Caçadores de obras-primas brasileiros e estrangeiros fazem de tudo para recuperar o patrimônio histórico e cultural

Minas é o único estado brasileiro a contar com uma Promotoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, criado em 2005

por Mariana Peixoto 23/02/2014 10:00

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Arte/EM
(foto: Arte/EM)
Hollywood gosta (e precisa) de heróis. Muitas de suas histórias, ainda que partam de fatos reais, ganham nas telas um quê de fantasia. Exemplo em cartaz nos cinemas é Caçadores de obras-primas, narrativa escrita, produzida, dirigida e protagonizada por George Clooney a partir do livro homônimo, de Robert M. Edsel, que refaz a trajetória dos Monument Men. Hoje com o status de fundação e em plena atividade nos Estados Unidos, têm seu início em 1943, quando o então presidente Roosevelt aprova a criação de um comitê para salvar monumentos e obras de arte em áreas de guerra.


Na história, 345 homens e mulheres de 30 países passaram seis anos na Europa recuperando peças que haviam sido saqueadas pelos nazistas. No cinema, pequeno grupo de especialistas é reunido para tentar alcançar o mesmo fim, sob o comando do oficial George Stout (Clooney). Misto de drama e aventura de resultado irregular, o filme tem como grande mérito apresentar, em larga escala, um trabalho que tem diferentes versões ao redor do mundo.

Minas Gerais é o único estado brasileiro a contar com uma Promotoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico. Foi criada em 2005, a partir de uma força-tarefa que dois anos antes reuniu as secretarias estaduais da Cultura e da Defesa Social, os institutos Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG) e do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), as polícias Federal, Militar e Civil, os ministérios públicos Federal (MPF) e de Minas Gerais (MPMG) e a Igreja e Associação das Cidades Históricas.

De 2003, quando os trabalhos foram iniciados, até hoje,  832 bens foram apreendidos, mas apenas 59 foram devolvidos a seus locais de origem. “A maior dificuldade é descobrir de onde são as peças. A identificação é um problema, pois demanda uma análise técnica pormenorizada. Tenho casos que estou investigando há cinco anos”, afirma o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, que está à frente da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC).

Uma grande exposição, em 2003, apresentou em BH peças que haviam sido apreendidas. Desde o ano passado, o Museu Mineiro tem um projeto de nova mostra com as peças recuperadas que estão depositadas em sua reserva técnica (119, entre imagens, castiçais e retábulos dos séculos 18 e 19). “Os recursos para a exposição já existem. Ela está dependendo de autorização judicial, pois algumas peças estão vinculadas a um processo”, afirma Marcos Paulo.

O interesse em realizar a mostra é grande, pois 2014 é tanto o Ano do Barroco quanto o bicentenário de morte de Aleijadinho. “Estamos aguardando a liberação das peças para agendar a exposição”, afirma Léo Bahia, chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Cultura e ex-superintendente de museus. O projeto museográfico está pronto desde o ano passado, quando a primeira data da exposição foi agendada. “A mostra deverá durar três meses e será na sala de exposições temporárias do museu. Foi criado um projeto para que se possa fazer uma itinerância da exposição (por outras cidades mineiras além de BH), o que tornará mais fácil a identificação das obras”, acrescenta Bahia.

Sem boletim A recuperação de peças é um trabalho quase que de formiguinha, muito diferente daquele romantizado pelo personagem Indiana Jones. A base de dados do MP conta com 702 bens desaparecidos. É uma parcela muito pequena, garante o promotor. “Minas perdeu 60% de seu patrimônio sacro e no banco de dados estão apenas peças acerca das quais houve denúncia. Nos furtos mais antigos, das décadas de 1960 e 1970, as pessoas não se preocupavam em fazer boletim de ocorrência.”

Ainda que a promotoria esteja envolvida na recuperação de outros tipos de bens, como documentos, de acordo com ele 98% das subtrações são de peças sacras. A maior parte das que estão na base de dados é formada por castiçais, seguidos por coroas e resplendores. Uma vez desaparecidas, têm destinos diversos. Na última semana foi devolvido à diocese de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, um crucifixo do século 18. Em 2008, a peça foi descoberta no site de compra e venda Mercado Livre. Estava sendo comercializada por R$ 5 mil. Já há quatro anos, a pia batismal da Matriz de Jequitibá foi apreendida numa residência em Sete Lagoas. Decorava a sala de visitas.

Reprodução / Internet
'Bouilloire et fruits', de Paul Cézanne, ficou 21 anos desaparecida (foto: Reprodução / Internet)


Brasil integra rede internacional

Em fevereiro de 2006, homens armados invadiram o Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, durante horário de visitação. Levaram obras como Jardim de Luxemburgo, de Henri Matisse, A dança, de Pablo Picasso e Marine, de Claude Monet. As três telas integram banco de dados da empresa britânica The Art Loss Register, única instituição privada do mundo a realizar o trabalho de recuperação de obras de arte roubadas. Seu banco de dados conta com 300 mil imagens de objetos e obras de arte roubadas em todo mundo.

É muito? Não na opinião de de Julian Radcliffe, diretor do Art Loss Register, que atua desde 1991. “Deveríamos ter 3 milhões de imagens no nosso banco. Os registros nos são enviados por seguradoras, colecionadores e polícia. Muito do material que circula nos é fornecido pela Interpol. Porém, eles só fornecem uma pequena porção dos objetos e, geralmente, muito depois de ocorrido o roubo. Os registros devem ocorrer logo após o roubo, porque assim é mais fácil de encontrar as obras antes de serem vendidas.”

De acordo com ele, em média 150 obras são recuperadas pelo Art Loss por ano. A empresa trabalha com 25 equipes, que vão atrás de objetos roubados com negociadores e em feiras e exposições. Entre as pinturas já recuperadas pelo Art Loss está Bouilloire et fruits, de Paul Cézanne, roubada de uma residência em Boston, em 1978. Foi recuperada 21 anos mais tarde, quando um homem tentou vender a pintura utilizando como fachada um advogado suíço e uma empresa panamenha. Posteriormente, a tela foi vendida por US$ 29,3 milhões. “Hoje, vale US$ 60 milhões”, garante Radcliffe.

A preferência dos ladrões, segundo ele, está em peças mais fáceis de serem transportadas. “Também joias, já que ouro e prata podem ser derretidos. Mas os mais valiosas são as pinturas.” Radcliffe comenta que igrejas são os locais mais fáceis de serem roubados, “pois não oferecem muita segurança.” Afirma que o número de peças de instituições e colecionadores brasileiros em sua base de dados é pequena. “Por favor, encoraje as pessoas a mandarem informações ao nosso banco. E também a checar bastante a procedência de uma obra antes de realizar uma compra.”

ESCUDO A Cruz Vermelha existe, desde a segunda metade do século 19, para resgatar e proteger vítimas de conflitos. O Blue Shield, Escudo Azul, no Brasil, é seu equivalente para o patrimônio cultural. Instituído em 2006 no país, o comitê ganhou seu braço mineiro em 2011, com a coordenação da diretora do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da UFMG (Cecor), Bethânia Veloso. “Um grupo de voluntários – restauradores, diretores de arquivos, de museus, professores, alunos – faz o diagnóstico de monumentos, um levantamento do risco que ele apresenta. No caso de catástrofes, o grupo aponta os problemas junto à Justiça, Corpo de Bombeiros etc. Isso pode ocorrer também em caso de roubo da obra, incêndio, alagamento, terromoto”, explica.

Isso é o que se faz internacionalmente. No país, os trabalhos do comitê ainda são morosos. De acordo com Bethânia, a atuação mais forte é a do Escudo Azul de São Paulo. Em Minas, os trabalhos começaram há três anos, com fôlego que foi arrefecendo no decorrer do tempo. “No início, fizemos vários encontros para começar o levantamento, primeiro em Belo Horizonte, para depois partir para outros municípios. O Escudo Azul não é uma ONG ou uma associação, mas um comitê voluntário. Criamos um estatuto, mas dependemos de assessoria jurídica para um parecer. Na época (da criação), vários órgãos ficaram de braços abertos para nos abrigar, mas precisamos de subsídio para nos manter, porque nenhuma ação do Escudo Azul pode ser remunerada”, continua ela.

Bethânia Veloso chama a atenção para a importância do trabalho que o comitê pode desenvolver. “Precisamos saber qual o risco que os monumentos estão correndo, para depois fazer uma política nacional de salvaguarda do patrimônio. Nisso inclue-se a situação dos museus, bibliotecas, arquivos e até sacristias de igrejas.”

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