Autor português de romances sobre os papas fala de lançamento brasileiro em entrevista ao EM

Luís Miguel Rocha se prepara para a chegada de 'A filha do papa' em edição tupiniquim; escritor mescla ficção e realidade em polêmicos romances sobre a Igreja Católica

por Carlos Herculano Lopes 12/05/2013 07:00

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Thiago Almeida/divulgaçaõ
(foto: Thiago Almeida/divulgaçaõ)
Desde 2005, quando começou a escrever, num misto de realidade histórica e ficção, romances sobre alguns papas, o escritor português Luís Miguel Rocha não fala em outra coisa. Dedica-se exclusivamente ao tema. Afinal de contas, tem valido a pena: traduzido para 30 línguas, seus livros já venderam mais de 1 milhão de exemplares ao redor do mundo.
 
O mais recente romance da série, 'A filha do papa', no qual conta a história de Pio XII, com todos os desdobramentos, inclusive de que teria colaborado com os nazistas, e tido uma filha com sua secretária, a madre Pasqualina, será lançado em breve no Brasil, pela Editora Pensamento. Em Poços de Caldas, onde esteve recentemente para participar da Flipoços, 
Luís Miguel falou com o Estado de Minas. 

Depois do sucesso de 'O último papa' você dá sequência à série sobre a história de alguns pontífices e se prepara para lançar no Brasil um romance sobre Pio XII. Como começou seu interesse por esse tema?
 
Tudo começou devido à minha relação com alguns vaticanistas. Há dois tipos deles: uns são jornalistas, correspondentes no Vaticano; outros estudiosos do Vaticano. Foi com este último grupo que me entrosei. A partir de então, passei a pesquisar a respeito. Até 2005, quando isso ocorreu, eu não sabia nada sobre o Vaticano ou seus ocupantes. Apenas que o papa aparecia nas janelas aos domingos, para saudar o povo na praça. Quando da morte de João Paulo I, em 29 de setembro de 1978, tive a ideia de escrever a respeito, abordando meandros da morte dele. Hoje em dia, digo sem modéstia, não sei mais sobre o Vaticano, apenas sei mais depressa quando alguma coisa importante ocorre lá. Se algo ocorrer hoje, por exemplo, daqui a poucos minutos fico sabendo. 

Por quem, pelos vaticanistas?
 
Tenho minha rede de informantes a respeito das coisas que ocorrem lá, assim como os vaticanistas. Sempre nos encontramos para discutir a respeito e, assim, vamos tirando nossas conclusões. No caso da renúncia do papa Bento XVI, desde o ano passado sabíamos que alguma coisa importante se passaria na Igreja Católica; não que o papa renunciaria, pois isso ainda não havia ocorrido na história contemporânea – a última renúncia havia sido em 1415 – e outra, voluntária, datava de 1295. Mas que coisas sérias estavam ocorrendo nos bastidores, disso tínhamos conhecimento. 

De 2005 para cá, desde que começou a estudar sobre o Vaticano, você já escreveu quatro romances sobre o tema, incluindo 'O último papa'. Quais foram os outros, e sobre a história de quais papas?
 
Além de 'O último papa', sobre João Paulo I, escrevi 'Bala santa', sobre o atentado a João Paulo II; 'A mentira sagrada', sobre as últimas teses históricas a respeito da vida de Jesus; e 'A filha do papa', que sairá no Brasil. Neste livro conto a história de Pio XII, o papa que governou a igreja durante a Segunda Guerra Mundial, e que despertou muitas polêmicas. 

Inclusive a de que teria colaborado com os nazistas... 
 
Sou admirador de Pio XII, para mim, o melhor papa do século 20. Escrevi o livro por duas razões: a primeira, como provocação pelo fato de a Igreja, instituição que tem como lema ‘‘amai-vos uns aos outros’’, não deixar seus integrantes se amarem, se casarem e serem felizes. Havia um fato histórico, o relacionamento de mais de 40 anos do papa Pio XII e sua governanta, madre Pasqualina Lehnert. De 1917 a 1958, eles viveram juntos. Foram amantes, companheiros, confidentes. Ela foi tudo na vida dele. Ninguém falava com ele sem passar por ela. Nos anos 1960, depois da morte de Pio XII, surgiram rumores não comprovados de que eles tiveram uma filha, Ana, que teria vivido sob a guarda de uma família em Roma. Essa foi a primeira razão. A segunda razão – para mim a mais importante – foi tentar reabilitar perante o mundo a imagem de Pio XII, contradizer a falsa teoria de que ele teria sido aliado de Hitler e contra os judeus. Isso nunca ocorreu. Seu melhor amigo, desde a infância, era um judeu sefardita, Guido Mendes, descendente de portugueses. A meu ver, a razão principal de Pio XII ainda não ter sido beatificado foi o fato de ele ter vivido com Pasqualina, a mulher mais poderosa da Igreja de todos os tempos. 
 
Quais as maiores dificuldades encontradas para pesquisar uma instituição teoricamente fechada?
 
Existe essa ideia, mas a realidade é diferente. Todos os países têm seus arquivos secretos, o Vaticano também. Mas, como outros países, ele cumpre as leis internacionais de disponibilização de informações. Ter acesso à biblioteca e aos arquivos é relativamente fácil, pude comprovar isso. É obvio que, como os demais países, há papéis secretos ou confidenciais. Mas o que está disponibilizado qualquer um pode pesquisar. 

Você também endossa a teoria de que João Paulo I teria sido assassinado?
 
Acredito, e todos os indícios levam a essa conclusão. Ele foi encontrado à noite, encostado na cabeceira da cama com os trajes do dia, óculos no rosto e uns papéis na mão. O primeiro comunicado relata que ele foi encontrado morto às 6h30 da manhã, pelo seu secretário John Magee. Ocorre que, como está registrado, às 5h21, saiu do Vaticano um carro para buscar os irmãos Signoracci, os embalsamadores oficiais. Como então dizer que o corpo foi encontrado depois? Essa é a primeira disparidade. Depois foi consultado o médico Ricardo Buzonetti, que diz que ele morreu de infarto do miocárdio, às 23h. Mas os irmãos Signoracci deram entrevista dizendo que o corpo estava quente quando chegaram. Prefiro acreditar neles a acreditar no médico. E como um homem que sofre um infarto no miocárdio continua com papéis na mão? Há ainda o fato de ele ter sido encontrado com os óculos. Quem o conhecia sabia muito bem que ele só usava óculos para enxergar longe.

Há outras versões?
 
Um dos grandes vaticanistas, o jornalista espanhol Juan Arias entrevistou, em 1978, a irmã Vincenza, que todas as madrugadas, às 4h45, levava o café para João Paulo I. Ela, ingenuamente, confessou ter sido a primeira a ver o papa morto. A partir daí, nunca mais ninguém conseguiu ver irmã Vicenza, que foi levada para um convento e fez voto de silêncio. Juan causou grande polêmica e o Vaticano acabou reconhecendo que quem encontrou o papa morto foi ela. Outro fato curioso: uma semana antes da sua morte, João Paulo I recebeu visitas de agentes do tesouro americano, que disseram que ele tinha uma instituição criminal no Vaticano, chamada Instituto para Obras da Religião (IOR), hoje conhecida como Banco do Vaticano. O papa mandou abrir auditoria para apurar irregularidades e tinha documentos em seu poder. É provável que muitos desses papéis estivessem em suas mãos, quando ele foi encontrado morto. 

Como você vê a eleição do papa Francisco para a Igreja, especialmente em relação à América Latina?
 
Com muitas esperanças. Do ponto de vista teológico, não precisamos esperar nada de novo. Resoluções em termos do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que mulheres possam ser ordenadas padres, fim do celibato, nada disso acontecerá. O que se espera de Francisco é uma reestruturação e reformulação do Estado Cidade do Vaticano. Quando pensamos no papa, nos vem à mente, erradamente, que ele é somente um líder da Igreja Católica. Ele também é isso. Mas esta não é a parte fundamental, nem a mais importante. O papa é, acima de tudo, um chefe de Estado. Portanto, as funções dele são mais políticas do que religiosas, que já estão alinhadas. O que se espera de Francisco é que ele faça uma reformulação política completa na Igreja, ou seja, que mude secretarias, o sistema financeiro. É preciso que troque também o secretário de Estado, e dois nomes estão cotados: Monteiro de Castro, cardeal português e atual penitenciário apostólico, e Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. Espero que seja dom Odilo, porque também era o meu candidato preferido para ser o papa. 

Houve por parte da Igreja alguma reação em relação aos seus livros?
 
Silêncio completo. Mas um vaticanista italiano me disse: ‘‘A Igreja leu os seus livros, e o silêncio significa mais respeito do que reprovação’’. Não sei se isso é verdade. Simplesmente a Igreja se calou.

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