Obra de Arlindo Daibert é tema de mostra e seminário em Juiz de Fora

Artista plástico mineiro que morreu há 20 anos criou séries inspiradas em obras de Guimarães Rosa e Mário de Andrade

por Sérgio Rodrigo Reis 16/08/2013 00:13

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Arlindo Daibert/Reprodução
Universo do sertão de Guimarães Rosa pelo traço e cores de Arlindo Daibert (foto: Arlindo Daibert/Reprodução )
O artista plástico de Juiz de Fora Arlindo Daibert (1952-1993), pouco antes de morrer, estava às voltas com trabalho que, para época, esbarrou com dificuldades para sair do papel. A ideia era criar um livro multicultural a partir de um processo curioso: enviaria para pessoas ao redor do mundo uma carta solicitando um desenho. Quando chegasse, faria uma compilação numa obra de referência. “Queria construir um livro hipercultural com esse diálogo a partir de uma leitura pictórica. Já estava com o conceito da internet na cabeça”, lembra a amiga Enilce Albergaria Rocha. Em vários aspectos, o seu legado, 20 anos depois de sua morte, ainda mantém o caráter visionário.

Arlindo Daibert/Reprodução
(foto: Arlindo Daibert/Reprodução)
Arlindo Daibert foi desenhista, gravador, pintor e professor. Também deixou uma marca como ativista político, engajando em várias causas, sobretudo as relacionadas à cultura e preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Produziu muito, mas morreu cedo, aos 41 anos, vítima de um aneurisma. Seu legado, desde então, tem sido pouco apresentado fora da terra natal. A família e amigos preparam eventos para lembrá-lo. O Museu de Arte Murilo Mendes vai promover, entre os dias 30 deste mês e 2 de setembro, a mostra Arlindo Daibert: 20 anos. Serão exibidas série de vídeos e obras, bem como será realizada mesa-redonda com participação dos estudiosos Elza Nogueira, Júlio Castañon e Jorge Sanglard. A medição será do professor Afonso Rodrigues.

O projeto da família para disponibilizar a obra é ousado. A intenção é catalogar o acervo e disponibilizá-lo num site. Para tanto, buscam parceiros. “Muitas obras acabaram se perdendo”, diz o irmão, Anderson Daibert. Ele conta que a família tem uma mapoteca com criações de vários períodos, feitos no Brasil, França e Inglaterra. “A intenção é vendê-las. Não fez para ficar guardado. Se não temos como colocar em paredes, vamos dispor. Também pensamos em reeditar a série de xilogravuras do Grande sertão: veredas, pois temos as matrizes”, adianta. Os trabalhos inspirados na literatura de João Guimarães Rosa marcaram a trajetória de Daibert.

Formado em literatura pela Universidade Federal de Juiz de For a (UFJF), Arlindo Daibert, vez por outra, realizava aproximações com este universo. Além dos desenhos inspirados no autor mineiro, que o lançou rumo a uma reflexão sobre o realismo fantástico do regionalismo brasileiro, também fez imersões nos livros Macunaíma, de Mário de Andrade, e Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, produzindo outras séries. Os trabalhos se encontram hoje no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde permanecem em reserva técnica.

Introspecção
Arlindo Daibert/Reprodução
A riqueza cultural das referências de Macunaíma traduzida em imagens (foto: Arlindo Daibert/Reprodução)

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(foto: Arlindo Daibert/Reprodução)
O entusiasmo com a sua produção plástica não combina com a personalidade de Arlindo Daibert. “Era introspectivo e vivia no mundo dele. Era pacato e voltado à criação, desde sempre me recordo dele estudando”, comenta o irmão Anderson. O amigo Jorge Sanglard lembra-se dele de outra forma, como intelectual e ativista político. “Ele se colocava muito nas lutas sociais. Ajudou em campanhas importantes, como a de transformar o Cine Theatro Central num teatro municipal. Também esteve na linha de frente para recuperar a extinta Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas, transformando-a em centro cultural. Teve ainda empenho decisivo para a vinda do acervo do escritor Murilo Mendes da UFJF”, salienta.

Mesmo com a importância em variados segmentos, o legado do artista ainda merece melhor atenção. “Apesar de ser um dos maiores desenhistas de sua geração, seus trabalhos são pouco vistos. Os que estão no MAM do Rio permanecem a maioria do tempo em reserva técnica”, lamenta Sanglard. Para ele, até em Juiz de Fora a trajetória deveria ser melhor lembrada. “A
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(foto: Arlindo Daibert/Reprodução)
cidade deve uma retribuição pela atuação de Arlindo como artista e intelectual”, salienta ele, que é um dos envolvidos na homenagem. Nícea Nogueira, diretora do Museu Murilo Mendes, onde serão realizadas os tributos, reforça o discurso. “Foi um artista importante para a cidade e trabalhou bastante para a formação dos jovens”, conclui.

Diálogo com a literatura

Arlindo Daibert foi desenhista, gravador, pintor e professor. Formado em letras em 1973, sempre dividiu o interesse com as artes plásticas. “Passava as aulas prestando atenção mais ou menos naquilo que estava sendo dito e desenhando o tempo todo”, lembra Enilce Albergaria Rocha, professora da Faculdade de Letras da UFJF. Ao longo da vida transitou pelas duas áreas, estabelecendo diálogo entre a pintura, o desenho e a literatura. “Realizou a tradução semiótica de obras literárias com a preocupação de discutir a identidade brasileira”, explica a professora.

A produção plástica deu a ele premiações importantes, que lhe possibilitaram viver na França, entre 1975 e 1976, quando frequentou o Atelier Calevaet-Brun, em Paris. Sua projeção internacional veio com o prêmio Ambassade de France. Conquistou
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(foto: Arlindo Daibert/Reprodução)
prêmios em outros países, como Portugal, Israel e Uruguai. Ao voltar ao Brasil, já com reconhecimento, realizou individuais nas quais expôs desenhos organizados em séries temáticas: Alice no país das maravilhas e Gran Circo alegria de viver. As referências à literatura são recorrentes e, em 1982, criou a série Macunaíma.

Em 1984, entrou para o Departamento de Artes da UFJF. Dirigiu o projeto de estudo e organização do acervo de artes plásticas do poeta Murilo Mendes (1901-1975). Nesta fase, passou a coordenar e realizar diversas curadorias de exposições. Uma das séries mais festejadas, a inspirada no universo do livro Grande sertão: veredas, se tornou conhecida em 1998, quando saiu um livro reunindo todas as imagens. Se falta ao artista maior reconhecimento institucional, por outro lado, sua obra tem tido crescente valorização no mercado artístico.

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