Fotógrafo mineiro cria série com animais selvagens deslocados em ambientes domésticos

Proposta de João Castilho é colocar em confronto o olhar do homem e do animal. Trabalho será citado na renomada feira de fotografia SP-Arte/Foto 2014

por Gracie Santos 21/08/2014 09:03

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Fotos: João Castilho/Divulgação
Imagens da série 'Zoo', de João Castilho, em exposição na maior feira da América Latina, a SP-Arte/Foto 2014 (foto: Fotos: João Castilho/Divulgação)
Já imaginou ter uma onça-parda na sala de visitas, entre o sofá e a mesinha de centro? E uma arara-azul enfeitando a mesa de jantar? Ou um macaco-barrigudo sobre o aparador, na lavanderia a casa? Parece loucura, e é. Mas é também o projeto inusitado (e arriscado) do fotógrafo mineiro João Castilho. Interessado em confrontar o olhar do homem com o do bicho, ele provocou o deslocamento de animais selvagens para ambientes domésticos. Está tudo registrado na série 'Zoo', fruto de seis meses de trabalho realizado em Minas, que terá as três imagens citadas (há outras) em exposição na maior feira de fotografia da América Latina, a SP-Arte/Foto 2014, no JK Iguatemi, em São Paulo.

“As fotos foram feitas em cima de uma ação, são o testemunho de um ato, não dava para demorar muito, tinha que ser com a luz que havia”, conta João Castilho, para quem estar frente a frente com um animal permite retornar a algo primitivo, ancestral “e talvez, quem sabe, por um breve instante nos transformamos em uma onça, um jaguar, um tamanduá?”. Ele nunca se interessou por grandes produções. Desta vez, teve que trabalhar com pequena equipe, duas produtoras e uma assistente – contou também com o apoio de tratadores, biólogos, colecionadores e veterinários. Além das fotografias mostradas em São Paulo, há outras, como a do tatu, do tamanduá-bandeira, da cascavel, da jiboia e até de um emu, parente da ema (“que parece uma senhorinha elegante, com uma pele no pescoço”).

O trabalho de João Castilho tem fundamentação filosófica e literária, “nada a ver com ecologia.” O artista se inspirou, por exemplo, na metamorfose do homem inseto da obra do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1824). O que está em questão é “a relação do homem com o animal, onde começa um e termina o outro”. O que João sentiu, durante as sessões, “foi o curto-circuito gerado pelo deslocamento dos animais para ambientes humanos.” O projeto “tem também muito da ideia de O império da lei, música de Caetano Veloso no disco Abraçaço, quando ele diz: ‘ter o olho no olho do jaguar/ virar jaguar’”, revela.

Correr riscos

Antes de fazer as imagens, João Castilho conta que houve muita negociação com os responsáveis pelos animais. “Tivemos todo o cuidado de não provocar nenhum dano ao animal ou à equipe. É muito risco que se corre com uma onça-parda na sala de estar. Mesmo que você tente controlar tudo, não é possível. E esse risco é muito importante para o trabalho, para uma obra que fala sobre passar por experiência reveladora.” Não havia grades, nada separando fotógrafo e fotogrado. “Eventualmente, você pode se ferir e a ideia era exatamente a de capturar a carga desse momento, de estar frente a frente com o animal”, revela.

João Castilho comemora o fato de ter, pela primeira vez, projeto solo na feira paulista: “É a minha área, meu público, são meus colegas. Pra mim, essa participação importa muitíssimo e ocorre num momento de amadurecimento da minha produção, no qual tenho me dedicado a obras mais complexas”, diz. A proposta de trabalhar com animais não é nova. “Eles sempre apareceram aqui e ali. No meu primeiro ensaio, Redemunho (de 2006, com o qual ganhou o Conrado Wessel, maior prêmio da fotografia brasileira), havia uma cobra coral; no Vade retro (de 2012/13), havia uns quatro ou cinco animais”, recorda.

'Zoo' foi realizado com incentivo da Bolsa de Fotografia ZUM, do Instituto Moreira Salles (IMS).

Em BH

A mostra na SP/Arte será uma espécie de aperitivo para a individual que o João Castilho fará em Belo Horizonte, a partir de 6 de setembro, na Celma Albuquerque Galeria de Arte. Na galeria, ele mostra a série 'Zoo' completa, além de vídeos e de uma obra tridimensional. O futuro avança para trás, videoinstalação, “é uma escultura em formato de árvore feita com vários retrovisores de bicicleta, com espécies de cerâmicas (tartarugas penduradas de cabeça pra baixo que estavam em Vade retro), imagens de fotografias do passado que se diluem em várias”, antecipa o artista. A obra fala “de uma impossibilidade, de uma história que seja contínua, da falência do progresso”. Mas ele avisa que não é algo pessimista e sim reflexivo. Tudo resultado de um trabalho em que há várias fronteiras diluídas, que passam pela performance, a escultura, o cinema, a pintura e o vídeo. No vídeo que será exibido na Celma Albuquerque, por exemplo, João Castilho engessou totalmente um jovem negro (cabeça inclusive) e avisa: “É algo bastante performático”.

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