Jovens autores repensam seu lugar no teatro, criando espaço para obras de características as mais variadas

Projetos como o Janela de Dramaturgia promovem leitura de textos

por Walter Sebastião 15/07/2013 06:00

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Ethel Braga/Divulgação
"São trabalhos de pessoas que acreditam na palavra ou se sentem instigadas por ela"- Vinícius Souza, idealizador do Janela de Dramaturgia (foto: Ethel Braga/Divulgação)
Existem novos dramaturgos em Belo Horizonte? Sim, responde Vinícius Souza, de 25 anos, idealizador do projeto Janela de Dramaturgia, que, ao lado do Cenas Curtas, do Galpão, tem como foco os novos autores. “A atividade do escritor existe hoje em grupos, misturada a outras funções. Há vários escritores-atores”, explica. Alimentando essa movimentação está a necessidade de escrita em contexto em que não há escolas voltadas para a atividade, o que faz com que a produção de textos seja desenvolvida em companhias. Exemplos, aponta, podem ser as montagens de Luna Lunera, Quatro los Cinco, Primeira Campainha , Cia. 5 Cabeças e Cia. do Xá, entre outros grupos. “São janelas dos novos dramaturgos”, avisa.

Todo esse movimento, para Vinícius, revela o desejo de repensar o lugar do dramaturgo, da palavra e do texto na cena contemporânea. “Há desde escritas frenéticas, abstratas, imersas em falatório em torno de assuntos atuais, como o trabalho de Éder Rodrigues, até textos delicadíssimos, narrativos, sobre velhice, falta de amor, como os de Alice Vieira”, exemplifica. São escritas, continua ele, voltadas para a cena, fomentando pesquisas, que exploram a relação entre o ator e o espectador e, nesse sentido, diferente dos textos tradicionais. “São trabalhos de pessoas que acreditam na palavra ou se sentem instigadas por ela”.

O projeto Janela de Dramaturgia surgiu em 2012 e, desde então, já promoveu a leitura de quase 20 textos. As próximas programações, sempre às 20h e no Teatro Spanca, são: dia 13 de agosto, 'Faetonte', de Guilherme Lessa, e 'Compartilhamento de histórias de homens comuns', de Ricardo Alves Jr.; dia 10 de setembro, 'A carne sua', de João Filho, e 'Miração', de Rafael Fares.

Sidney Lopes/EM/D.A Press
"Você pode imaginar qualquer coisa. E o texto, na boca de alguém, ganha vida"- Byron O'Neill, dramaturgo, roteirista, escritor (foto: Sidney Lopes/EM/D.A Press)
Absurdo


Byron O’Neill tem 33 anos e é formado em teatro. Mas desdobra a formação em múltiplas atividades. Escreve e dirige peças, é responsável por criações coletivas, faz roteiros para longas e curtas. Sobrevive filmando peças e shows. Já dirigiu um documentário sobre o Festival Estudantil de Teatro (Feto), foi o diretor de fotografia e preparador de atores do longa 'Família', de Guilherme Reis. “Danço conforme a música”, brinca. “Mas o que mais gosto é de escrever”, acrescenta.

“Escrever é atividade solitária, mas livre. Você pode imaginar qualquer coisa. E o texto, na boca de alguém, ganha vida”, encanta-se. Ele já teve uma peça curta no Festival Internacional de Teatro ('Cinco cabeças esperando o trem') e uma longa ('Cachorros não sabem blefar'), ambas apresentadas pelo grupo dele, a Cia. 5 Cabeças. A última está a caminho de São Paulo, onde participa do Rumos Cultural, além de fazer temporada no CIT-Ecum.

“Escrevo para a cena. Não são textos de gaveta nem para ler em casa”, avisa. “O que faço é pesquisa baseada no teatro do absurdo, procurando chegar ao público mas sem ser comédia rasgada”, conta Byron O’Neill. Foi com satisfação que viu, em Manaus, Cinco cabeças… aplaudida, em cena aberta, por quase 700 espectadores. “Há várias maneiras de chegar ao público. Não precisa ser apenas com clássicos ou comédias. As pessoas podem gostar ou não, mas são mais inteligentes do que se imagina.”, garante.

Recorrente nos textos, conta Byron, é a questão do tempo que não passa, da incomunicabilidade, de se sentir aprisionado. “São questões, desde sempre, humanas. Mas que, às vezes, acho estão mais presentes hoje, neste momento incerto e sem norte”, observa. Tempos de cinema, internet, “bombardeados de imagens”, para o escritor, favorecem o teatro: “É a força do presencial, na contramão, ali e agora”, afirma.

"Montagens feitas a partir de criação coletiva exigem do ator mais do que apenas interpretar"- Marina Viana, atriz e dramaturga
Crianças


Raysner de Paula, de 23 anos, é ator e adora escrever. Ele é autor de 'O menino que sonhava', apresentada pelo grupo Mamãe Tá na Plateia. Ele atua, ainda, na Prekária Cia. de Teatro. Tem inédita outra peça: uma releitura de 'João e Maria'. “Nem sei se 'João e Maria' é para crianças. Gostaria de ver encenado no horário das 17h. Se a pessoa não tiver filhos, pode ir sozinha”, observa.

“Há muito encanto em ter uma ideia, escrever um texto e vê-lo em cena”, garante Raysner. “Não é vaidade. É a magia de ver sua ideia casando com a dos outros, ganhando outra força e dimensão. Dá muito prazer sentir que você foi o catalizador daquilo que vê em cena”, afirma. Não esconde, com bom humor, que não gosta de ver os diálogos dele mudados. “O resto pode mudar”, observa, mas como, até agora, foi ele mesmo quem dirigiu os textos, não teve que enfrentar esse problema.

Com relação aos valores que admira ele destaca beleza e poesia, além de diálogos benfeitos. “Gosto de obras cuja potência vem de algo simples, cujas situações refletem muitas coisas. E de teatro que possa ser visto por minha mãe e gera conversa com meus colegas que estudam artes cênicas”, observa. Uma satisfação? “Ver minha geração fazendo teatro, dando seu recado, ocupando seu espaço, marcando presença”, responde.

Lucas Fabrício./Divulgação
"Há muito encanto em ter uma ideia, escrever um texto e vê-lo em cena" - Raysner de Paula, ator e escritor (foto: Lucas Fabrício./Divulgação)
Texturas


“Sempre escrevi. Escolhi o texto como minha expressão”, afirma a atriz Marina Viana, de 32 anos. Ela tanto já encenou o que produziu quanto atuou em vários grupos, compilando e estruturando texto de várias pessoas. “Montagens feitas a partir de criação coletiva exigem do ator mais do que apenas interpretar”, afirma. Para a Primeira Campainha ela escreveu 'Dinossauros, galinhas e dragões', que a levou especular sobre novo processo de escrita: o control C/control V. Isso é: recortar e colar textos, ressignificando ideias vindas de muitas fontes. Que rendeu polêmica quando a peça foi indicado para prêmio na categoria de texto original. Mais dois trabalhos – 'Pequenina América' e 'Sua avó $ifrada de escrúpulos' – foram apresentados pela Cia. Mayombe

Encomenda de um amigo ator que mora em Mato Grosso do Sul está valendo a Marina Viana, pela primeira vez, produzir texto (em parceria com Éder Rodrigues), “a quilômetros” dos atores. Não se impressiona com a possibilidade do realizado ser picado por necessidades cênicas. “Sou apegada ao texto, mas, como sou atriz, entendendo que quem manda no espetáculo é o ator”. Ela confia tanto nos intérpretes, e vê no teatro soma de elementos, que, às vezes, conta, é displicente com a estrutura dramática. “É tarefa do ator se apossar daquilo”, observa. A autora discorda que o texto esteja ausente na cena contemporânea (“A palavra é um elemento, entre outros, da montagem”). “O que vislumbro, agora, é a geração nova, que quer pensar o texto com concepções diferentes das do teatro tradicional”, analisa.

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