Ney Latorraca volta aos palcos em parceria com o diretor Gerald Thomas

Em 'Entredentes', ator retoma trabalho depois de problema de saúde que o afastou do teatro e da televisão

por Ailton Magioli 05/04/2014 00:13

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Carlos Sanches/Divulgacao
Ao ator, em ensaio. Ney festeja a recuperação da saúde e o prazer em trabalhar mais uma vez com o diretor, de quem destaca o cuidado com o texto (foto: Carlos Sanches/Divulgacao)

O palco é o melhor lugar para expor conflitos e desigualdades. A constatação de Ney Latorraca vem a propósito da crença de que o teatro continua sendo um dos principais canais de discussão da condição humana. É o que mostra Entredentes, de Gerald Thomas, que o ator paulista estreia quinta-feira, no Sesc Consolação (Teatro Anchieta), em São Paulo, ao lado do mineiro Edi Botelho e da portuguesa Maria de Lima.

Produto da parceria do polêmico diretor com o consagrado ator – antes eles fizeram Don Juan (1995) e Quartett (1996), além da participação de Ney em Unglauber (também de 1995), da Trilogia da B. E. S. T. A , em Portugal –, o espetáculo promove encontro, no Muro das Lamentações, em Jerusalém, de um islâmico radical e um judeu ortodoxo, com direito a crítica bem-humorada da cruel realidade contemporânea.

“Somos o único país em que há clubes e hospitais batizados de Sírio-Libanês. Não vivemos este tipo de conflito”, comemora o ator, que interpreta personagem mediúnico no novo espetáculo de Gerald Thomas. Comemorativo aos 50 anos de carreira de Ney, que vai completar 70 anos em julho, Entredentes marca o retorno do diretor à cena brasileira depois de Kepler, the dog – O cão que insultava mulheres, de 2008. Ney também está de volta depois de passar por sérios problemas de saúde.

“Em cena, o público vai ver uma pessoa voltando para o lugar dela: o palco. Este espetáculo é o meu renascimento”, afirma Ney. Para ele, “o palco é uma mesa branca em que os atores são cavalos de seus personagens”. E acrescenta: “O teatro é um ritual do qual o público também participa”. Ney admite ter-se livrado totalmente dos problemas pós-cirurgia de vesícula, no fim de 2012, que acabaram resultando em complicações dos canais biliares.

Ney Latorraca está muitíssimo bem. “Depois de oito anestesias, chegaram a pensar na possibilidade de eu ter de usar ponto eletrônico, diante de possíveis dificuldades em decorar texto”, recorda o ator, salientando que o novo texto de Gerald Thomas é uma “pauleira” de 80 páginas, decoradas por ele tranquilamente no período pós-cirurgia. Além do carinho do público e da classe artística, o ator lembra emocionado da assistência da empresa (TV Globo, na qual está há 40 anos), que teria bancado o tratamento médico dele.

Ausente das novelas desde Negócio da China (2008/2009), do amigo Miguel Falabella, o ator acredita que será difícil o retorno dele ao formato. “Só se for uma participação”, avisa Ney Latorraca, que também marcou presença no seriado SOS emergência (2010). O mais recente trabalho do ator na telinha foi protagonizando o especial de fim de ano Alexandre e outros heróis (2013), de Luiz Fernando Carvalho, que deverá voltar à grade da Globo ainda este ano.

Ano que vem, o ator será o grande homenageado do Prêmio Cesgranrio de Teatro 2015 pela contribuição às artes cênicas brasileiras. “Sou respeitado, só faço o que quero e sobrevivo da profissão”, festeja Ney Latorraca, admitindo estar mais para arara que para periquito. “Podia estar fazendo coisas de gabinete, mas preferi pegar no pesado”, orgulha-se da carreira, que, no fim do ano, irá contabilizar mais um filme. Sob a direção de Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, ele vai filmar no interior de Minas (Cataguases e Leopoldina) o argumento inédito que Lúcio Cardoso deixou para o diretor, Introdução à música do sangue.

Fumaça

Ney Latorraca conheceu Gerald Thomas aos 24 anos, quando o futuro autor e diretor tinha apenas 14. Foi na célebre montagem de O balcão, de Jean Genet, de 1969, em São Paulo, sob a direção de Victor Garcia. “Éramos 100 pessoas em um fosso, nuas, quase uma instalação”, recorda. “Durante um ensaio, pedi um café que me chegou pelas mãos de um menino que, mesmo não integrando o elenco, já estava inserido no processo. Tratava-se de Gerald”, acrescenta o ator.

“Inteligente, poliglota, cidadão do mundo, Gerald Thomas só faz o que quer, com quem ele quer”, elogia Ney, lembrando do trabalho do diretor com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, Marco Nanini, Marília Gabriela e Serginho Groissman, entre outros poucos. “Ele é daquele tipo de pessoa inteligente que só nos acrescenta a cada encontro, ensaio e mesa. Ele tira a gente da zona de conforto”, diz Ney Latorraca, admitindo que Gerald Thomas não deixou a criança que existe nele morrer.

Um mês antes de morrer, a mãe do ator teria pedido a ele que fosse trabalhar com o “homem da fumaça”, como se tornou conhecido Gerald Thomas pelas performances teatrais regadas a efeitos especiais no palco. “Na época, ele já havia me ligado para falar de Entredentes”, diz, emocionado, Ney Latorraca, que chegou a se hospedar nas casas de Londres (Inglaterra) e Nova York (Estados Unidos) do diretor para estudarem juntos o texto. “Gerald mexe muito no texto, por isso o teatro dele é bom”, conclui em tom de elogio.

Depoimentos

Gerald Thomas
Diretor e dramaturgo

“Trabalhar com o Ney é uma delícia. É uma delícia porque ele saboreia e se delicia no palco. Para quem é rato de teatro, como eu, tenho de me vigiar para não ter acessos de riso durante o ensaio: o ideal mesmo seria fazer um Being Ney Latorraca. Diz assim a atriz Maria de Lima na peça: ‘Como vocês brasileiros dizem Ney no plural?’. E o Ney responde: “NeyS, com S”. Ano que vem, serão 20 anos de amizade e trabalho com o Ney.”


Quase mineiro

Filho de um crooner e de uma corista mato-grossenses, que se apresentavam em cassinos Brasil afora, por pouco Ney Latorraca não nasceu mineiro. “Sou produto mineiro. Minha mãe trabalhava no Cassino da Pampulha e, durante uma visita à sogra, em Santos (SP), acabei nascendo, em 25 de julho. Por um triz não me tornei mineiro”, lembra o ator, que, até os 4 anos, viveu entre Belo Horizonte e outras capitais. “Quando voltava a BH, costumava sair com minha mãe e ficava impressionado como ela conhecia a cidade inteirinha”, emociona-se ao falar da mãe, que morreu em 1994.

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