Aleivosia quer dizer traição, deslealdade, capacidade de enganar. Mas o artista plástico paulista Stephan Doitschinoff, de 36 anos, conta que nas regiões de garimpo a palavra alude também à crendice que afirma que um garimpeiro volta depois da morte, caso tenha deixado diamantes escondidos, para proteger sua riqueza ou levar a mulher amada até ela. Aleivosia é nome do painel que ele criou no foyer do Sesc Palladium para o projeto Parede. O artista é conhecido por alegorias tecidas com interação de visualidade pop e símbolos arcaicos. É criador respeitado, com mostras em museus e dois livros editados na Alemanha. O mais recente, Cras, é uma reunião de trabalhos realizados entre 2008 e 2012, e vai ser lançado hoje, às 15h, com a palestra “Símbolos, ícones e histórias”.
O painel segue em linhas gerais a proposta que está presente em tudo que o artista faz. “Como trabalho com símbolos, o sentido da imagem é totalmente aberto, já que eles batem de forma diferente em cada mente e coração, dependendo da história de vida da pessoa”, observa Stephan. Ele já fez muitos murais, mas eles ficaram raros por estar se dedicando atualmente à realização de pinturas, instalações, vídeos e esculturas. Cras, título do novo (e luxuoso) livro, significa “amanhã” em latim, e vem da história de São Expedito, soldado que espancava e torturava os inimigos. Ao decidir deixar essa forma de vida para se tornar homem do perdão e do amor, o santo é tentado a adiar a decisão por um corvo que aparece gritando “cras, cras, cras”. Derruba então a ave e exclama: Hodie! (hoje, também em latim).
Stephan Doitschinoff vê seu trabalho de forma muito positiva, pela possibilidade de levar a arte para gente que nunca entrou numa galeria. “O mais importante é tomar posse do espaço público, que é de todos, e não pode ser propriedade de quem tem dinheiro para fazer anúncios.”
Alquimia estética
Stephan Doitschinoff tem 36 anos, nasceu em São Bernardo Campo (SP), foi criado em São Paulo e vive e trabalha em Lençóis (BA). Os símbolos presentes em sua obra têm sido creditados ao fato de o artista ser filho de um pastor evangélico, neto e bisneto de espírita e com passagem por terreiros de umbanda. Sem falar da juventude ligada a religiões orientais, alquimia e cena underground. Em 2006, ilustrou o álbum do Sepultura, Dante XXI, e ficou com o segundo lugar no Prêmio Jabuti de Literatura pela ilustração do livro Palavra cigana. Foi eleito em 2009 artista revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Tem feito exposições em instituições e galerias brasileiras, europeias e norte-americanas. Está pela quarta vez em Belo Horizonte, tendo participado de coletivas e lançado gravuras na cidade – pela qualidade do que faz, bem que merecia ganhar uma mostra individual.
A mudança para Lençóis, há dois anos e meio, é justificada por Doitschinoff como desejo de aprofundar pesquisa sobre sincretismo religioso e arte sacra. “Como é elemento sufocado nas grandes cidades pela cultura globalizada, procurei locais onde posso ver, por mim mesmo, de onde brotam manifestações únicas”, conta. Identificação de pontos de convergência entre festas populares da Bahia e do Norte de Portugal levou Stephan a ser convidado, pela Prefeitura de Lisboa, para conhecer a tradição das máscaras ibéricas e os artesãos de aldeias de Portugal, para aprender as técnicas locais. Em julho, criou folheto de gravuras na Gráfica Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte. “Incorporo a cultura popular com leitura pessoal na minha obra”, observa.
Cras
Lançamento do livro e palestra “Símbolos, ícones e histórias”, com o artista plástico Stephan Doitschinoff. Hoje, às 15h, no foyer do Sesc Paladium, Avenida Augusto de Lima, 420, Centro. Entrada franca. O livro custa R$ 230. O painel Ailevosia pode ser visto de terça a domingo, das 9h às 21h, até dia 5 de janeiro.