Esculturas valiosas são vítimas do descaso pelas ruas de Belo Horizonte

Em diversos pontos da cidade, obras de artistas importantes são mal preservadas, ignoradas pelo público e, em alguns casos, instaladas de maneira incorreta

por Sérgio Rodrigo Reis 18/02/2013 09:11

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Euler Junior/EM/D.A Press
Obra do artista plástico Amilcar de Castro está abandonada em frente a Escola Estadual Professor Hilton Rocha, bairro Primeiro de Maio (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
Belo Horizonte está entre as poucas cidades do Brasil que têm o luxo de contar, em seu espaço público, com um conjunto significativo de esculturas de grandes proporções assinadas por artistas consagrados. São obras valiosas de nomes como Amilcar de Castro (1920–2002), Franz Weissmann (1911–2005) e Mary Vieira (1927–2001). De qualidade inquestionável, elas poderiam figurar em respeitadas coleções internacionais. Mas BH trata mal o seu precioso acervo.

A maioria das peças está instalada de maneira incorreta, sem informações que auxiliem o público a admirá-las e compreendê-las. Além disso, tornaram-se reféns da ação do tempo.

A rara versão em grandes proporções de uma escultura seminal de Amilcar de Castro está escondida no mato. Pior: deitada no pátio de entrada da Escola Estadual Professor Hilton Rocha, no Bairro 1º de Maio. Ela passa despercebida, apesar de ser peça das mais disputadas no mercado de arte. “Ando por aqui direto, não tinha notado. Para mim, isso nada significa”, diz a estudante Jussara Viana, moradora do Bairro Dona Clara. A mesma sensação tem o namorado dela, Ricardo Mendes: “Vim aqui várias vezes, nunca reparei nessa escultura”.

O auxiliar de serviços gerais Marcos Goulart reclama da falta de informações sobre o trabalho de Amilcar de Castro. “Seria importante se os alunos soubessem o significado dele”, comenta. Alessandra Carla Umbelino, diretora da escola, conta que não encontrou informações sobre a peça. “Poderia ser feito um trabalho com parceiros para conscientização e conhecimento”, diz a professora.

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'Liberdade e equilíbrio', uma das peças mais importantes de Mary Vieira, está mal conservada e sua visibilidade é prejudicada por placas, veículos e árvores plantadas na Praça Rio Branco, no Centro (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
A falta de cuidado se repete no caso da obra de Mary Vieira. Uma de suas maiores esculturas, 'Liberdade e equilíbrio', instalada em 1982 no centro da Praça Rio Branco, em frente à rodoviária, enfrenta a sujeira e a falta de conservação. Mal pode ser notada, pois sua visibilidade é prejudicada pelas árvores que circundam o espaço.

Para completar, recentemente instalou-se uma grande placa publicitária na frente da obra de Mary Vieira com informações sobre a implantação do BRT. “Até posso imaginar que se trata de uma escultura, mas não sei o que é isso. Não há informações sobre o autor. Confesso: sempre fico curioso com ela”, comenta o instalador de tecidos João Ângelo Rodrigues Rezende, que frequentemente cruza a Praça Rio Branco.

Euler Júnior/EM/D.A Press
'Espaço circular em cubo virtual', de Franz Weissmann, na Praça Afonso Arinos, é "apagada" por outras interferências. Nem sequer é percebida pelo público. Foi instalada sobre platô que concorre com suas formas leves e circulares. Não há placas que informem sobre a obra no local (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
Instalada há vários anos na Praça Afonso Arinos, 'Espaço circular em cubo virtual', escultura de Franz Weissmann, concorre com tanta informação visual à sua volta que não chama a atenção nem do dono da banca de jornais em frente. Desde 1981, Manoel Ferreira Batista trabalha na Banca Oliveira. E jura que a obra de arte está ali “faz uns três meses”.

Batista nem sequer sabe que se trata de uma escultura. Depois de conversar com o repórter, diz que faltam informações a respeito. “Podia ter uma placa perto, com o nome do artista, explicando melhor suas ideias. Interpretar uma coisa dessas sem nenhuma referência é complicado. Não sei o que dizer diante daquilo”, confessa.

Concorda com ele o bancário aposentado Seleme Isaac Seleme, que mora no prédio em frente à Praça Afonso Arinos. “Já tinha reparado nela, mas não compreendi. Que é bonito, é. Gostei”, afirma ele.

CADÊ?

É muito pior a situação do 'Monumento ao desarmamento', escultura do artista plástico Jorge dos Anjos instalada há alguns anos numa das entradas da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Composto por três cubos empilhados – um de aço, um de vidro com armas de brinquedo dentro e o terceiro de aço –, o trabalho foi removido sem maiores explicações. “Ele ficou muito bonito, mas o tiraram e jogaram num canto qualquer. Fiquei indignado e aborrecido”, reclama Jorge.

O artista plástico lembra que outro problema ocorreu com o 'Monumento a Zumbi', criado por ele para a prefeitura homenagear o herói da resistência negra. “A peça ficou largada, a placa com informações foi roubada. Para completar, um carro bateu nela e a amassou. Colocaram a escultura no mesmo lugar, sem consertá-la. Ficou lá no início da Avenida Brasil. Ver aquilo sem poder fazer nada é complicado”, queixa-se Jorge.

Jair Amaral/EM/D.A Press
O artista plástico Álvaro Apocalypse, fundador do grupo de teatro de bonecos Giramundo, deixou, pouco antes de morrer, em 2003, um dos poucos conjuntos de esculturas em espaços públicos de BH. Ele foi instalado no Bairro Lagoinha. Atualmente, as obras estão pessimamente conservadas (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Giovani Fantauzzi, escultor e professor da Escola Guignard, sugere que Minas siga o exemplo de São Paulo. “Há muitas obras instaladas lá, a maioria bem cuidada. Elas contam com jardim, iluminação e gente para vigiar. Aqui, gasta-se para fazer, mas depois ninguém liga mais”, lamenta.

O professor adverte: não há critério para instalar obras nas praças de BH. “Há coisas muito ruins. O pessoal só pede licença para colocar. Não há, por parte dos governos, preocupação em separar o que é obra de arte e o que é artesanato”, afirma.

O especialista sugere a criação de comissão formada por escultores e críticos para cuidar da seleção de trabalhos a serem expostos. Na opinião de Fantauzzi, autores e familiares de artistas falecidos deveriam cobrar esse cuidado com mais empenho.

OUTRO LADO
A assessoria de imprensa da Regional Centro-Sul da Prefeitura de Belo Horizonte informa que não conta com equipe de restauração. Acrescenta que a limpeza dos monumentos e de obras de arte da cidade é feita sempre que há demanda. A Fundação Municipal de Cultura informa que tem como meta para os próximos anos a abertura de um concurso de esculturas para ocupar espaços públicos da capital.

 

A Câmara Municipal de Belo Horizonte, por meio de sua assessoria de imprensa, alega que a instalação da obra de Jorge dos Anjos e sua retirada foram iniciativas particulares do ex-vereador Betinho Duarte. Garante que a escultura não pertence ao patrimônio do Legislativo.

QUEM É QUEM
>> Franz Weissmann
Nascido na Áustria, em 1911, é considerado por críticos de arte uma das principais referências da escultura brasileira. Sua obra é baseada em interpretações plásticas de figuras geométricas como o cubo e o quadrado. Os trabalhos são agrupados em conjuntos como fios, cubo, janelas, construções, diagonais, planos e fitas. Morreu em 2005, no Rio de Janeiro.

>> Mary Vieira
Nasceu em 1927, em Minas Gerais, mas foi registrada em São Paulo. Morreu em 2001, na Suíça. Professora, escultora
e designer gráfica, se tornou um dos principais nomes do movimento neoconcretista brasileiro. Suas obras estão em BH e em acervos importantes de São Paulo e de Brasília.

>> Amilcar de Castro
Nasceu em Paraisópolis, Sul de Minas, em 1920, e morreu em BH, em 2002. Um dos principais escultores do país, foi também designer gráfico. Fundador do Movimento Neoconcreto, tornou-se um dos nomes mais representativos da arte contemporânea no país.

>> Jorge dos Anjos
Nasceu em Ouro Preto, em 1957. Começou a estudar arte ainda criança, porque o pai gostava de desenhos e o incentivava. Tornou-se escultor ao estudar com Amilcar de Castro. Tem obras em importantes acervos – várias delas em espaços públicos de BH, como oMonumento a Iemanjá e a escultura dedicada a Zumbi.

 

Euler Junior/EM/D.A Press
Várias obras de Amilcar de Castro em espaços públicos de Minas foram mal instaladas. Exemplos disso são 'Estrela' (foto), emblemática escultura em posição incorreta em frente à Escola Estadual Hilton Rocha, no Bairro 1º de Maio; a peça instalada na Praça Alasca, no Sion, escondida entre árvores; e a escultura à entrada do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na Avenida Raja Gabáglia - há uma grade bem na frente dela (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
 

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