Adolescentes do Morro das Pedras se extasiam com obras de Candido Portinari

Por conta própria, professora Joana D'Arc Camargo levou alunos até a exposição no Cine Theatro Brasil

por Zulmira Furbino 28/11/2013 08:20

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Jair Amaral/EM/D.A Press
Alunos da Escola Municipal Hugo Werneck com a professora Joana D'Arc, que levou todo mundo para conferir 'Guerra e Paz' no Cine Theatro Brasil Vallourec (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A professora Joana D’Arc Camargo Loduca leciona há 32 anos – 22 só na rede pública municipal de Belo Horizonte. Ela nasceu no Aglomerado Morro das Pedras, na Região Oeste da capital, formado por sete vilas. Aos dois meses foi doada pela mãe, moradora de rua, a quatro irmãs que rezavam na Basílica de Lourdes. Joana visitou a exposição 'Guerra e Paz', de Cândido Portinari, que ficou em cartaz de 9 de outubro a 24 de novembro no Cine-Theatro Brasil, nada menos de 23 vezes. Em três, a professora, que aprendeu a amar as artes plásticas com as mães adotivas, deliciou-se sozinha com as maravilhas de um dos pintores mais aclamados do país. Nas outras 20 ela levou, em seu próprio carro, 26 crianças do 5º ano do ensino fundamental, arcando com despesas como lanche, estacionamento, gasolina e passeios.

 

Veja também como foi a desmontagem dos painéis de Portinari em BH

 

Foi assim que Candido Portinari, que gostava de retratar meninos pobres do interior – o pintor dos retirantes, sorveteiros, cavouqueiros e favelados, como dizia o escritor Antônio Callado –, deixou extasiados 26 garotos e garotas obrigados a conviver com os horrores do tráfico em BH. Privados de paz, eles conhecem de perto a guerra urbana.

Joana tem paixão antiga pelas artes plásticas e por Portinari em particular. É dona de incansável vontade de mostrar a seus alunos, crianças e adolescentes da Escola Municipal Hugo Werneck, um pouco da beleza da vida. Fazendo um paralelo com as sete Pietás (representação artística de Jesus morto nos braços da Virgem Maria) do painel 'Guerra', ela revela: “Na minha turma tenho também sete pietás. São crianças que perderam pais ou mães e, em um dos casos, a mãe e o pai para o tráfico”.

 

Veja fotos de 'Guerra e Paz' em BH

 

Antes de se decidir pela expedição – conduzia no máximo três crianças por viagem ao Cine- Theatro Brasil –, a professora Joana D’Arc tentou autorização da Prefeitura de Belo Horizonte para levar a turma em excursão. Não deu certo. Inconformada com a possibilidade de os meninos perderem a oportunidade de admirar ao vivo a obra do grande artista, tema de estudos da classe desde o início do ano, ela resolveu agir como cidadã.

 

Alunos de Joana D'Arc comentam a passagem da exposição 'Guerra e Paz' por BH:

 

“Dou aulas pela manhã e à noite. Durante a tarde, meu tempo é livre. Fui à casa de cada um dos alunos e pedi autorização aos pais ou responsáveis para sair com eles”, explica. Joana guarda na gaveta 26 bilhetinhos sujos e amassados, cortados irregularmente em tiras de três dedos. Eles representam o humilde “sim” dos pais a Portinari, o menino pobre de Brodowski. Na sala de aula, a professora pendurou os cartazes “Guerra” e “Paz”, comprados por seu filho mais velho. E também estudos feitos na Escola Guignard por sua própria mãe, com diferentes técnicas de desenho e pintura.

“Pensei que as crianças, que vivem em meio a uma verdadeira guerra diária, tinham o direito de descobrir que há uma possibilidade: a possibilidade da paz”, explica a professora. Ao se deparar com os imensos painéis do mais carismático pintor brasileiro, os estudantes puderam se reconhecer numa obra de arte. Na Guerra, como seria de se esperar, e na Paz, para surpresa deles mesmos. Diante do carrossel raisonné que exibia imagens das 5 mil obras catalogadas do pintor, os meninos perderam a fala.

A excursão pelo mundo da beleza durava das 11h30 às 18h. Incluiu também passeios à exposição do artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher, mestre da ilusão de ótica e dos paradoxos, no Palácio das Artes, além de idas à Praça do Papa, com direito a brincar nas gangorras do pátio arborizado do Instituto Libertas, no alto das Mangabeiras. Joana D’Arc conta que, numa das visitas ao Cine-Theatro Brasil, uma aluna passou mal e vomitou. “Ela não estava acostumada a andar de carro”, esclarece.

Comunhão
Por 45 dias, as filas que se formaram para ver os painéis de Portinari comprovaram que a inclusão social é possível – e mais que desejada. O retrato da comunhão entre o pobre e o rico, entre a dor e a alegria, entre o morro e a cidade. Alberto Camisassa, presidente da Associação Cine-Theatro Brasil Vallourec, diz que ali as diferenças foram superadas. “Todo mundo era igual. Nunca havia feito nada parecido na vida. Descobrimos um comportamento absolutamente exemplar neste mês e meio, com público de mais de 80 mil pessoas de todas as classes sociais e níveis de instrução. A atitude era de respeito”, observa. “Não houve um único tumulto na fila ou confusão lá dentro. Tudo ocorreu numa calma e numa paz que às vezes você não encontra no dia a dia da cidade”, constata.

Assista depoimento do Presidente da Associação Cine Teatro Vallourec  sobre a exposição 'Guerra e Paz':


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