Só a paixão explica: autores de biografias dizem que ofício não é compensador do ponto de vista financeiro

Autor do premiado Marighella, Mário Magalhães perdeu dinheiro com o livro

por Ana Clara Brant 03/11/2013 09:35

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Mário Magalhães dedicou nove anos para pesquisar e escrever a vida de Marighella e precisou contar com a ajuda da família para completar a obra (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
O que pensam os escritores responsáveis por contar histórias de vida? Curador literário do Festival de Biografias do Brasil e autor de Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo, obra premiada com o Jabuti, o jornalista Mário Magalhães largou o emprego de repórter especial para dedicar nove anos de sua vida ao projeto. Torrou todas as economias e chegou, inclusive, a fazer empréstimos. Só sobreviveu com a ajuda da esposa. “A Companhia das Letras (editora do livro) foi generosa, mas quase todos os gastos foram bancados por mim. Não existem apenas as despesas próprias do livro. Para se dedicar a ele é preciso abandonar outras atividades e o pé de meia vai sendo consumido também na subsistência da família”, informa.

Mário ainda afirma que, somando tudo o que ganhou com a venda de quase 30 mil exemplares e o que receberá com os direitos de cinema – ele negociou o livro para adaptação cinematográfica em um longa-metragem que será dirigido por Wagner Moura –, o valor chega a meros 15% do total de salários que receberia em seu antigo emprego no mesmo período. Foram 69 meses em que cuidou só do livro. “A biografia jornalística exige gastos com viagens, transporte, hospedagem, transcrição de gravações, cópias de documentos, contratação de pesquisadores no Brasil e no exterior, encomenda de cópias de documentos, adaptação de mídia antiga (microfilmes) para contemporâneas (digital) etc. Fazer uma biografia como deve ser é muito caro. Em suma, do ponto de vista financeiro, mergulhar em uma biografia equivale a suicídio”, frisa.

O jornalista, que assim como colegas e biógrafos teme as restrições impostas pela censura prévia, espera que, no fim das contas, reine o bom senso, pois segundo ele sempre houve mercado e interesse das pessoas pelo assunto. “Aprendi com um velho editor: gente gosta de gente. E quem faz a história, como protagonista, coadjuvante e figurante, é gente. O encanto das biografias é que elas narram a história por meio das pessoas. Podemos escrever que uma catástrofe provocou 1 milhão de mortes. Mas se contarmos a vida de uma só pessoa que se foi, seus triunfos e frustrações, suas superações, alegrias e tristezas, o que ela tinha para viver, o que se perdeu, os números ganharão rosto. De estatística, viram vida e morte. História não é estatística, mas gente. Por isso tantos leitores gostam desse tipo de livro”, defende.

Perfis
Eduardo Trópia/Divulgação
Ignácio de Loyola Brandão garante: biógrafo trabalha muito e não fica rico (foto: Eduardo Trópia/Divulgação)
Apesar de não se considerar um biógrafo, mas sim um jornalista fascinado por histórias e por personagens, Ignácio de Loyola Brandão tem cinco biografias no currículo (Fleming, descobridor da penicilina; Edison, o inventor da lâmpada; Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, Ruth Cardoso – Fragmentos de uma vida e a mais recente, que deve sair em dezembro, Fabrizio Fasano – Colecionador de sonhos) e uma infinidade de perfis publicados, sobretudo sobre empresários. No entanto, garante que nunca ganhou nenhuma fortuna com este tipo de trabalho.

“Até gostaria de ganhar (risos). Mas não existe escritor que ficou rico dessa forma. E também não existe biografia no Brasil que tenha vendido 100 mil ou 200 mil exemplares, mesmo as mais famosas. Elas demandam muito investimento de tempo, recursos financeiros, viagens; tem que ter bolsas de estudo, patrocínio. Pelo dinheiro mesmo, ninguém faz. Mas sim pelo prazer e pela paixão que você tem por aquela figura e por sua história”, ressalta Loyola Brandão.

Economista defende cobrança de biografado

Na contramão do que dizem os biógrafos, o economista e escritor Luiz Guilherme Piva lembra que biografias, em geral, vendem mais e dão mais lucro do que a literatura. Ele explica que isso se deveria ao fato de os biografados serem figuras que despertam grande interesse, seja histórico, cultural ou artístico, “e porque a leitura é muito mais fácil para um grande número de pessoas”.


Mestre e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), ele explica que, na contabilidade literária, do preço de capa de um livro, 10% são do autor; 30% da livraria; 30% da distribuidora; e os 30% restantes da editora. “O lucro do autor, nesse caso, é bem menor do que o dos players da cadeia produtiva.” Número, obviamente, que só não é pequeno quando as vendas são muito grandes. “Se for um autor desconhecido, ele terá notoriedade, e isso poderá gerar outras fontes, como palestras, artigos, novos livros, adaptações etc. Mas é usual que as editoras, sabendo o potencial de vendas da biografia de alguém que desperte muito interesse, paguem mais de 10% de adiantamento a autores consagrados.”

Diretor da gestora de ativos Angra Partners, Luiz Guilherme Piva chama a atenção para outras questões econômicas na cadeia de produção de biografias. Em primeiro lugar, destaca o volume de ganhos gerados na indústria a partir da vida e da obra de uma determinada pessoa. Em seguida, destaca que “esses ganhos vão para livrarias, distribuidoras e editoras (além da parte menor do autor), cuja relação com a vida e a obra do biografado é nenhuma”.

Custo de entrada
O economista ressalta que não é favorável à proibição ou leitura prévia das biografias – “o primeiro caso seria censura; o segundo poderá levar a processos pecuniários ou criminais”. Piva, no entanto, pondera acerca da cobrança por parte do biografado. “O que se depreende é que, economicamente, é justo que, se assim desejar, o biografado obtenha do setor produtor de biografias um acordo em que este último pague ao primeiro um custo inicial para produzir a biografia.”

Ele analisa que seria “como o capital inicial de quem vai abrir uma empresa ou obter uma franquia de um produto, ou construir um imóvel para alugar. É o chamado custo de entrada. Se esse custo for alto demais para o empreendedor, ou se não houver acordo, não haverá biografia, nem franquia, nem imóvel, nem empresa. Mas, ao contrário desses outros casos, pode ocorrer de o biografado não querer cobrar pela matéria-prima e autorizar que se produza a biografia sem tal custo inicial. Ótimo”, conclui.

• Vendas de livros por gêneros
» 1 – Literatura estrangeira – 33%
» 2 – Ficção infantojuvenil – 28%
» 3 – Religiões, crenças e esoterismo – 11%
» 4 – Autoajuda – 7%
» 5 – Biografias – 6%
» 6 – Literatura brasileira – 6%
» 7 – Turismo, lazer, culinária – 6%
» 8 – HQ e jogos – 3%

• Biografias mais vendidas
» 1 – Nada a perder 2 – Meus desafios diante do impossível, de Edir Macedo, Editora Planeta Brasil
» 2 – Nada a perder – Momentos de convicção que mudaram a minha vida, de Edir Macedo, Planeta Brasil
» 3 – Uma prova do céu, de Eben Alexander, Sextante
» 4 – Casagrande e seus demônios, de Walter Casagrande Jr., Globo
» 5 – Um gato de rua chamado Bob, de James Bowen, Novo Conceito
» 6 – Diário de Anne Frank, de Anne Frank e Otto Frank, Record
» 7 – Dirceu – A biografia, de Otávio Cabral, Record
» 8 – Giane – Vida, arte e luta, de Guilherme Fiúza, Sextante
» 9 – Steve Jobs, de Walter Isaacson, Cia das Letras
» 10 – Uma vida sem limites, Nick Vujicic, Novo Conceito

Fonte: Painel de Livros da GFK Brasil (empresa de pesquisa de mercado). Referem-se às vendas no varejo, em livrarias, lojas on-line, hipermercados e lojas de departamento. Dados de janeiro a setembro de 2013.

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