Exposição aberta em Ouro Preto destaca a escravidão a partir do indivíduo

Mostra revela um olhar atento sobre a história brasileira do século 19

por Walter Sebastião 07/07/2014 08:53
Marc Ferrez/Acervo IMS
Escravos em terreiro de fazenda de café no Vale da Paraíba, ampliação de detalhe de fotografia de Marc Ferrez, de 1882 (foto: Marc Ferrez/Acervo IMS)
Algumas fotos da escravidão negra no Brasil até fazem parte do imaginário nacional. Mas, no geral, seja em livros ou exposições, eram fotos de pequeno formato, distanciadas, muitas vezes apresentando mais o coletivo do que o indivíduo. Vai ser aberta hoje, na Galeria da Fiemg em Ouro Preto, uma mostra que procura mudar esse panorama: 'Emancipação, inclusão e exclusão – Desafios do passado e do presente – Fotografias do acervo do Instituto Moreira Salles'. A curadoria é de Lilia Schwarcz, Maria Helena Machado e Sergio Burgi. A exposição traz fotos de alguns dos mais importantes fotógrafos da passagem do século 19 para o 20, entre eles Marc Ferrez. As imagens foram ampliadas para permitir a observação de fisionomias, detalhes e gestos.

“O que se revela, quando ampliamos as fotos, é o ser humano escravizado, não o escravo”, conta a historiadora Maria Helena Machado. O que aparece nos registros são mães com rosto cansado, tentando amamentar crianças em meio à colheita. Ou criança ao lado de adulto, provavelmente pai e filho. E ainda pessoas que escondem o rosto, em explícita manifestação de desagrado com a foto. “Tudo se torna emocional, o sujeito submetido ao trabalho escravo é humanizado, vê-se a escravidão”, acrescenta a curadora. “O que facilita a identificação das pessoas com o que se vê”, observa Maria Helena, sem esconder que a proposta do trio de curadores é tocar profundamente o espectador.

Os responsáveis pela mostra têm experiência com conjuntos documentais. Maria Helena Machado e Lilia Schwarcz são também pesquisadoras sobre a escravidão e temas correlatos. Na origem da mostra, esteve a vontade de, valendo-se de recursos tecnológicos, ir além do que é limite das fotos antigas: trabalhando com negativos de vidro só eram possíveis fotos pequenas. E vêm deste fato imagens que induzem mais a visão do conjunto ou de aspectos gerais das fotos. “Nossa proposta é ir além da intenção do fotógrafo, inclusive do plano estético, para captar o que ele não queria mostrar”, explica. Ela lembra que muitas fotos da época são imagens de estúdio ou fotos posadas.

Humanismo

A mostra é produto de leitura, observando quem estava fora dos primeiros planos, a expressão das pessoas, como seguravam as ferramentas de trabalho. Buscou-se, ainda, a intenção do fotógrafo e de quem encomendou as fotos. Os fotógrafos, conta Maria Helena, são estrangeiros ou homens criados no Brasil, vindos das camadas mais letradas e urbanas. E, por isso, com visão crítica da escravidão e a serviço do abolicionismo humanista. “Mas são também profissionais empenhados em vender suas fotos, com olhar altamente exótico ou realizando registros para fazendeiros sobre suas propriedades”, explica. E vêm daí postais registrando tipos exóticos ou fotos evidenciando a ordem e o sistema de trabalho.

“Foto é uma construção, tem muitas camadas de leitura”, afirma Maria Helena. Ela recorda que a reflexão ao longo do século 20 interpelou crenças de que a fotografia representaria o real de forma objetiva, defendendo que as imagens são um ponto de vista. “A fotografia pode ser trabalhada como fonte histórica, desde que se leiam as imagens como se lê um texto. Ou seja, indagando sobre quem escreveu, por que escreveu, qual o público deste texto, o que não foi dito”, exemplifica. Prática que cobra formação e preparo do pesquisador. Mas também, avisa a historiadora, terreno fértil para pesquisas, tanto pela existência de material quanto pela rarefação de estudos na área.

Lilia Schwarcz, Maria Helena Machado e Sergio Burgi já estão com novo trabalho em andamento, previsto para 2015: uma pesquisa sobre amas de leite negras. Maria Helena conta que, praticamente, não há imagens das amas com os próprios filhos. “Quando aparecem, é quase por acaso”, observa. O livro mais recente de Maria Helena Machado é 'Crime e escravidão', e o próximo trabalho será a organização do material da exposição 'Emancipação, inclusão e exclusão', ambos pela Edusp.

Emancipação, inclusão e exclusão – Desafios do Passado e do Presente
Fotografias do acervo do Instituto Moreira Sales. A partir de segunda, na Galeria da Fiemg, Praça Tiradentes, 4, Centro, (31) 3551-3637. Todos os dias das 9h às 19h. Até 1º de setembro. Entrada franca.

Cores de Vila Rica

'A grande descoberta' é o título da exposição de pinturas que o português Carlos Mota está apresentando na Sala Ivan Marquetti, Galeria de Arte do GLTA, em Ouro Preto. São 11 telas, feitas com pigmentos naturais encontrados na região de Ouro Preto, material foi usado com o objetivo de levar para a pintura algo que fosse específico da cidade. O trabalho foi realizado com apoio de pesquisas do engenheiro Maurício de Barros, da Universidade Federal de Ouro Preto.
São trabalhos, segundo Carlos Mota, inspirados em Ouro Preto e na contemplação da cidade. “São pinturas com visão particular dos céus magníficos da cidade, plenos de cores. E das calçadas, ricas em desenhos e formas, que nos remetem à lembrança de um outro tempo, quando por elas passavam escravos, reis, artistas e intelectuais, que contribuíram para fazer dela Patrimônio Cultural da Humanidade”, explica o artista, que nasceu em Ponta Delgada, Portugal, onde vive e trabalha.

A grande descoberta
Pinturas de Carlos Mota. Sala Ivan Marquetti, Galeria de Arte do GLTA, Rua Paraná, 136, Centro, Ouro Preto (31) 3551-1228. Segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 18h; aos sábados, das 9h ao meio-dia. Até dia 9 de agosto. Entrada franca.

Saiba mais - Pioneiro da fotografia

O fotógrafo Marc Ferrez (1843- 1923) nasceu no Rio de Janeiro e era filho de Zepherin Ferrez (1797-1851) e sobrinho de Marc Ferrez (1788-1850), escultores franceses que integram a Missão Artística Francesa. Depois da morte de seus pais, em 1851, viaja para Paris e reside na casa do escultor Alphée Dubois (1831 - 1905). Em 1859, retorna ao Rio de Janeiro e trabalha na Casa Leuzinger, estabelecimento fotográfico de propriedade de George Leuzinger. Em 1865, inaugura a Casa Marc Ferrez & Cia., e exerce a profissão de fotógrafo. Apesar de adotar mais a temática da paisagem, tendo participado de diversas expedições, foi também importante retratista, incluindo aí fotos dos membros da família imperial brasileira. Entre as suas publicações, se destaca o Álbum da Avenida Central, onde retratou a construção da atual Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, entre 1903 e 1906. Marc Ferrez estendeu seu interesse também ao cinema e abriu, em 1907, o cinema Pathé, no Rio de Janeiro. Em 1915, mudou-se para Paris, onde estudou fotografia em cores, até retornar, no início da década de 1920, ao Rio de Janeiro, pouco antes de sua morte.

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