Matheus Nachtergaele fala da experiência de dirigir grupo de teatro em Tiradentes

Ator define seu ofício como o de um artesão e anuncia projetos para os palcos e para o cinema

por Carolina Braga 04/05/2014 07:00

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Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
"Estou com saudade de amar meu público de verdade. Estou cansado de fugir das pessoas porque elas estão com câmeras fotográficas" (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Era uma tarde chuvosa. Na casa branca, de janelas azuis e cortina de fuxicos, não há campainha. Funciona o sistema antigo: três batidinhas na porta. Com óculos de lente pequena, redondinha, blusa de manga comprida para o frio que se anuncia, Matheus Nachtergaele atende com um sorriso. “Vamos entrando”, convida. Na mesinha da sala, ao lado da poltrona, lápis de cores variadas. O caderno de desenho está no chão. Tem ali esboços do que virá a ser um cenário de teatro feito por ele, um ex-estudante de artes plásticas. É assim que ele trabalha. É nostálgico e curioso ao mesmo tempo.

É na intimidade que ele – que também é João Grilo de 'O auto da compadecida'; o Sandro Cenoura de 'Cidade de Deus'; o Fernando de 'Doce de mãe'; o coronel Carvalho de 'Serra Pelada'; o Jó de 'O livro de Jó' e tantos outros personagens marcantes no cinema, na televisão e no teatro – revela o quanto a artesania é relevante para o ofício que escolheu. “Por mais que as tecnologias avancem, por mais que esteja na TV e no cinema, com todos os efeitos especiais e a maquiagem mais incrível, o trabalho do ator é de artesão. O personagem usa o seu corpo, suas memórias emotivas, seu espírito. É uma artesania, uma escultura de carne e alma”, define.

Há mais de 10 anos Matheus Nachtergaele é morador esporádico de Tiradentes, no campo das vertentes. Tinha a pequena casa aos pés da Igreja Matriz como refúgio para recarregar as baterias. Mas o que até então era lugar de descanso se converteu agora em palco para o reencontro com o teatro. A convite do Festival Tiradentes em Cena, o ator, que foi um dos integrantes da primeira formação do Teatro da Vertigem, vai dirigir o grupo local, o Entre & Vista, atuante há mais de 20 anos na cidade. A estreia de Matheus no posto está marcada para o dia 24, no encerramento da maratona de artes cênicas que começa dia 16 na cidade colonial. O texto escolhido para a montagem é 'O país do desejo do coração', do poeta irlandês William Butler Yeats.

Matheus, um trabalhador incansável, reconhece que criou muito pouco para os palcos. Desde que saiu do Vertigem, em meados de 1990, trabalhou com Daniela Thomas em 'A gaivota' (1998), com Paulo José em 'A controvérsia' (2000) e ao lado de Cibele Forjaz em 'Woyzeck, o brasileiro' (2003). E só. “Faço pouco porque acho que é uma cerimônia e precisa de grande dedicação. Não é muito possível para meu temperamento fazer televisão e teatro, cinema e teatro. Esse ‘e teatro’ eu não consigo”, confessa.

Nas telas Desde 1997, Matheus vem emendando um trabalho no outro. Começou como Jonas em 'O que é isso companheiro?' e dali em diante foram 48 produções na televisão e no cinema. São 27 filmes, entre eles 'Central do Brasil' (1998), 'O primeiro dia' (1998), 'Amarelo manga' (2002), 'Narradores de Javé' (2003) e 'Árido movie' (2005). Só peso pesado. Em 2008, dirigiu 'A festa da menina morta'. Na televisão, entre os trabalhos marcantes estão o Cintura Fina em 'Hilda Furacão' (1998) e Carreirinha, em 'América' (2005).

Na lista dos filmes que estão por vir tem o quarto longa com o diretor pernambucano Cláudio Assis. Matheus estará na adaptação que o cineasta de 'A febre do rato' fará do livro biográfico de Xico Sá, 'Big jato'. Roda depois da Copa do Mundo e já emenda com o novo projeto da diretora paulistana Anna Muylaert, o longa 'Mãe só há uma'. Passados esses compromissos, a ideia é deixar a agenda livre no segundo semestre para se dedicar a um projeto teatral inédito, cujos direitos ainda estão em negociação.

A saudade do palco anda incontrolável. Com cuidado, ele explica que o trabalho na TV tende a deformar a relação com o público. O acentuado culto à celebridade faz com que as pessoas cheguem deslumbradas para falar com os atores. Para quem é cria do palco, foi formado por Antunes Filho e Antônio Araújo, isso é um incômodo.

“O contato verdadeiro e profundo que o teatro dá é diferente. Estou com saudade de amar meu público de verdade e de toda noite fazer para eles. Estou cansado de fugir das pessoas porque elas estão com câmeras fotográficas”, desabafa. Não há julgamento em sua avaliação, apenas uma sensação de estranhamento. Por mais que o tempo de carreira avance e as experiências se multipliquem, fica algo que permanece difícil de lidar. “Ainda é assustador. Mantenho essa ideia de que é uma artesania. Cada trabalho é um processo. Às vezes me confundo e lembro que é um ofício”. E dos mais sagrados.

Cerimônia Para Matheus Nachtergaele, depois do advento da fotografia, do cinema, da televisão e de todas as tecnologias, pouca coisa ficou para o teatro. “Mas o que sobrou é só dele. Tem a ver com cerimônia.” O entendimento que tem da arte de que ela se assemelha a um rito religioso. “Talvez por desconfiar um pouco da maioria das igrejas atuais, acredito que o teatro seja o último lugar da verdadeira delicadeza humana. É quando, ao vivo, nos reunimos para celebrar, para pensar, meditar, conhecer o homem, questionar. É incrível”. É justamente o que ele pretende fazer com o grupo Entre & Vista.

O olho brilha ao falar do projeto. Há anos, desde que frequentou a Escola de Arte Dramática da USP, Matheus guarda o texto de O país do desejo do coração esperando a oportunidade de lançá-lo no Brasil. Pensou em fazer com o grupo paraibano Piolim, mas a ideia não vingou. Quando recebeu o convite do evento mineiro, nem titubeou. Para contar a história de uma família simples, que é assaltada pelo desejo de morte, o ator retoma temas que sempre o interessaram.

Para Matheus Nachtergaele, ao fazer arte, de certa forma está em busca da resposta para uma pergunta fundamental: afinal, o que é a fé?. “Essa questão está no 'Jó', no 'Woyzeck', no 'Paraíso perdido', muito na 'Festa da menina morta'. É a minha pergunta: quem somos nós diante disso tudo?. O que é crendice, o que é verdade? O que é superstição? Deus existe? Quem é o homem simples? A simplicidade inclui só sabedoria ou também a ignorância?”, questiona. Para ele, com o teatro também é assim: “Todo grande teatro é uma pergunta”.

Conversas ao pé do ouvido

Se for para escolher um estilo para o diretor Matheus Nachtergaele, ele é adepto da delicadeza. Os ensaios com o Entre & Vista começaram há cerca de 20 dias. No primeiro momento, o grupo se dedicou ao entendimento do texto de 'O país do desejo do coração'. Somente agora as cenas começam a ganhar corpo. O Estado de Minas acompanhou com exclusividade a apresentação do primeiro esboço da encenação de uma das passagens escritas por Yeats.

“É muito profundo. Tanto que o trecho que vamos apresentar demorou para entrar na minha cabeça. É extremamente subjetivo”, comenta o ator Sérvulo Matias Filho. Nos jardins internos do Centro Cultural Yves Alves, ele, George José Veloso Cavalcante, Renata De Lucca, Tânia Mara, Elisa Firmino Barbosa, Anderson José Matias e Francisco de Assis Resende transitam em procissão.

Atento aos detalhes, o diretor observa a proposta dos atores. Em seguida, se dirige a cada um deles e vai ajustando a cena, falando baixo, ao pé do ouvido. O momento é de imersão. Na mesma noite, ainda há trabalho de corpo e mais debate sobre a dramaturgia.

“Estou conhecendo os atores do grupo, seus desejos, e procurando fazer uma encenação para eles, para que se sintam em casa, no seu palco. Quero que saia o que for possível e acho que o que é possível para eles é muito bonito”, diz Matheus. Para Sérvulo, o encontro com Matheus Nachtergaele é também a oportunidade para a profissionalização da companhia. Depois da apresentação no festival Tiradentes em cena, 'O país do desejo do coração' volta ao cartaz em julho, no Centro Cultural Yves Alves, mesmo espaço em que faz sua estreia no dia 24 deste mês.

Ouça a entrevista completa com Matheus Nachtergaele:



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