Exposição reúne coleção particular de arte popular

No acervo de Priscila Freire, o destaque é para trabalhos de artistas do Vale do Jequitinhonha

por Sérgio Rodrigo Reis 13/04/2013 08:30

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Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press
Casa da colecionadora Priscila Freire ganha ares de museu em razão do cuidado com que trata as peças da arte popular mineira (foto: Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press)

A colecionadora Priscila Freire foi conferir, há 12 anos,  a exposição 'Empório mineiro', com curadoria da amiga Vera Pinheiro, e saiu de lá maravilhada. A mostra reunia, em 111 peças, um panorama da arte popular do Vale do Jequitinhonha. A coleção pertencia à pesquisadora Silvia Rezende Costa, que dedicou parte da vida a ir àquela região para adquirir o que de mais raro encontrava pela frente. Fez isso nos anos 1970, bem antes de aquela produção ser valorizada no circuito das galerias e entre os críticos. Por isso seu acervo é especial. Quando soube que poderia comprá-lo, Priscila não só adquiriu o precioso conjunto, como passou a preservá-lo. A oportunidade de o público rever parte significativa daquelas peças vai ocorrer em maio, em exposição prevista para o Centro de Arte Popular da Cemig, que integra o Circuito Cultural Praça da Liberdade.

A maioria das peças, criadas por artistas como Noemisa Batista dos Santos, Izabel Mendes da Cunha, Ulisses Pereira Chaves, Olinta Teixeira e também de anônimos, veio de uma região que, naqueles tempos, era esquecida pelo poder público, além de ser sinônimo de pobreza e abandono. “Não vou louvar essa fala. O que quero mostrar não será vinculado à ideia de pobreza. Pelo contrário. Quero que as obras fiquem numa sala toda negra, com iluminação feérica. Quero que essas peças apareçam como joias. Na realidade, é o que são”, adianta Priscila Freire, que será a curadora da mostra. Nos últimos anos, a colecionadora cuidou de pesquisar a iconografia e os simbolismos por trás das obras. Várias das observações serão destacadas na exposição.

Além de reproduzir o cotidiano da população do Vale, as esculturas também espelham transformações ocorridas na região. “Lá houve uma grande imigração alemã e percebemos, nas bonecas de dona Izabel, a mistura dos traços do homem rural com as características físicas dos estrangeiros. Há ainda a criação de seres antropomorfos e outro lado mágico representado por seres estranhos, que parecem nascer do inconsciente coletivo, como um centauro, que remonta aos gregos, e foi feito numa região remota. Não sei como eles reproduziram isso sem conhecer.” Também chama a atenção a riqueza iconográfica e temática das peças. “Quanto mais isolados os artistas, mais esse tipo de manifestação aparece. Quando começa a chegar a modernidade, a memória ancestral começou a desaparecer”, diz. 

Se hoje existe uma valorização no mercado e reconhecimento crítico de produção dos artistas populares, naquela época a situação era diferente. A maioria deles saía de comunidades isoladas carregando as peças para vendê-las na beira das estradas. Foi nesse contexto que alguns pesquisadores mineiros começaram a desenvolver um trabalho de valorização daquela estética. Priscila conta que quem iniciou o processo foi Coracy Pinheiro, viúva de Israel Pinheiro, ex-governador de Minas, que implementou um projeto de assistência. No Centro de Artesanato do Palácio das Artes também se destacou o trabalho de Leo Guimarães Alves. “Era inteligente, foi administradora incansável daquele espaço e com bom gosto extraordinário. Foi quando apareceu por aqui a obra de Artur Pereira, GTO e tantos outros. A loja era absolutamente ética em relação ao que era colocado lá”, lembra. 

Homens e bichos

Os visitantes da mostra de arte popular que será aberta em maio deverão se impressionar com algumas peculiaridades do conjunto de 111 peças que serão expostas. Porém, a apreciação completa da coleção, que se encontra em Belo Horizonte em exposição permanente nos porões da casa da colecionadora – construída em cima de uma antiga olaria –, é privilégio de poucos. Com paredes de tijolos à vista e envolto em penumbra, no local aparecem, entre um feixe e outro de luz, figuras impressionantes, algumas delas de aspecto aterrorizante, como as feitas por Ulisses Pereira Chaves. Entre elas há, por exemplo, um homem com três cabeças. 

Pouco mais adiante, nessa espécie de galeria particular, numa grande estante que se prolonga por todo o espaço estão as figuras de seres humanos mesclados a animais e ainda um gato de duas cabeças, uma em cada extremidade. “Acho genial esta-mulher-cachorro. Parece uma esfinge”, diz Priscila, apontando para a peça. Mais adiante, impressionam também as peças de homens com aspectos de animais que lembram uma velha lenda do sapo enfeitiçado. “Dizem que uma jovem jogou uma bola num lado e ficou desesperada para pegá-la. Veio um sapo com a bola e disse que a devolveria com uma condição: que não só o levasse para casa, como dormisse com ele. Quanto levantou, a jovem viu que ele havia se transformado num príncipe. Esse pessoal do Vale não sabe dessas lendas e, mesmo assim, criam imagens como a de uma mulher copulando com um sapo.” A obra deverá estar na exposição.

Outro conjunto de esculturas que o público também verá é o da artista mais conhecida do Vale do Jequitinhonha: a bonequeira dona Izabel. Serão apresentadas algumas peças feitas nos anos 1970 e que, além da iconografia e posições tradicionais, também foram retratadas com dentes, sentadas ou trabalhando com pilão. “Há uma boneca especial que digo que é minha Nefertite. Tem a cabeça mais bonita de minha coleção. Até desconfio que a cabeça, que é solta e encaixada no corpo, pode pertencer a outro corpo, porque é tão delgada”, sugere. 

O acervo ainda guarda curiosidades, como uma bilha de dois andares com um reservatório em cima e outros três abaixo, que se intercomunicam, e um conjunto feito pela artista Noemisa retratando o círculo completo da vida. “Vou levar as cenas teatrais que ela cria no interior de uma casinha, com o nascimento do bebê, depois o batizado, a catequese, a escola, o noivado e o casamento”, promete.


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