualistas e “rasteiras” como bem x mal, mocinhos x bandidos, honestidade x picaretagem. “No fundo, todo mundo só queria sobreviver. É assim até hoje”, arremata.

DO LIVRO

Fãs de Guilherme Arantes // Em entrevista a Barcinski, o cantor e compositor fala sobre a emoção de ter sido elogiado por um grande nome da música internacional. “As suas canções têm harmonias bem-feitas. Várias vezes eu tive inveja de você como compositor”, disse Tom Jobim a Guilherme. Em encontro com Mano Brown, “ele me falou que era meu fã, que a mãe, as tias, as primas, todo mundo lá no Capão Redondo adorava as minhas músicas”, conta Arantes.

Sidney Magal // Foi do argentino Roberto Livi, da gravadora Philips/Polygram, a ideia de criar um clone brasileiro do cigano Sandro, artista bastante popular na terra dos hermanos. “Eu peguei o Magal, que já tinha esse jeito expressivo no palco, e o transformei em cigano”, rememora o produtor, em Pavões. Repertório, figurinos até o que deveria dizer em entrevistas - tudo foi articulado por Livi.

Infantil // A Turma do Balão Mágico foi um dos grandes fenômenos dos anos 1980, tendo vendido cerca de dez milhões de cópias até meados da década. “Foi um dos primeiros grupos pop brasileiros criados como um produto, a partir de pesquisas de mercado e de uma intensa participação do departamento de marketing da (gravadora) CBS”, explica Barcinski.

Glauber Rocha Rocha e Ro Ro // O cineasta brasileiro era louco para ter um caso com a cantora. “Ele queria me comer de todo jeito, queria ter filhos comigo. Era impressionante, só de ele olhar pra mim eu já me sentia grávida”, conta Angela no livro.

O rock de Ritchie //
Lançado em 1983, o LP Voo de coração, do inglês radicado no Brasil, vendeu 1,2 milhão de cópias. “Desde Secos & Molhados, nenhum disco de estreia no Brasil fizera tanto sucesso (...). Na primeira vez que foi à CBS receber pagamento, Ritchie olhou para o cheque e não acreditou: ‘Não é possível, deve ter algum zero a mais aqui, não?’”.


Nina Barcinski/Divulgação
O jornalista e crítico musical André Barcinski (foto: Nina Barcinski/Divulgação)
ENTREVISTA ANDRÉ BARCINSKI

Músicos que faziam sucesso entre o "povão", nos anos 1970, como Odair José, citado no seu livro, eram execrados pela crítica e pelo público mais intelectualizado. Como se explica essa mudança de percepção e sentimento em relação a artistas do passado tidos como bregas, no sentido pejorativo do termo?
Isso é cíclico. Tem a ver, sempre, com mudanças sociais e comportamentais que alteram a percepção geral sobre os trabalhos de determinadas pessoas. Os anos 70 foram uma época de intensos conflitos geracionais, políticos e sociais. Vivíamos sob uma ditadura, e artistas populares eram comumente vistos como defensores do sistema. É só ver o exemplo de Benito di Paula, um artista pobre, que certamente sofreu mais do que 99% do público que o vaiava, mas que era visto como um conformista. Hoje, longe da tempestade de opiniões e conflitos ideológicos dos 70, o público pode analisar o trabalho desses artistas de uma forma desapaixonada, sem influências externas. Isso muda tudo.

Por outro lado, hoje em dia, se alguém ousa criticar o funk ostentação de um MC Guimê, por exemplo, é tachado de "elitista". Se disser que achou o trabalho de algum artista africano ruim ou chato, carrega a pecha de "etnocentrista". O que pensa a respeito?
Acho triste. Um exemplo de nossa incapacidade de discutir. O Brasil virou um país infantilizado, um país do “nós contra eles”. Ou você é petista ou é tucano, ou você é contra ou é a favor de cotas, ou é isso ou aquilo. Discutir virou sinônimo de brigar, e isso é muito triste. No fundo, reflete nossa falta de educação.

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