Engenheiro carioca Vicente de Britto Pereira aborda dramas do alcoolismo em livro

Em "Ensaios sobre a embriaguez", ele parte de sua experiência pessoal para conquistar o leitor

por Carlos Herculano Lopes 30/06/2013 00:13

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Federico Leon/divulgação
"Em suma, restou um fio de vida, uma parcela de juízo, a certeza de que a vida virou um inferno completo" - Vicente de Britto Pereira, sobre o alcoolismo (foto: Federico Leon/divulgação)
O abuso excessivo do uso de álcool, com todas as danosas consequências para a saúde física e emocional das pessoas, é o tema central do recém-lançado "Ensaios sobre a embriaguez", livro de Vicente de Britto Pereira.

O autor conseguiu se livrar do vício há 10 anos. A partir de um estudo consistente que envereda pela literatura e a psicanálise, além de oferecer vasta bibliografia sobre o tema, Pereira vai mostrando, com lucidez, como a dependência, ao longo da história, envolveu e continua envolvendo milhões de pessoas. Em vários países – inclusive o Brasil –, o alcoolismo é um dos principais problemas de saúde pública, independentemente de idade ou classe social do usuário.

Carioca, o autor mora em Porto Alegre (RS) com a mulher, a escritora Lya Luft. Com discernimento próprio de quem sentiu o problema de perto, Britto Pereira avisa: o livro se inspira em sua experiência pessoal. No entanto, ao longo dos ensaios, ele não faz qualquer apologia  nem se mete a mudar a cabeça de ninguém.

O autor afirma que seu ponto de partida é totalmente isento de preconceitos ou de ideias preconcebidas sobre o alcoolismo. Ele também evita discutir políticas públicas específicas para dependentes e indicar caminhos para a recuperação de quem tem problema com as drogas – inclusive o álcool.

“Tento simplesmente entender o discurso e a busca do alcoolista. Nesse sentido, posso afirmar com segurança: são raros os estudos com esse tipo de abordagem. A contribuição que pretendo dar é apenas meu olhar singular e diferenciado, como se estivesse olhando para mim próprio”, afirma.

Religião

Vicente de Britto Pereira se formou em engenharia mecânica e deu aulas de história econômica na PUC Rio antes de se mudar para o Rio Grande do Sul. De acordo com ele, o uso de drogas e de bebidas alcoólicas variou ao longo do tempo e tem as mais diversas motivações – de religiosas a ritualísticas e sociais –, usadas de forma positiva ou negativa pelas pessoas.

Atualmente, adverte, o consumo de drogas transcende em muito a questão individual, o que traz consequências sociais inimagináveis para os usuários. Britto Pereira é enfático: “Não há possibilidade alguma de recuperação sem alta dose de realismo quanto a seu estado de saúde e, principalmente, quanto a suas perdas e sofrimento”.

A propósito, os dois últimos capítulos são comoventes. Em “A sutileza do alcoolismo”, o autor mostra como o dependente vai se degradando, passo a passo, até chegar ao tão falado fundo do poço. Em “A recuperação possível”, ele aconselha ao alcoolista manter distância física e emocional da bebida, recomendando-lhe paciência e serenidade. Só a leitura desses dois capítulos vale o livro.

Record/Reprodução
(foto: Record/Reprodução)
TRECHOS


“O sujeito objeto de nossas especulações começou a consumir bebidas alcoólicas de forma convencional, em reuniões e festas familiares, em companhia de amigos, em saídas com pessoas de outro sexo, em suma, da mesma forma que milhões de outros indivíduos.”

“Gradativamente, o nosso sujeito coloca o álcool cada vez mais em seu cotidiano, em almoços de negócios, em happy hours diários e em qualquer ocasião especial, para comemorar ou se lamentar. Nesta fase, o nosso sujeito, quando bebe, melhora muito o seu desempenho; torna-se desinibido, raciocina com clareza, sua libido aumenta.”

“Em termos pessoais, os efeitos da sobriedade são difíceis de ser caracterizados e, mesmo, indescritíveis, tanto para o bem quanto para o mal. Ela não é mais aquela pessoa que bebia, mas também não é aquela pessoa idealizada antes de começar a beber. Ela é uma nova pessoa, que necessita ser construída diariamente, e que realisticamente pode ou não ser aceita pelas pessoas que com ela conviviam. Nesse sentido, a sobriedade não é um passaporte para a fama, mas algo bem mais complexo em sua reconstrução.”

ENSAIOS SOBRE A EMBRIAGUEZ

. De Vicente de Britto Pereira
. Record, 223 páginas, R$ 34,90

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