Ana Luiza Koehler representa o talento feminino na cena machista da HQ

Gaúcha será a primeira mulher a atuar como curadora do Festival Internacional de Quadrinhos

por Walter Sebastião 27/04/2014 00:13

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Lady's Comics/divulgação
Ana Luiza Koehler afirma que a FIQ/BH representa a abertura de horizontes para os quadrinistas (foto: Lady's Comics/divulgação)

Criado há 18 anos, o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ/BH) terá, pela primeira vez, uma curadora: a gaúcha Ana Luiza Koehler. Em parceria com Daniel Werneck e Afonso Andrade (coordenador-geral do evento), ela vai definir o perfil da próxima edição, marcada para novembro de 2015.

“O FIQ é excelente espaço para congregar pessoas”, observa Ana Luiza. “A presença de muitos independentes, atuando fora do mercado e construindo uma obra, estimula a criar livremente”, acrescenta ela, lembrando que Belo Horizonte está no coração do Brasil. ‘‘Essa localização facilita o deslocamento de pessoas de qualquer parte do país até a capital mineira’’.

Formada em arquitetura, Ana Luiza nunca exerceu a profissão. Nos tempos de faculdade, ela já atuava como ilustradora: tem dois álbuns publicados na Europa, mas nada no Brasil. “Às vezes é mais fácil entrar no mercado estrangeiro”, ironiza. Ana está preparando a série Beco do Rosário para o circuito nacional.

A gaúcha participou do festival mineiro em 2011 e 2013. Adorou. “Foi a abertura de horizontes. Há um público ávido por coisas diferentes, por bom material. De repente, me vi comprando álbuns dos independentes para dar aos amigos”, relembra ela, contando que, na hora de presentear, as publicações de estrelas internacionais vêm primeiro à cabeça.

Ana Luiza revela que tem pensado “o básico” para o 9º FIQ: diversificar expressões e ampliar a presença de autoras no evento. De um lado, defende atenção para artistas que atuam fora do contexto europeu e norte-americano; de outro, ela deseja romper com a visão das mulheres “como minoria”, sinalizando a crescente presença feminina no universo dos quadrinhos.

Um e outro aspecto permitem conhecer outras e novas experiências de fazer HQ, além de revelar novas visões de mundo, observa a curadora. Com isso, enriquece-se o repertório de práticas, usos, funções e estéticas.

De acordo com Ana Luiza, o atual momento tem reafirmado a diversidade de práticas, embora crises econômicas mundiais venham desestimulando a produção cultural e reduzindo a remuneração de artistas. “Há a necessidade de procurar alternativas. A criatividade tem de estar a toda”, adverte a curadora do 9º FIQ. “Precisamos fazer as coisas acontecerem de modo independente, isso pode ser maravilhoso”, reforça.

Um limite a ser rompido: “A visão de que história em quadrinhos é nicho, super-herói e produção infantil. Esse imaginário mundial só desvaloriza a nossa arte”, avisa ela.



Família


A porto-alegrense Ana Luiza Koehler tem 37 anos. “Comecei a desenhar quando consegui segurar o lápis. Todos diziam que era lindo, acreditei e continuei”, brinca. Desde cedo, a leitora de quadrinhos sonhava em criar as próprias histórias. Filha de bibliotecária e de médico, ela teve o apoio dos pais quando decidiu se dedicar à HQ. “Isso foi importante, pois tive tranquilidade para a incerta empreitada de fazer quadrinhos no Brasil”, conta. Aos 21 anos, fez curso de quadrinhos – útil até hoje para ela.

Ana Luiza criou algumas histórias curtas com personagens da Roma Antiga, “publicadas em fanzine e devidamente engavetadas”. Depois, mandou seu portifólio para a editora francesa Gargot. No site da empresa, acessou o espaço para usuários e de procura de desenhistas. A resposta foi um convite para publicar a série Awrah, conto oriental no estilo das Mil e uma noites passado na Arábia medieval. Dois álbuns já foram lançados.

Agora, está na prancheta da desenhista gaúcha o projeto Beco do Rosário, história da modernização de Porto Alegre ambientada nos anos 1920. “Aqui no Brasil, o problema é apostar apenas no que vende muito, embora isso esteja mudando. O sistema de financiamento coletivo vem criando outras possibilidades para os independentes, obrigando o mercado a repensar o que é comercial”, conclui.

Reprodução / Facebook
Beco do Rosário, novo projeto de Ana Luiza Koehler (foto: Reprodução / Facebook)
Ana por Ana

. HQ
“Para ter uma boa história, não é necessário um Godzilla que vai arrasar Tóquio. Você pode contar a história do seu bairro, do seu vizinho, de pessoas ou de coisas que conhece e o resultado ser maravilhoso. A graça está no que cada autor pode trazer de novo, apresentado de forma autêntica e com expressividade, inclusive gráfica. HQ é arte que permite grande liberdade de expressão.”

. Diversidade

“A força de uma HQ está na história, no traço bem reconhecível, na despreocupação em imitar produtos bem-sucedidos do mercado editorial comercial. Há muita variedade – da Marvel a trabalhos autorais. Não existe apenas o contexto europeu e norte-americano, temos autores e autoras no Oriente Médio, no Norte da África, às vezes trabalhando sem suporte profissional, mas com novas visões e vivências e revelando outros modos de fazer quadrinhos. É importante a troca de culturas.”

. Autoras
“O tradicional mercado ‘jovem adulto’ é focado no diálogo com o homem. No momento, não encontramos abertura ali, até porque as propostas de edição são submetidas a avaliações comerciais, que limitam os enfoques diferentes. Nos debates de que tenho participado, percebo que as mulheres preferem o mercado independente e a internet. A produção delas deve ser procurada nesses contextos. Sempre descubro novas autoras, nem tanto no Brasil, mas nos EUA e na Europa. Seguindo uma, você chega a várias outras.”

. Uma quadrinista
“Isabelle Dethan é artista completa: desenha, escreve e pinta. Ela cria histórias fortes sem recorrer à sexualização da mulher, algo presente habitualmente nos quadrinhos.”

reprodução / ladyscomics.com.br
(foto: reprodução / ladyscomics.com.br)
Moças na rede


O blog mineiro Lady’s Comics (www.ladyscomics.com.br) divulga o trabalho das autoras de HQ, disponibilizando entrevistas, notícias e links. “Fiquei satisfeita com o convite a Ana Luiza. Ela tem credibilidade, entende do mercado nacional e internacional. Ana Luiza é um nome feminino, o que faz falta na área”, afirma a jornalista Samara Horta, integrante do blog, criado por leitoras que sentiam dificuldade de conhecer trabalhos de autoras.


Palavra de especialista


Afonso Andrade - Coordenador-geral do FIQ

Experiência e talento


Ana Luiza Koehler tem bagagem que pode nos ajudar muito. É quadrinista experiente, com produção autoral e obras editadas no mercado europeu, o franco-belga pesquisa muito. A escolha dela para a comissão curadora do 9º FIQ reflete o atual momento, o crescimento da produção de histórias em quadrinhos, seja em relação aos leitores ou a novos autores e autoras. As mulheres têm ganhado prêmios. Cris Peter, do Rio Grande do Sul, foi indicada na categoria colorista ao Prêmio Eisner, o maior dos Estados Unidos. A mineira Lu Cafaggi tem feito trabalhos para Mauricio de Sousa. Elas sempre criaram quadrinhos, mas ficavam em segundo plano neste mundo machista.

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