Thiago Lacerda interpreta Hamlet com texto acessível em Belo Horizonte

Montagem capitaneada por Ron Daniels aposta na ação e deixa de lado o lirismo do texto de Shakespeare

por Carolina Braga 18/04/2013 07:37

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João Caldas/Divulgação
Para Thiago Lacerda, o clássico permite novos olhares, como humor e o sarcasmo que ele imprime em sua interpretação de Hamlet (foto: João Caldas/Divulgação)
Interpretar Hamlet no palco era algo impensável para Thiago Lacerda. No dia em que o telefone tocou e ele ouviu a proposta, ainda sem querer, não deu chance para negativas. “Imediatamente, como num susto, aceitei”, lembra. Mesmo com trajetória reconhecida na televisão, participação em montagens teatrais como 'Calígula' e 'O evangelho segundo Jesus Cristo', o sim para viver o atormentado príncipe da Dinamarca disparou sentimentos estranhos.

“Depois que desliguei o telefone, fui assaltado por um medo enorme, um pavor terrível. É uma insegurança que bate e você fica se perguntando como será”, recorda. Depois de uma temporada de oito semanas no Rio de Janeiro, Thiago Lacerda sobe nesta sexta-feira, 19, ao palco do Sesc Palladium, seguro de que tem sido uma experiência e tanto.

Ele é o protagonista da montagem capitaneada por Ron Daniels, diretor associado da Royal Shakespeare Company. Há mais de 30 anos, o encenador anglo-brasileiro – que também foi um dos fundadores do Teatro Oficina ao lado de José Celso Martinez Correa e Renato Borghi – se dedica a montagens dos textos do autor inglês, inclusive na terra do bardo, Stratford-upon-Avon. Atualmente radicado em Nova York, Ron decidiu retomar os laços profissionais com o teatro brasileiro depois da montagem de 'Rei Lear' (2000), com Raul Cortez. Desta vez, 'Hamlet' e Thiago Lacerda foram os escolhidos.

Como pesquisador da dramaturgia shakespeariana, Ron Daniels faz questão de deixar de lado todo o palavreado rebuscado que porventura o texto possa carregar. “São atores contando uma história. Não tem ninguém fazendo poesia, decassílabos, música, nada disso. É a história de um menino narrada de uma forma absolutamente clara”, assegura Thiago Lacerda. Além dele, o elenco é composto por 14 atores, entre eles os veteranos Antônio Petrin e Selma Egrei. Em duas horas e 45 minutos eles encenam a tragédia sobre o filho assombrado pelo fantasma do pai, que clama por vingança.

Para viver o jovem Hamlet, Thiago criou seu ritual particular, que começa no camarim. Antes de entrar em cena, corta o próprio cabelo. “Isso foi uma coisa que descobri nos ensaios. É um procedimento de concentração, de desapego estético e até de força. Por mais energia que tenha em cena, acho que o Hamlet nesse momento é uma figura tão frágil que essa coisa de perder o cabelo é muito significativo”, diz.

Hamlet é considerada uma das peças mais difíceis de William Shakespeare e também uma das mais montadas. Para o protagonista, o alcance humano que o personagem exige de seus intérpretes é algo que define bem a complexidade do texto dentro da obra do dramaturgo. “É fundamental que o ator entenda o que está dizendo. Se ele não entende, jamais o público entenderá”, acredita Thiago. O exercício exige concentração máxima.

Para Thiago Lacerda, 'Hamlet' foi encenado tantas vezes no mundo que qualquer comparação perde o sentido. É como reinventar a roda ou buscar explicações para o que não existe. Dito isso, a sorte dele foi que o convite feito por Ron Daniels foi tentar experimentar outros aspectos presentes na obra e que nem sempre ganham destaque. O humor é um exemplo.

No caso desta montagem, o Hamlet de Thiago Lacerda se transforma literalmente em palhaço na frente do público. “Fico me perguntando: será que alguém já pensou em fazer Hamlet com esse nível de sarcasmo?”. Ao mesmo tempo em que questiona, a resposta não é tão importante. O interessante é que há um desejo em buscar a graça por trás do drama. “Essa coisa do clown é surpreendente. As pessoas não imaginam que a gente vai ter essa cara de pau”, diverte-se o ator.

Formação
Com 35 anos e 15 de carreira contados a partir do belo Aramel, de 'Hilda Furacão', Thiago sabe do papel que cumpre ao encarnar no teatro um personagem do naipe de Hamlet. Para ele, a divisão entre ator de teatro e de televisão é uma grande bobagem. “A verdade é que sou um ator, tenho uma carreira em um veículo de massa. É inegável que as pessoas me conhecem, muitas vão ao teatro para me ver, assim como vão ver o Wagner Moura. Isso deveria envaidecer o ator. Existe uma contribuição aí, a de formar plateia. Há uma geração que me acompanha na TV e que talvez vá ao teatro pela primeira vez.”

O primeiro Shakespeare de Thiago Lacerda será tema do debate marcado para sábado, 20, também no Sesc Palladium. A partir das 16h30, o ator vai se encontrar com a plateia mineira para falar sobre a trajetória na televisão e no cinema. Não há necessidade de inscrições e a abertura da sala será às 16h, com entrada franca.

HAMLET
Peça de Shakespeare, com Thiago Lacerda, Antônio Petrin e Selma Egrei. Sesc Palladium, Av. Augusto de Lima, 420, Centro, (31) 3279-1500. Sexta0feira, 19 de abril, e sábado, 20, às 21h; domingo, 21 às 19h. Plateias 1 e 2, R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia); plateia 3, R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Duração: duas horas e 45 minutos, com intervalo de 15 minutos.

Ser ou não ser
Shakespeare é mestre em frases de efeito que ganham vida para além dos palcos. De Ricardo III vem “meu reino por um cavalo”. A mais célebre de todas é a hamletiana “ser ou não ser, eis a questão”. “É um momento mágico, de privilégio total, mas existem outros”, garante Thiago Lacerda. Para o ator, entre as outras passagens marcantes está aquela que trata do ímpeto: “Que o ímpeto seja louvado, pois ele nos faz agir sem pensar e acaba nos ensinando que existe uma divindade que determina as nossas ações”.

Três perguntas para Ron Daniels
Diretor associado da Royal Shakespeare Company e criador da montagem

De que maneira Hamlet continua falando sobre nosso tempo?
Talvez seja estranho dizer isso, mas acho que 'Hamlet' é uma peça existencialista. Shakespeare nos faz indagar quem nós somos. Fora do tempo mesmo. E fora do espaço também, já que não somos e nem ele era dinamarquês. É certo que ele escreve sobre reis, rainhas e príncipes, mas o mais importante para mim é que ele escreve sobre pais e filhos, histórias domésticas com as quais todos nós podemos facilmente nos identificar. E dentro deste esquema, tanto político quanto familiar, surge a pergunta: “Quem sou eu?”.

Você defende a ideia de que há mais ação do que poesia nas peças de Shakespeare?
É isso mesmo. Nenhum personagem para a ação de cena para olhar para o infinito e falar poesia! Claro que os personagens dizem coisas maravilhosas. Afinal Shakespeare era um gênio, mas essas coisas maravilhosas estão sempre dentro de uma situação e de um contexto específicos. Se o resultado é poesia, ele o é quase que por acaso, acidentalmente.

O teatro contemporâneo ainda tem o que aprender com a dramaturgia de Shakespeare?
Creio que sim. Suas peças são muito bem-estruturadas. Afinal ele as escrevia para serem representadas perante um público popular e exigente. Seu teatro é caloroso, vibrante, audacioso. Suas narrativas abrangem temas profundos, mas sempre de forma imediata, próxima de nós. E sempre por meio de personagens de grande complexidade que, como diria Jean-Paul Sartre, talvez estejam se afogando nas suas próprias vidas, se definindo e se renovando a cada instante.

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