Em cartaz na cidade com a peça Contrações, Yara de Novaes recorda sua trajetória no teatro

Atriz e diretora está temporariamente de volta a BH

por Carolina Braga 13/04/2014 00:13

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Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press
(foto: Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Yara de Novaes queria ser bailarina clássica. Tinha apenas 12 anos quando matriculou-se no curso oferecido pelo Centro Mineiro de Dança Clássica. Como diria a atriz Myriam Muniz, logo viu que não dava para aquilo. “Tenho a perna grossa, o quadril largo e sou en dedans (pisa para dentro). Então era um horror, péssima”, lembra, com bom humor. A decepção com a dança carregava um problema: naquela altura, fim da década de 1970, já não dava mais para viver longe da arte.

A atriz e diretora está, temporariamente, de volta a BH. Ela está em cartaz com a peça Contrações, em que divide o palco com Débora Falabella. “A gente vem construindo juntas um jeito de fazer teatro. É muito confortável estar com a Débora em cena. Nos amparamos mutuamente”, diz. A direção é de Grace Passô. O momento é bom para recordar as origens do interesse de Yara pelo teatro. A paixão começou cedo e veio de casa. E foi dividida com o irmão mais velho, o escritor e dramaturgo Edmundo de Novaes Gomes.

Graças ao pai, as noites na casa dos Novaes Gomes eram preenchidas com literatura. Quase um ritual, Manoel convidava os filhos para abrir os ouvidos. “As histórias eram capitulares. Ele se colocava como narrador e, claro, aumentava umas coisas, fazia suas interpretações. Foi assim com Noites brancas, conto de Dostoiévski. Os romances Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Helena, de Machado de Assis, demoraram meses”, conta.

A mãe, Coeli, por sua vez, era a contadora de casos e anedotas. “Ela explodia para o absurdo e a fantasia. Tinha uma certa dramaticidade. Narrava e ao mesmo tempo atuava”. Ou seja, Yara e seus irmãos entenderam desde muito cedo a arte como forma de sublimação. “Para alguns, tem um efeito terapêutico. É um certo escapismo também. Mas, para todos nós lá de casa, era remédio”, afirma. Difícil seria seguir outro caminho.

Yara de Novaes completa 50 anos em agosto. Desde os 15, tem o teatro como meio de vida. O début foi na escola, então recém-criada por Pedro Paulo Cava. Como a grana era curta, tratou de garantir uma bolsa. Foi devidamente avisada que as faltas não seriam perdoadas. Óbvio que isso nem passava por sua cabeça. Já no segundo ano, a jovem atriz era monitora. “Foi indo e não parou. O teatro é como um caminhão sem freio, desembestado na ladeira”, compara.

Quem trabalha com ela garante que tem um modo muito sincero e particular de pensar o teatro. Apesar de trilhar carreira de professora em paralelo com as artes cênicas – dá aulas para turmas de direito e teatro executivo na FAAP, em São Paulo – não tem afetação teórica ou ânsia cega pela pesquisa e experimentação, obsessões comuns a certos colegas. Essas características fazem parte do entendimento que Yara tem do ofício que escolheu. É meio, não fim.

Para ela, o próprio pensamento teatral se resume a dois tópicos: paixão e trabalho. “Fazer teatro é menos uma escolha profissional e mais uma escolha de existir. Se fosse uma escolha profissional, seria um pouquinho mais inteligente. A gente lida menos com o mercado e mais com o ofício. Para lidar mais com o ofício é preciso ser vocacionado. Para isso, é preciso ser apaixonado”, resume.

Também não é possível, segundo Yara, levar a paixão adiante sem trabalho – e muito. E não se trata de buscar o êxito ou o reconhecimento. A artista fala de trabalho como processo de amadurecimento. Evita encarar a labuta como algo imediato, que tem que trazer louros. “É preciso pensar que tem a mesma dinâmica da vida e de que as coisas precisam de tempo”, sugere.

Clássicos e contemporâneos

Yara de Novaes fundou três companhias de teatro. Na década de 1980, junto com Wilson de Oliveira, foi uma das criadoras do Encena, no qual fez, entre outras montagens, A lira dos 20 anos (1984), Mão na luva (1994) e Beijo no asfalto (1996), até hoje uma das montagens mais emblemáticas do teatro mineiro. Depois veio a temporada ao lado de Carlos Gradin, na Odeon Cia Teatral. Foi a época em que iniciou pesquisa sobre a dramaturgia latino-americana e encenou O coordenador (2003).

Dois anos depois, já radicada em São Paulo, fundou com Débora Falabella e o produtor Gabriel Fontes Paiva o atual Grupo dos 3. Montagens como A serpente (2005), O continente negro (2007), O amor e outros estranhos rumores – 3 histórias de Murilo Rubião (2010) e a recente Contrações (2013), em cartaz no CCBB-BH.

Como diretora independente, encenou desde autores clássicos como Fernando Arrabal (Casablanca, meu amor), Shakespeare (Ricardo III), Dostoiévski (Noites brancas, que ouviu na infância, em narrativa paterna), Tchekov (Tio Vânia), Nelson Rodrigues (A serpente) e nomes contemporâneos. É fato que o número de convites para direção tem aumentado, o que ela encara sem deslumbre. “Vou ficar procurando aplauso, sucesso? Claro que é ótimo ganhar um prêmio, mas não é o que faz a minha cabeça. Juro por Deus. O que faz a minha cabeça é trabalhar”, garante.

Quando dizem que está vivendo um grande momento da carreira, Yara trata de baixar a bola. “Não fico qualificando tanto. Tenho uma relação muito consciente e empenhada com o presente. E esse presente é ligado à circunstância, ao que se apresenta.” Por mais que se defina como uma pessoa caseira, diz que é preciso sempre estar metaforicamente na rua e conectada às novas gerações. Confessa que construiu uma irmandade com os filhos Pedro, de 22 anos, e Rafael, de 16, além da sobrinha Silvia Gomez, que assina a tradução do texto de Contrações.

“O artista precisa realmente relacionar-se com o seu tempo. Isso é muito importante. Não significa que eu vá bater continência para tudo que seja contemporâneo ou que não vá dialogar com o que foi feito há muito tempo. É preciso que esteja antenada”, diz. E comprova que pratica o que diz: acompanha, mesmo de longe, a cena jovem de BH.

“Tem uma juventude aqui que é muito ligada à cidade. São artistas que têm uma responsabilidade com sua comunidade. Na minha época não tinha muito isso. Talvez o Galpão tivesse um pouco. O fato de ter ido para a rua era uma ocupação política. Hoje, tem-se uma preocupação de que o teatro esteja ligado com os acontecimentos”, analisa.

Em cartaz

Com texto do inglês Mike Bartlett e direção de Grace Passô, Contrações fica em cartaz até 4 de maio no Centro Cultural do Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400). Débora Falabella e Yara de Novaes interpretam, respectivamente, uma funcionária e sua gerente, em meio a discussões sobre comportamento no ambiente corporativo. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Em risco

Yara de Novaes se prepara para dirigir Noturno, do Grupo Teatro Invertido, com dramaturgia de Sara Pinheiro. Está disposta ao risco. “Não sei o que vai ser. Falei para eles: ‘Vocês são um grupo jovem, não precisa dar certo’.” Para ela, participar de qualquer tipo de projeto pressupõe envolvimento. Dali para frente é “trabalho, trabalho, trabalho”.

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