Diretor de Um baile de máscaras fala de sua trajetória na arte

por Ana Clara Brant 09/11/2013 06:00

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Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
Anote as atividades que Bicudo já desempenhou: cantor, bailarino, apresentador de TV, economista, diplomata, fazendeiro, estilista e cenógrafo, entre outras (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)

Um especialista em generalidades. Um pesquisador da vida. Um guerrilheiro do belo. Essas são três expressões que resumem com propriedade quem é o carioca Fernando Bicudo, de 67 anos, que desde o fim do setembro está em Belo Horizonte, onde é o responsável pela direção cênica e a concepção da ópera Um baile de máscaras, que tem última récita hoje, no Palácio das Artes.

Se bem que para quem já foi cantor, bailarino, apresentador de televisão, economista, diplomata, fazendeiro, negociador internacional, estilista, figurinista, cenógrafo, diretor de teatro e de ópera e produtor de cinema, teatro e televisão, até que essas definições caem muito bem.

“Ah, e ainda tem arqueólogo amador, já que estou escrevendo um livro que deve se chamar Pré-Brasil e vai contar um pouco da história de vários sítios arqueológicos do país. Além dele, estou escrevendo as minhas memórias, com o nome previsto de Meus primeiros 70 anos, que devem ser lançadas em 2016, quando vou virar um setentão”, avisa.

 Bicudo sempre viveu intensamente e adianta que ainda tem muito a fazer. “Depois que você chega numa certa idade vai acumulando um monte coisas. E sempre fui curioso, por isso fiz muita coisa. A vida é uma só e tenho vários interesses”, completa.

Na temporada mineira, além de colecionar aplausos, críticas elogiosas e boa repercussão de sua ópera, Fernando Bicudo ainda leva na bagagem para o Rio o carinho dos familiares que vivem aqui, uma irmã e um irmão. BH também marcou sua infância, já que uma tia morava na capital mineira nos anos 1950. “A casa dela era na Avenida do Contorno, e eu jogava bola lá. Meu avô tinha uma fazenda em Bicas, onde passávamos as férias. Sempre tive uma ligação forte com Minas, tanto na vida pessoal quanto na profissional”, destaca.

Filho de militar e bailarina, ele acabou satisfazendo o desejo do pai, que fazia questão que Bicudo tivesse um diploma. Ele optou pela economia, porque queria entrar para o Itamaraty, e ganhou a vida com essa profissão. No entanto,  descobriu-se mesmo nas artes, ofício da mãe. “As minhas memórias mais antigas são artísticas. Mamãe era bailarina, pintora, estilista, e ela é, até hoje, minha musa, incentivadora e minha maior inspiração. Mas nunca quis ser artista; achava que arte era algo sublime, uma espécie de sacerdócio. Tinha uma admiração muito grande, mas não achava que ia dar conta de ser assim”, conta.

Nos anos 1970, com o endurecimento do regime militar no Brasil, Fernando Bicudo decidiu se autoexilar no Canadá, onde foi chefiar a trading do Banco do Brasil em Toronto e, posteriormente, trabalhar na embaixada do Canadá. E foi lá que acabou conhecendo as grandes companhias. Um belo dia, a esposa do cônsul sugeriu que Bicudo, notório por ser festeiro, organizasse um baile de carnaval. Era o início dos grandes eventos. “Fiz a festa em benefício da Ópera do Canadá. Eles emprestaram roupas e foi um sucesso. Até hoje tem esse baile em Toronto. A partir dali as coisas foram acontecendo. Nunca planejei nada. Sempre foi assim na minha vida”, frisa.

Renovação Depois de cinco anos na América do Norte, ele regressou ao Brasil nos anos 1980. Deixou uma empresa que abriu em Nova York, onde era estilista de calçados, e veio assumir a direção do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi durante sua gestão que o diretor Gerald Thomas despontou na produção O navio fantasma, de Richard Wagner. Bicudo lembra que já conhecia e admirava o trabalho do casal Daniela e Gerald, e foi então que os convidou para produzir a ópera. “Queria um Navio... que não fosse muito careta e os dois adoraram a ideia. Estavam acostumados com teatro alternativo e público de 60, 70 pessoas, e de repente se viram no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com plateia de 2,5 mil pessoas. Foi um risco que deu certo. O navio fantasma deu o que falar”, recorda.

Fernando Bicudo tem outros feitos importantes, como a reabertura do Teatro Amazonas, nos anos 1990, que causou imensa repercussão nacional e internacional, e a restauração do Teatro Arthur Azevedo, de São Luís, onde ficou por 12 anos. “Foram dois trabalhos dos quais me orgulho. No caso do Amazonas, por exemplo, foi um momento tão importantes que tivemos mais de 60 veículos de comunicação do mundo todo cobrindo a reinauguração. Para se ter uma ideia, foi na mesma semana em que o Collor assumiu a Presidência. Ele era o primeiro presidente eleito em 30 anos e ganhou uma coluna sem foto na revista Times. E eu ganhei uma página inteira e uma foto”, lembra.

Três perguntas para...

Fernando Bicudo

 

Como a ópera surgiu na sua vida?
Como mamãe era bailarina e cantora, frequento o Theatro Municipal do Rio desde os 6 anos. A primeira ópera que vi foi Madame Butterfly. Quando entrei no Municipal, parecia que estava entrando no céu. Olhei aquele teatro e fiquei deslumbrado. Era o paraíso. Como o frequentava semanalmente, era rato do teatro, me chamaram, quando tinha uns 12 anos, para fazer parte da claque. Tinha uma pessoa que comandava e assim que ele batia palmas a gente imitava (risos). Era um barato e ainda entrava de graça. E, curiosamente, muitos anos depois acabei virando diretor do Theatro Municipal.

Como vê o atual cenário do gênero no Brasil?
Sou de um tempo em que o Theatro Municipal recebia 25, 26 óperas por ano. Quando era garoto, vi temporadas incríveis com grandes artista brasileiros e estrangeiros. Cresci nesse ambiente. E depois foi só diminuindo… Nos anos 1950, o Municipal do Rio era considerado um dos cinco melhores do mundo. Todos os cantores do planeta queriam vir para cá e para o Colón, de Buenos Aires. Hoje, infelizmente, não temos mais isso. Mas acho que Belo Horizonte está ótima nesse sentido. Tem tido montagens incríveis nos últimos tempos. É até mesmo melhor que o Rio de Janeiro.

Como está sendo para você a temporada de Um baile de máscaras?
Olha, fiquei tão satisfeito que gostaria de levar Um baile de máscaras para o Rio. Mas é complicado, porque é uma grande produção e tem toda uma logística. Essa montagem tem tido uma repercussão maravilhosa. Muita gente veio do Rio, de São Paulo, e não só os ‘‘operamaníacos’’. Acho que isso é um demonstrativo de que Minas precisa se valorizar mais. Mineiro é meio tímido e nas artes você não pode ser assim. E aqui tem exemplos maravilhosos, como o caso do Grupo Corpo, que viaja o mundo inteiro. Mas com companhia de dança isso fica mais fácil. No caso da ópera, por envolver muito mais gente, é difícil. Mas é hora de ter um reconhecimento maior do que é feito aqui.

Arte sofisticada para multidões

Também é o responsável pelo recorde mundial de público de ópera, meio milhão de pessoas em Aida, de Verdi, apresentada na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 1986. A produção foi  montada no Metropolitan Opera House de Nova York e ganhou o Grammy de Melhor Gravação de Ópera, em 1989, com Placido Domingo e Aprile Millo. “Lembro-me de que ela foi encenada num domingo, no mesmo dia da final do Campeonato Carioca, entre Flamengo e Vasco. Enquanto a ópera deu 500 mil pessoas, o Maracanã teve 65 mil”, gaba-se ele, que é o atual residente da Associação Brasileira de Artistas Líricos, presidente da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro e também da Ópera Brasil, projeto cultural que se propõe a ser a primeira escola do Brasil a formar artistas completos, com cursos de teatro, dança clássica e popular, artes circences e música (canto e instrumentos).

Produtor de filmes como Kuarup, de Ruy Guerra, e A grande arte, de Walter Moreira Salles, o ex-diplomata e economista comandou a abertura da Eco-92, o espetáculo Amazônia viva, no Maracanãzinho, que foi transmitido para 55 países. E quando questionado qual trabalho que mais o enche de orgulho, confessa que ainda não está em seu currículo. “Ainda tenho um sonho dourado que, infelizmente, não posso falar. Se Deus quiser, hei de realizá-lo. Não posso nem dar dica. É um sonho que tenho, que talvez seja até uma missão. A cultura tem uma importância que os nossos políticos não reconhecem. E acho que uma das minhas missões de vida talvez seja justamente trazer essa consciência para os nossos governantes”, conclui.

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